Opinião
Feios, porcos e maus
Tenho algum orgulho em considerar-me aberto aos outros. Estou atento às ideias que me sabem a novo, que trazem a possibilidade de mudança ou apenas a hipótese de olhar de outra maneira para o que eu já conhecia e, nalguns casos, julgava erradamente saber.
A livre circulação de pessoas na Europa, depois a moeda única – mesmo numa versão desequilibrada e coxa –, as primeiras vagas de refugiados e mesmo as seguintes, portadoras de riscos e ameaças, jamais me fez recuar. Na realidade, ainda hoje tenho de fazer algum esforço para moderar este meu impulso radical que tantas vezes não avalia e até despreza a territorialidade que também nos define como pessoas, seja no emprego ou na comunidade.
Até há bem pouco eu julgava que esta abertura ao outro, esta disposição para acolher e integrar era, na verdade, não apenas um imperativo ético, mas também o reflexo de alguma superioridade moral embrulhada em saudáveis princípios económicos: juntar o talento, viesse ele donde viesse, e acrescentar-lhe o esforço necessário para a sua concretização seriam o alfa e o ómega de uma sociedade mais próspera.
Durante anos, a cavalgada imparável do PIB dos Estados Unidos reforçou esta minha convicção, afinal partilhada com tantos outros: a entrada constante de imigrantes na América, legais e ilegais, somou, braço a braço, cabeça a cabeça, mais riqueza aos desejáveis ganhos de produtividade, por definição menos homogéneos e regulares do que uma política fronteiriça apesar de tudo aberta.
Esta política, a imigração, ainda que não expressamente assumida, completava a outra, chamemos-lhe crescimento orgânico, abrindo um ciclo virtuoso imparável, apesar de também desigual. À fome de alguns, dos que chegam de fora, juntou-se a vontade de comer e de fazer dos de dentro, dando forma a um ciclo gerador de possibilidades económicas, sociais e culturais.
E no entanto as possibilidades de uns implicam necessariamente o ajustamento – perdas e sacrifícios, alguns reais, outros supostos – de outros. São circunstâncias desafiadoras a todos os níveis: emprego, coesão social, expetativas, etc. O grupo de pessoas a que pertenço tem a lastimável tendência a desvalorizar este contexto e até se sente incomodado com as manifestações de patriotismo que tantas vezes lhe estão associadas. Atribuímos-lhe um valor tribalista e rudimentar. Como cidadãos do mundo, não gostamos que nos apertem as vistas.
Mas há claramente um fosso cada vez maior entre os que decidem e falam (políticos, opinadores, académicos) e os que recebem estas mensagens e não se sentem de todo representados. A resposta a isto é o fortalecimento de nacionalismos e populismos, o êxito de políticos como Trump, Marie Le Pen e Geert Wilders, mas também de partidos como o Cinco Estrelas, o UKIP, o Podemos, sem esquecer o fresquíssimo salto eleitoral de Jeremy Corbyn, todos eles hábeis a capitalizar a frustração geral.
O pior que podemos fazer é, por isso, reduzir a análise a este fenómeno ao simples levantar de sobrolho intelectual, desvalorizando, ridicularizando e ofendendo as escolhas políticas destes eleitores. É verdade que apenas 3% da população mundial vive fora do seu país de origem e que a esmagadora maioria mora a poucos quilómetros do sítio onde nasceu e cresceu. É também verdade que a globalização é menos global do que parece, exceto nos produtos que consumimos, mas a sensação de perda real das classes médias e dos mais desfavorecidos é um facto que tem de receber a resposta política adequada.
Os que votaram em Trump não são feios, porcos e maus. Os que escolheram sair da União Europeia não são racistas ou nacionalistas ameaçadores. Haverá uma pequena parte que sim, mas a esmagadora maioria é feita de pessoas que reage como pode à desigualdade económica. Estão-se nas tintas para o fim da City de Londres, já que o fruto dessa riqueza só favorece uma minoria de privilegiados. Exigem apenas que haja alguém que os leve um pouco mais a sério. Ainda estamos a tempo.
Este artigo está em conformidade com o novo acordo ortográfico
Até há bem pouco eu julgava que esta abertura ao outro, esta disposição para acolher e integrar era, na verdade, não apenas um imperativo ético, mas também o reflexo de alguma superioridade moral embrulhada em saudáveis princípios económicos: juntar o talento, viesse ele donde viesse, e acrescentar-lhe o esforço necessário para a sua concretização seriam o alfa e o ómega de uma sociedade mais próspera.
Esta política, a imigração, ainda que não expressamente assumida, completava a outra, chamemos-lhe crescimento orgânico, abrindo um ciclo virtuoso imparável, apesar de também desigual. À fome de alguns, dos que chegam de fora, juntou-se a vontade de comer e de fazer dos de dentro, dando forma a um ciclo gerador de possibilidades económicas, sociais e culturais.
E no entanto as possibilidades de uns implicam necessariamente o ajustamento – perdas e sacrifícios, alguns reais, outros supostos – de outros. São circunstâncias desafiadoras a todos os níveis: emprego, coesão social, expetativas, etc. O grupo de pessoas a que pertenço tem a lastimável tendência a desvalorizar este contexto e até se sente incomodado com as manifestações de patriotismo que tantas vezes lhe estão associadas. Atribuímos-lhe um valor tribalista e rudimentar. Como cidadãos do mundo, não gostamos que nos apertem as vistas.
Mas há claramente um fosso cada vez maior entre os que decidem e falam (políticos, opinadores, académicos) e os que recebem estas mensagens e não se sentem de todo representados. A resposta a isto é o fortalecimento de nacionalismos e populismos, o êxito de políticos como Trump, Marie Le Pen e Geert Wilders, mas também de partidos como o Cinco Estrelas, o UKIP, o Podemos, sem esquecer o fresquíssimo salto eleitoral de Jeremy Corbyn, todos eles hábeis a capitalizar a frustração geral.
O pior que podemos fazer é, por isso, reduzir a análise a este fenómeno ao simples levantar de sobrolho intelectual, desvalorizando, ridicularizando e ofendendo as escolhas políticas destes eleitores. É verdade que apenas 3% da população mundial vive fora do seu país de origem e que a esmagadora maioria mora a poucos quilómetros do sítio onde nasceu e cresceu. É também verdade que a globalização é menos global do que parece, exceto nos produtos que consumimos, mas a sensação de perda real das classes médias e dos mais desfavorecidos é um facto que tem de receber a resposta política adequada.
Os que votaram em Trump não são feios, porcos e maus. Os que escolheram sair da União Europeia não são racistas ou nacionalistas ameaçadores. Haverá uma pequena parte que sim, mas a esmagadora maioria é feita de pessoas que reage como pode à desigualdade económica. Estão-se nas tintas para o fim da City de Londres, já que o fruto dessa riqueza só favorece uma minoria de privilegiados. Exigem apenas que haja alguém que os leve um pouco mais a sério. Ainda estamos a tempo.
Este artigo está em conformidade com o novo acordo ortográfico
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