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Reforma do sistema político: da oligarquia à demarquia

O elevado e crescente nível de abstenção nas eleições só aparentemente tem causado preocupações. As propostas de melhoria do sistema político são tímidas e inconsequentes.

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"É democrático escolher os magistrados por sorteio; oligárquico, elegê-los."

 

Aristóteles, A política.

 

"O sufrágio por sorteio é da natureza da democracia; o sufrágio pela escolha é da natureza da aristocracia."

 

Montesquieu, O Espírito das leis.

 

A próxima campanha eleitoral deveria comportar o debate sobre a reforma séria do sistema político que, reforçando a sua natureza democrática, o torne mais eficaz na economia e no social e moralmente mais aceitável. Mudanças, além das cosméticas, não poderão deixar de passar pela introdução significativa de uma componente forte das escolhas dos decisores políticos por sorteio ou seja para a abertura de caminho para a substituição progressiva da democracia eleitoral pela demarquia, na designação criativa de Burnheim e Hayek(1).

 

O elevado e crescente nível de abstenção nas eleições só aparentemente tem causado preocupações. As propostas de melhoria do sistema político são tímidas e inconsequentes. Acresce que à fraca participação popular se aliam dois problemas maiores: a fraca qualidade dos resultados na economia e nas áreas sociais e a corrupção. O sistema é pouco participado, ineficaz e moralmente fraco. A confiança desceu a níveis muito baixos.

 

A insatisfação é indisfarçável mas tem sido pouco referida, embora pulsões autoritárias e centralizadoras comecem a vir à luz do dia. Não é por acaso que se tornou popular, à esquerda e à direita, exigir aos políticos a definição de desígnios para que o povo acredite e siga, num desprezo pela diversidade e individualidade das pessoas.

 

Esta situação afecta outras paragens mas é particularmente grave em Portugal: maior abstenção, menor nível de vida, tendência particular para conduzir o país à bancarrota.

 

A situação vai agravar-se: a pressão demográfica, as altas expectativas, a baixa produtividade, a alta fiscalidade, a degradação dos serviços públicos, o endividamento. O sistema precisa de uma reforma séria. Esta, será ou pela via do populismo de esquerda ou de direita ou através de mais democracia, que ponha o indivíduo normal no centro das decisões, dando a todos a mesma chance de serem escolhidos.

 

A ideia de escolha por sorteio pode parecer a muitos uma loucura. Mas não é.

 

É milenar a dicotomia entre eleição e sorteio. Este é o traço básico da democracia no mundo antigo. Até ao século XVIII a associação entre democracia e escolha por sorteio era consensual. A ruptura para a actual concepção da democracia como sistema de escolha por eleição ocorre com as revoluções americana e francesa que consagram o domínio das minorias revolucionárias vitoriosas.

 

A recuperação da ideia clássica de democracia resulta da crise das democracias eleitorais. Esta recuperação ocorre tanto ao nível do pensamento, com vários contributos da ciência política e mesmo de alguns políticos com propostas arrojadas, como ao nível das práticas com várias e crescentes experiências.

 

Vários políticos, de esquerda e de direita, propõem a introdução do sorteio na formação das assembleias legislativas. Apenas a título de exemplo, em 2017, Mélenchon propôs constituir por sorteio todo o Senado e 50% da Assembleia Constituinte.

 

Desde 2000 até 2018, ocorreram 107 experiências(2) em diversas partes do mundo, com destaque para o Canadá com 31 casos a Austrália com 21 e os EUA com 12. O número de experiências tem vindo a crescer: 60 no quinquénio 2014-2018, contra 36 em 2009-2013 e apenas 8 e 2 nos quinquénios sucessivamente anteriores.

 

As vantagens da escolha por sorteio são há muito conhecidas. Algumas já eram referidas pelos clássicos, outras tornaram-se evidentes recentemente, com a perversão dos sistemas de escolha por eleição. Enumero apenas algumas, de forma telegráfica:

 

- Aumenta a legitimidade popular: dá a todos as mesmas oportunidades.

 

- Aumenta a independência dos escolhidos.

 

- Diminui a corrupção.

 

- Reduz os custos do sistema político.

 

- Diversifica o poder.

 

- Aumenta a congruência entre representantes e representados, entre o povo e as elites.

 

- Evita a questão das quotas e potencia a representação das minorias.

 

- Aumenta e diversifica o conhecimento nos órgãos decisores.

 

- Diminui as influências monetárias e outras nas escolhas políticas.

 

- Evita a fadiga do voto dos eleitores.

 

 

(1)Os contributos decisivos, um com motivações à direita, o outro à esquerda, são: Friedrich von Hayek, Law, legislation and liberty e John Burnheim, Is Democracy Possible?

 

(2)Dados da Sortition Foundation.

 

Economista e professor no ISEG

 

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

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