Opinião
Boicotar não vale de muito
Pela extrema, como que convencidos que o radicalismo é essencial para o êxito. Não é, nem nunca foi: o que é essencial é ter respostas que ecoem e façam sentido.
Podemos calar ou silenciar ou ignorar o que diz um partido de extremas, ou radical, ou populista, ou xenófobo, ou tudo isso misturado com outras coisas igualmente más, quase todas presumindo algo que considero inaceitável: o de que eu não sou igual a ti, não tenho as mesmas liberdades que tu, não sou tão digno quanto tu.
Podemos fazer isso, dizia eu, e até podemos recolher umas assinaturas e ir atrás do partido e de quem o convida para falar, de quem o entrevista para conhecer, de quem o estuda para concluir, tudo em proclamatório jeito indignado, apelando ao boicote do próprio partido, e depois apelando ao boicote dos que não boicotam, e depois ao boicote dos que não boicotaram com a mesma força ou com a mesma indignação.
Podemos fazer isso, continuo eu, com a convicção de que assim afastamos do espaço público aquilo que odiamos, desprezamos, fazendo do ódio argumento, esquecendo que o ódio não pode ser argumento, esquecendo que todos odiamos coisas diferentes, esquecendo que não há extremos melhores do que outros.
Mas enquanto nos dedicamos a isso, com todas as nossas forças, com todos os nossos manifestos, com as melhores palavras e mais inflamadas sentenças, passamos ao lado do essencial, do que é mais difícil, do que verdadeiramente pode fazer a diferença e consequência: ouvir as perguntas de quem vota nesses extremos.
É que o problema não está nas perguntas que esse eleitorado faz, está nas respostas que ele obtém, e que aparentemente só ouve por parte dos extremos. Convém começar por aí, se queremos abolir do nosso espaço político quem desdenha a liberdade e se comove com o autoritarismo, fardado ou não, laico ou não.
Num mundo cada vez mais global, sujeito a fenómenos como os da deslocalização e automação, condicionados por poderes políticos que não elegemos e económicos que mal contactamos, a sensação de desproteção, desigualdade, desconfiança, de falta de pertença, é grande e causa enorme apreensão: o medo de falhar, de estagnar, de não conseguir requalificar-se, o de ficar sem proteção, sem saber quem manda ou sequer como contactar quem manda - tudo isso é o caldo perfeito não só para os extremos como também para as quixotescas tentativas de combater os extremos.
Essas perguntas do eleitorado são mais do que legítimas e, assentes ou não em equívocos, são as perguntas do nosso tempo. E há que lhes dar resposta clara, sem tibiezas, ou deixamos os extremos à solta, e não há boicotes que nos valham. E não é preciso encontrar novas ideias para responder, como por vezes se ouve aí, como se as respostas políticas tivessem de vir de uma cartilha imutável. O que é preciso é saber de que forma essas nossas ideias de sempre podem hoje servir de resposta.
E se é preocupante o peso dos extremos, não deixa de o ser também a atração dos moderados pela extrema, como que convencidos que o radicalismo é essencial para o êxito. Não é, nem nunca foi: o que é essencial é ter respostas que ecoem e façam sentido.
Esta necessidade era já urgente, no rescaldo da crise de 2008, e que levou aliás ao movimento de desglobalização que estamos a viver (uma errada resposta, mas isso seria outro artigo), mas tornou-se imperiosa agora que vamos enfrentar uma nova e grave crise, capaz de abalar a fé e a esperança das populações na democracia liberal e nas liberdades.
Há muito espaço, à esquerda e à direita, para dar essas respostas e para haver debate sobre elas. Mas elas tardam. Basta ver o que se tem discutido nos últimos meses, meses em que as populações se confrontaram, como há muito não confrontavam, com medo, com a iminência de um perigo, com a sensação de desproteção, com a desconfiança do outro, para perceber como os boicotes não valem de nada.