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A ineficiência do Estado sobre o financiamento internacional das empresas portuguesas em África: o caso do "blending"

Actualmente, 50% da população africana é constituída por jovens com menos de 18 anos, dispersos por um território imenso com 30.440.358 km2 distribuído por 54 países, seis dos quais membros da CPLP, e várias comunidades económicas de integração regional.

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Em 2050, estima-se que o continente terá mais de 2.000 milhões de habitantes, mais de 1.000 milhões em idade de trabalhar e 50% da população viverá em zonas urbanas.

 

O consumo interno está a ser impulsionado pela emergência de novas classes médias dinâmicas, empreendedoras e conectadas com o mundo.

 

Cerca de 140 milhões de africanos vivem fora do continente. Potenciais investidores, a diáspora africana enviou em 2016 perto de 32,5 mil milhões de euros de remessas para o continente, segundo o Banco Mundial.

 

Contudo, o desemprego entre a juventude continua a um nível preocupante e inaceitável, tal como escasseiam as oportunidades para o empreendedorismo local e respectivo financiamento.

 

Assim, os maiores desafios de África são o de educar, de formar e de qualificar as pessoas e de promover a criação de empresas e de emprego. Para tal é imperativo criar condições favoráveis ao investimento privado, local e estrangeiro.

 

A ambiciosa Agenda 2030 – Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (SDG) e o Acordo de Paris requererão investimentos substanciais tal como novas formas de parcerias para aumentar o investimento e estimular uma colaboração acrescida por parte de todos os "stakeholders". Se o investimento se mantiver na sua actual trajectória, não será suficiente para se alcançarem os SDG nos países em desenvolvimento (OCDE 2018). O hiato é estimado em 2,5 triliões de USD por ano (UNCTAD 2014 citado por OCDE 2018).

 

É certo que há mais financiamento disponível do que no passado para os objectivos do desenvolvimento em países em desenvolvimento proveniente do sector privado, mas para diminuir o referido hiato, os países em desenvolvimento terão ainda de mobilizar financiamentos adicionais através dos sectores privados nacional e externo, bem como de outros agentes que ainda não investem nestes países como por exemplo fundos de pensões, companhias de seguros e fundos mutualistas.

 

Na comunidade financeira do desenvolvimento, o "blended finance", que em Portugal se designa abreviadamente por "blending", emerge como uma solução de alto potencial para vencer o desafio usando apoio público para mobilizar financiamentos comerciais, permitindo a concretização de importantes investimentos que permitem um crescimento inclusivo e sustentável para as economias em desenvolvimento e simultaneamente reduzindo o risco dos investidores privados.

 

O Banco Mundial definiu o "blending" da seguinte maneira: "Blended finance is an approach that can be used to enable the private sector to invest where it would not otherwise be possible. The idea is to mix concessional funds typically from donor partners with those of commercial development institutions and private investors in a risk-sharing arrangement, with aligned incentives to make sure official assistance can be leverage as much as possible with private capital" (IFC 2016). Em tradução livre para português: "O 'blending' é um formato de financiamento que pode ser utilizado para permitir ao sector privado investir onde normalmente não teria condições para tal. A ideia é combinar fundos concessionados por parceiros doadores com fundos de instituições comerciais para o desenvolvimento e de investidores privados num esquema de partilha de risco, alinhado com incentivos para assegurar que os recursos de apoio oficiais possam ser alavancados o máximo possível com o capital privado."

 

Bancos multilaterais de desenvolvimento (MDB), instituições financeiras para o desenvolvimento (DFI) incluindo as europeias (EDFI), governos, ministérios e agências e ajuda pública ao desenvolvimento, bancos comerciais, fundos de investimento e instituições filantrópicas trabalham activamente na melhoria e fomento do "blending" como mecanismo fundamental para o envolvimento das empresas privadas nos países em desenvolvimento, equilibrando o risco dos accionistas, a geração de lucro e a inclusão social.

 

Em Portugal, este movimento que constitui uma oportunidade para a competitividade e internacionalização das empresas portuguesas parece ser tratado com indiferença pelo governo.

 

Na verdade, a SOFID, ou seja, a EDFI portuguesa continua sem capacidade para exercer a sua missão por falta de capital, gestão e recursos humanos, impedindo assim às empresas portuguesas o acesso ao "blending" e a outros mecanismos de financiamento disponíveis na União Europeia.

 

Por outro lado, a Cooperação Portuguesa deveria ser mais célere em concluir o processo contratual com a Comissão Europeia (CE) para permitir às empresas (e às ONGD) portuguesas o acesso à execução de projectos de cooperação delegada da CE. Esse acesso não deve ser exclusivo do Estado através do Instituto Camões (ou de Ministérios sectoriais que têm as suas estruturas próprias de Cooperação), ao qual deve competir a coordenação, o acompanhamento e a avaliação da execução desses projectos por parte das empresas e das ONGD.

 

Finalmente, transcrevo o que escreveu João Vieira Pereira no Expresso Economia de 14 de Abril de 2018, seguramente bem informado: "A AICEP voltou a ser um organismo burocrático e lento. Há empresas lusas que preferem integrar comitivas de outros países (onde também operam) do que a portuguesa, pela miséria de apoios, falta de estratégia e capacidade de trabalho."

 

Nota: o autor escreve a título pessoal

 

Presidente do Conselho Estratégico para a Cooperação, Desenvolvimento e Lusofonia Económica

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