Opinião
A redefinição política imposta por Centeno
A eleição de Mário Centeno para a presidência do Eurogrupo constitui um momento de redefinição política interna: quase nada continuará como antes e o sucesso de cada partido dependerá da forma como se adaptar a esta nova circunstância.
Porque é que nada continuará como antes?
Comecemos pelo Governo e pelo PS. Há anos a fazer dois discursos, um na Europa, austeritário, rigoroso, mostrando os orçamentos a executar e não a aprovar, e outro em Portugal, expansionista, de fim de austeridade, não admitindo qualquer corte, o Governo terá de adaptar-se agora à circunstância de não poder ter um ministro e presidente do Eurogrupo a dizer coisas contraditórias, sob pena de tal duplicidade ser escancarada, comprometendo a autoridade do presidente do Eurogrupo e a credibilidade do ministro das Finanças. Governo e Eurogrupo terão simultaneamente de aproximar os seus discursos, algo que em bom rigor convém a ambos.
Isto do ponto de vista do discurso. E do ponto de vista da prática?
A ausência de Mário Centeno, que deixará de ter tempo para controlar ao minuto as contas públicas, oferecerá espaço aos ministros gastadores para imporem, perante o primeiro-ministro, opções de despesa condizentes com a época pré-eleitoral. Só quem não pertenceu a um governo pode desconhecer a importância da presença física do ministro das Finanças na contenção de despesa. Se Centeno ainda vai impondo cativações históricas e o fim do investimento público, terá agora muito menos tempo para o fazer, e controlar, se for eleito.
O que resulta daqui? Que o Governo, que tem tido práticas austeritárias com discurso expansionista, tentará agora o inverso: práticas expansionistas com um discurso austeritário.
Essa inversão não será suficiente para o conforto da extrema-esquerda. Todos estão preparados para um PS com discurso mais rigoroso, por mais que esse rigor constitua uma cambalhota imensa, mas ninguém está preparado para ver o mesmo no PCP e no Bloco. O caso dos professores e do congelamento de carreiras é apenas um exemplo, o primeiro, do que aí vem.
Se feita com inteligência e parcimónia, o que tem manifestamente faltado e pode faltar de novo, esta migração do PS rumo ao centro tem tudo para o favorecer, conciliando medidas populares com discurso de rigor. O mesmo não se poderá dizer dos parceiros à esquerda. Já era difícil engolir tudo o que era dito e decidido pelo Governo, e a isso tudo somar-se-á o Eurogrupo: são demasiadas coisas para explicar ao eleitorado; e em política quando se começa a explicar, já se está a perder.
Também PSD e CDS terão de adaptar-se a uma eleição que será vendida pelo Governo como uma avalização europeia da política de fim de austeridade deste Governo. É verdade que o aval, a existir, é exatamente por motivos opostos, e é verdade que não é possível manter por muitos mais anos as políticas que têm sido seguidas sob pena de colapso dos serviços públicos. Mas não vale muito a pena insistir nisso, porque implicaria explicar muita coisa e, outra vez, quando os partidos se explicam, já estão a perder.
As coisas serão mais simples se o primeiro-ministro quiser fingir que nada se passou, mantendo a todo o custo a duplicidade que o trouxe até aqui, oferecendo à oposição campo de batalha. Mas não é provável que tal aconteça, ainda que ultimamente tenham sido muitos os erros por ele cometidos. E se assim for, PSD e CDS têm de definir uma aspiração para o país, inspiradora e mobilizadora, que motive uma alternativa que vá além do descarrilar socialista (que sendo verdadeiro, exige, lá está, muita explicação). Sobre este desafio, que é enorme e nada fácil, falarei na próxima semana. Por vezes, os maiores desafios escondem as melhores oportunidades.
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico
Comecemos pelo Governo e pelo PS. Há anos a fazer dois discursos, um na Europa, austeritário, rigoroso, mostrando os orçamentos a executar e não a aprovar, e outro em Portugal, expansionista, de fim de austeridade, não admitindo qualquer corte, o Governo terá de adaptar-se agora à circunstância de não poder ter um ministro e presidente do Eurogrupo a dizer coisas contraditórias, sob pena de tal duplicidade ser escancarada, comprometendo a autoridade do presidente do Eurogrupo e a credibilidade do ministro das Finanças. Governo e Eurogrupo terão simultaneamente de aproximar os seus discursos, algo que em bom rigor convém a ambos.
A ausência de Mário Centeno, que deixará de ter tempo para controlar ao minuto as contas públicas, oferecerá espaço aos ministros gastadores para imporem, perante o primeiro-ministro, opções de despesa condizentes com a época pré-eleitoral. Só quem não pertenceu a um governo pode desconhecer a importância da presença física do ministro das Finanças na contenção de despesa. Se Centeno ainda vai impondo cativações históricas e o fim do investimento público, terá agora muito menos tempo para o fazer, e controlar, se for eleito.
O que resulta daqui? Que o Governo, que tem tido práticas austeritárias com discurso expansionista, tentará agora o inverso: práticas expansionistas com um discurso austeritário.
Essa inversão não será suficiente para o conforto da extrema-esquerda. Todos estão preparados para um PS com discurso mais rigoroso, por mais que esse rigor constitua uma cambalhota imensa, mas ninguém está preparado para ver o mesmo no PCP e no Bloco. O caso dos professores e do congelamento de carreiras é apenas um exemplo, o primeiro, do que aí vem.
Se feita com inteligência e parcimónia, o que tem manifestamente faltado e pode faltar de novo, esta migração do PS rumo ao centro tem tudo para o favorecer, conciliando medidas populares com discurso de rigor. O mesmo não se poderá dizer dos parceiros à esquerda. Já era difícil engolir tudo o que era dito e decidido pelo Governo, e a isso tudo somar-se-á o Eurogrupo: são demasiadas coisas para explicar ao eleitorado; e em política quando se começa a explicar, já se está a perder.
Também PSD e CDS terão de adaptar-se a uma eleição que será vendida pelo Governo como uma avalização europeia da política de fim de austeridade deste Governo. É verdade que o aval, a existir, é exatamente por motivos opostos, e é verdade que não é possível manter por muitos mais anos as políticas que têm sido seguidas sob pena de colapso dos serviços públicos. Mas não vale muito a pena insistir nisso, porque implicaria explicar muita coisa e, outra vez, quando os partidos se explicam, já estão a perder.
As coisas serão mais simples se o primeiro-ministro quiser fingir que nada se passou, mantendo a todo o custo a duplicidade que o trouxe até aqui, oferecendo à oposição campo de batalha. Mas não é provável que tal aconteça, ainda que ultimamente tenham sido muitos os erros por ele cometidos. E se assim for, PSD e CDS têm de definir uma aspiração para o país, inspiradora e mobilizadora, que motive uma alternativa que vá além do descarrilar socialista (que sendo verdadeiro, exige, lá está, muita explicação). Sobre este desafio, que é enorme e nada fácil, falarei na próxima semana. Por vezes, os maiores desafios escondem as melhores oportunidades.
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico
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