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Crimes na bolsa: da notícia na rádio que levou a uma aposta de 750 mil euros às transações "consigo mesmo"

A CMVM deteta diversos casos de infração na bolsa portuguesa, os quais remete para o Ministério Público. No ano em que há decisões judiciais, o regulador revela os pormenores desses casos, sem nomear os intervenientes.

Correio da Manhã
29 de Junho de 2019 às 10:00
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Todos os anos, no seu relatório anual, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) revela as decisões judiciais ocorridas nesse período relativas a crimes de abuso de informação privilegiada e de manipulação do mercado. Apesar de não revelar a identidade dos visados, o regulador faz a descrição pormenorizada dos casos que reportou ao Ministério Público, que foram investigados e sobre os quais houve decisões judiciais. 

Em 2018, houve sete decisões judiciais, sendo que em três desses casos os investidores em causa foram absolvidos. Os tribunais condenaram dois arguidos, em dois processos, pela prática de crime de manipulação de mercado na tipologia de manipulação ruidosa e noutro na tipologia de operações fictícias. Houve acordo num dos casos, com suspensão provisória, e ainda um despacho de pronúncia. 

Inflação artificial da liquidez
Vários dos casos relatados pela CMVM em 2018 referem-se a operações "fictícias" em que os investidores tentam empolar a variação dos ativos e a sua liquidez. Num caso, um investidor estrangeiro negociava "consigo mesmo", vendendo e comprando uma determinada ação num curto espaço de tempo. Criava assim "a aparência de que esse título estava a ser transacionado em volume muito superior ao real e com impacto ao nível dos preços médios registados", o que poderá ter levado os participantes do mercado a basear as suas decisões em informação irreal.

O investidor alegou que tal se deveu a um "erro na plataforma informática" que utilizava. Mas o facto de perdurado o "suposto erro" durante três meses e ser um operador profissional do mercado levou o tribunal a concluir que a prática é "suscetível de colocar em risco a transparência do mercado". Foi proferido o despacho de pronúncia a confirmar a acusação e a ordenar o envio do processo para julgamento. 

Noutro caso, no qual houve condenação com a mais-valia a ser entregue ao Estado, um investidor também fez transações "consigo mesmo", "provocando variações artificiais nos preços e criando a aparência de uma liquidez de que o título não dispunha". O tribunal concluiu que o investidor em causa, que tinha sido administrador de uma entidade supervisionada pela CMVM e tinha formação na área, atuou ciente da ilicitude da sua conduta e condenou-o. 

Manipulação de mercado envolvendo notícias
As notícias publicadas nos órgãos de comunicação social aparecem muitas vezes envolvidas nestes processos. Um desses casos identificados em 2018 é já conhecido, apesar da CMVM não referir o nome no relatório. Trata-se de Jorge Fazendeiro, que além de acionista da Inapa era administrador de uma empresa concorrente, que comprava ações antes de fazer declarações a órgãos de comunicação social em como pretendia reforçar a sua posição na empresa. Os títulos valorizavam após a divulgação das afirmações e, posteriomente, Fazendeiro aproveitava para vender, nunca concretizando o aumento da participação.

Outro caso que envolve notícias passa por um investidor com um cargo numa entidade pública que lidou diretamente com um evento que causou a queda das ações de uma cotada. Ora, esse mesmo investidor, que tinha ações da cotada em questão, vendeu os títulos antes de a informação ser divulgada oficialmente. Contudo, o investidor foi absolvido pelo tribunal uma vez que essa informação já era do conhecimento geral por ter sido publicada nos jornais. 

Num outro caso, o investidor (administrador executivo de um banco) em questão foi absolvido, alegando que realizou certa transação por causa da divulgação de uma notícia numa rádio, "que ouviu durante uma viagem de carro". Em causa estava o investimento superior a 750 mil euros em ações - "compra intensa de ações" - no dia em que foi anunciada uma proposta de operação de fusão de duas sociedades com ações admitidas na Euronext Lisbon, sobre a qual terá tido informação privilegiada. "Foi coincidência? Não sabemos. Foi com base em informação privilegiada? Também não o sabemos", concluiu o tribunal, absolvendo-o. 

Há ainda outro caso em que um investidor "especialmente habilitado" comprou ações de uma cotada antes da divulgação de uma OPA, tendo depois vendido os títulos com "imediata mais valia". O tribunal viria a absolver o arguido "por ter sido entendido que a informação relativa ao lançamento de OPA 'era já do conhecimento público'". O Ministério Público recorreu da decisão, mas o tribunal confirmou a decisão, alegando "sérias e inultrapassáveis dúvidas sobre o fundamento ilícito da atuação do arguido".

Abuso de informação
Nem sempre a existência de notícias "salvou" os arguidos no caso de abuso de informação. A CMVM fez o alerta de dois investidores que compraram ações após ter sido efetuada a transferência do dinheiro necessário para as operações por parte de um terceiro investidor. Em causa estava a compra de ações antes da divulgação do primeiro de vários anúncios preliminares de OPA (oferta pública de aquisição).

As mais-valias auferidas foram depois transferidas para o terceiro investidor, tendo existido uma "clara intenção de ocultar as transferências de dinheiro" com os descritivos das transferências a referirem "pagamentos férias neve" ou "adiantamento casa". Foi proferida uma suspensão provisória, ou seja, houve acordo para os arguidos devolverem integralmente a mais-valia obtida e ainda o pagamento de injunções a favor de instituições de solidariedade social.
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