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A galinha dos ovos de ouro

Se há área económica em que dificilmente se identifica a impressão digital de um governo em particular e que tem merecido um importante contributo transversal de sucessivos responsáveis políticos, é, precisamente, o turismo.

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A comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde recomendou, em 2014, a criação de "taxas municipais de ocupação turística" sustentada na necessidade de garantir os meios financeiros às autarquias para a manutenção das infra-estruturas públicas decorrentes, designadamente, do desgaste provocado pela actividade turística, bem como à promoção de projectos turísticos e culturais sustentáveis.

 

A criação deste tipo de taxas – amiúde, designadas por "taxinhas" – é sempre, como a criação de qualquer taxa, contribuição ou imposto, revestida de controvérsia.

 

Ao contrário da "taxa de chegada por via aérea" criada pela Câmara Municipal de Lisboa, que ainda não "aterrou" por dificuldades de "operacionalização", sem qualquer racionalidade e em total desarticulação com os restantes concelhos da área metropolitana, a taxa de dormida, já em vigor, revelou-se certeira, permitindo compensar algum "transtorno" que o turismo sempre provoca na cidade.

 

Do ponto de vista jurídico, estas taxas têm total enquadramento na Lei das Finanças Locais e justificam-se pela utilidade prestada aos turistas por serviços ou disponibilidade de bens do domínio das autarquias.

 

Se há área económica em que dificilmente se identifica a impressão digital de um governo em particular e que tem merecido um importante contributo transversal de sucessivos responsáveis políticos, é, precisamente, o turismo.

 

Com o lastro de consenso em torno da importância do turismo para a economia portuguesa, as taxas de dormidas surgem, assim, como uma forma natural de compensar os municípios pelo facto de não poderem beneficiar directamente das receitas originadas por esta actividade além de um beneficio marginal na derrama do IRC decorrente da alavancagem da actividade económica. E isto enquanto não é cumprido o acordo celebrado com os municípios, segundo o qual o IMT deveria ser gradualmente eliminado até 2018, aumentando-se, em contrapartida, a participação das autarquias nas receitas provenientes de outros impostos cobrados nos respectivos territórios como o IRS ou estendendo-se este regime de receitas municipais também ao IVA.

 

O sucesso dos destinos turísticos baseia-se, além da qualidade intrínseca dos equipamentos hoteleiros, em grande medida, na qualidade e conservação das infra-estruturas municipais, diversidade de ofertas culturais e grau de preservação ambiental e do património histórico.

 

É precisamente no reconhecimento dos municípios do seu imprescindível papel no planeamento e gestão de todas estas envolventes, que as taxas de dormidas surgem como uma fonte sustentável e robusta de internalização de alguns efeitos negativos provocados pelo turismo a nível local, contribuindo para uma redistribuição com base num critério material de justiça fiscal dos encargos suportados pelos municípios.

 

A recente decisão do município de Cascais de criação de uma taxa turística de 1 euro por dormida até ao máximo de 5 euros (e cuja receita se estima possa atingir 1,2 milhões em 2017) vem nesta linha e constitui, sem dúvida, uma interessante iniciativa de financiar projectos culturais relevantes como são o Museu de Arte Moderna, a Academia das Artes ou a Feira Internacional da Cultura. Com isto ficam, desde logo, assegurados os pressupostos que devem presidir aos investimentos municipais: a plena demonstração do interesse económico e a sustentabilidade financeira dos projectos.

 

É sem dúvida uma forma de fazer render os ovos de ouro da galinha sem que isso signifique o depenar da própria.

 

Advogado

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