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União bancária à italiana

Com a solução encontrada, os bancos em dificuldade são oficialmente liquidados. A parte saudável ("banco bom") vai para um grande concorrente por um preço simbólico. A restante parte vai para um "banco mau".

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O recente resgate à moda antiga ("bail-out") de dois bancos pelo governo italiano veio lembrar aos que, em Portugal, ainda teimam em sonhar com o reforço do maná europeu - ou seja, na mutualização da dívida -, quão vã e imoral é essa via. De caminho deve ter sentenciado de morte, nos moldes centralizadores previstos, a tão ambiciosa quanto impossível união bancária europeia.

 

Forçar a mutualização do risco é um projecto imoral que o governo italiano agora deitou completamente por terra com o previsível aumento de 17 biliões na sua dívida pública para acorrer aos insensatos credores de dois bancos em dificuldade.

 

No final de Junho, as autoridades europeias (Comissão, Single Resolution Board, Single Supervision Mechanism, BCE) foram forçadas a conformar-se com o resgate pelo governo italiano de dois bancos médios (55 biliões de euros de activos) da região de Veneto (Veneto Banca e Banca Popolare di Vicenza). A injecção de dinheiro público é, de imediato, de 5 biliões de euros que irão até 17 biliões, conforme as perdas que se vierem a revelar. Antes os dois bancos já tinham beneficiado de uma garantia estatal de 10 biliões de euros que será provavelmente accionada. Tanto para a dimensão dos bancos como para o tamanho da economia italiana estes valores são enormes, ampliando o significado desta intervenção estatal.

 

Após um demorado braço-de-ferro, as autoridades europeias cederam em toda a linha ao governo italiano presenteando-nos com uma laboriosa, mas não convincente, justificação. O jogo durou longos meses. De um lado, o governo procurando injectar a todo o custo fundos públicos nos bancos mais problemáticos; do outro lado, as instituições europeias visando aplicar as regras europeias da resolução bancária e das ajudas públicas.

 

Com a solução encontrada, os bancos em dificuldade são oficialmente liquidados. A parte saudável ("banco bom") vai para um grande concorrente por um preço simbólico. A restante parte vai para um "banco mau".

 

Na verdade, a decisão pôs em causa o cerne das regras de resolução que postulam que os governos não pagarão as perdas privadas. Mais precisamente: o uso de fundos públicos obrigaria a perdas de accionistas e obrigacionistas e em última instância grandes depositantes.

 

Neste caso, a Comissão - com o argumento de que os "bancos maus" não vão operar e concorrer no mercado - dá uma espectacular cambalhota e considera que as ajudas não distorcem a concorrência. O governo cumpre plenamente o seu objectivo principal; este era salvar os investidores, ao arrepio das regras básicas da resolução dos bancos recentemente emitidas pela União Europeia.

 

A solução agora encontrada viola os princípios mais básicos da união bancária.

 

Esta decisão atinge a credibilidade da união bancária e matará, de caminho, a tentativa de avanço para o seguro de depósito comum e, em geral, para a mutualização dos riscos.

 

A cambalhota das instâncias europeias tem a sua elegância. O SRB (Single Resolution Board) declarou os dois bancos como "não sistémicos". A sua liquidação fica, assim, ao abrigo da lei italiana. Textualmente: "Estes dois bancos não desempenham funções críticas e a sua falência não tem impacto negativo na estabilidade financeira." Mas isto contradiz a justificação dada pelo governo italiano que invoca, precisamente, a estabilidade financeira para resgatar as más aplicações dos investidores e credores nos bancos em dificuldade.

 

Chegamos assim a um ponto que iríamos sempre encontrar: à contradição entre a centralização das decisões de política bancária nas instâncias europeias e a natureza nacional do essencial das operações do sector bancário. A persistente inter-relação entre os estados nacionais e o sector bancário a operar no seu território conduz à impossibilidade de aplicação do princípio do "bail-in".

 

Na verdade, o "bail-in" é superior ao "bail-out" e seria aquele que deveria ser, desejavelmente, implementado. Mas a presença das actuais relações estruturais entre o Estado, o Banco Central, o sector bancário e a produção da moeda torna impossível a eliminação do risco moral.

 

A vã procura de estabelecer o "bail-in" fracassou. A sábia resistência do governo italiano operou-lhe o oportuno golpe de misericórdia.

 

Economista e professor no ISEG

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