Opinião
O advogado que gostava das contas certas
Medina Carreira sabia fazer contas e os dados da economia portuguesa raramente passavam na sua prova dos nove. Um sábio que foi ministro das Finanças, num período muito crítico, e que nunca se cansou de alertar para a maneira como o país era gerido.
Henrique Medina Carreira gostava de contas certas. E facilmente fazia a prova dos nove das previsões económicas. Num país com o PIB anémico e dívida galopante, o homem que foi ministro das Finanças num tempo em que o governo tinha de mendigar empréstimos externos para pagar a conta dos cereais importados no mês seguinte, desconfiava das narrativas de um falso sucesso mascarado por fraca cosmética.
Houve quem lhe chamasse 'velho do Restelo', mas a verdade é que quase sempre os factos vieram dar razão a este advogado, brilhante fiscalista, que muitos portugueses que liam os seus livros, entrevistas ou o viam na televisão pensavam que era economista. Frequentou o antigo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (actual ISEG), mas não chegou a concluir o curso.
Começou a trabalhar muito cedo e sempre gostou de fazer contas. E era a simplicidade, quase aritmética, de um raciocínio muito simples que apontava para a evolução económica e dizia que o rei ia nu.
Lamentavelmente nos primeiros anos do novo milénio, os portugueses, particularmente a elite que mandava, pouco escutava os alertas deste fiscalista, que em livros, artigos e entrevistas alertava para uma inevitável tragédia, se o rumo não fosse alterado. Não o ouviram e este País continuou a dar passos em frente rumo ao abismo. Quando Portugal bateu no fundo e foi alvo de mais um resgate, em 2011, não foi por falta de aviso. Medina Carreira cumpriu o seu papel cívico, o poder é que não o ouviu.
Nem a generalidade do povo português gostava do que dizia Medina Carreira. Embriagados com dinheiro fácil e barato, as famílias endividaram-se e acreditavam que o crédito era eterno. Nesses anos com a economia a andar a passo de caracol, o consumo alimentado a crédito em suaves prestações pagava casas, férias e electrodomésticos. E o Estado era o maior gastador. Gastava o que não tinham com crédito e enriquecia rentistas com parcerias público-privadas, a amortizar depois pelas gerações futuras.
O resgate da troika em 2011 e todos os sacrifícios que se seguiram eram escusados se o País fosse mais responsável e estivesse mais atento ao que dizia Medina Carreira.
De todas as profecias há uma que permanece: "Esta democracia não sobrevive com esta economia". Agora até parece que está tudo bem, mas se a actual recuperação não for sustentada, rapidamente voltaremos a lembrar as profecias de Medina.
Saldo Positivo: Assunção Cristas
No momento em que o governo de António Costa sofre um apagão com a tragédia de Pedrógão Grande, que queimou politicamente a ministra da Administração Interna, agravado pelo roubo de material de guerra em Tancos, que revelou a fragilidade do ministro da Defesa, o primeiro-ministro foi a banhos para as Baleares. Neste quadro, quem fez melhor o papel de líder da oposição foi a presidente do CDS: "Senhor primeiro-ministro, volte de férias e demita-os" é uma declaração que marca esta semana.
Saldo Negativo: Azeredo Lopes
Um depósito de material de guerra foi assaltado e o gang que concretizou o roubo tem um arsenal muito perigoso, com potencial para mortíferos atentados terroristas. Além da ameaça directa para a nossa segurança, este caso danificou a imagem externa do País. De facto, nem na famosa guerra de Solnado era admissível um episódio desta gravidade. Uma falha que até ao momento do fecho desta edição não teve qualquer consequência política. E Azeredo Lopes continua como ministro da Defesa.
Algo completamente diferente: O estranho caso das crianças por encomenda
"Sei que é politicamente incorrecto dizê-lo, mas indigna-me o aparente consenso com que as pessoas acolhem o 'episódio' Cristiano Ronaldo e os gémeos, aceitando alegremente a versão de que foram gerados por uma barriga paga a preço de ouro. Como se não houvesse nada de chocante em que as crianças fossem entregues como se não passassem de um qualquer gadjet, encomendado pela internet (...). Como se não houvesse nada de especial em mandar fabricar crianças propositadamente órfãs". Este texto de Isabel Stilwell, publicado aqui no Jornal de Negócios, merece leitura atenta.