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Guia para perceber como é que os bancos vão aplicar os juros negativos no crédito
Já entrou em vigor, na passada quinta-feira, a legislação que obriga os bancos a repercutirem integralmente os valores negativos da Euribor nas prestações dos empréstimos.
Depois de mais de três anos de juros negativos no mercado, estes vão começar a ter reflexo integral nas prestações do crédito à habitação. Já está em vigor, desde quinta-feira, o diploma legislativo que determina que as instituições financeiras venham a aplicar taxas de juro abaixo de zero. Saiba como vai funcionar.
Em que situações é aplicada a legislação?
Este diploma contempla as situações de taxa de juro global negativa. Ou seja, as situações em que a média mensal do indexante, a Euribor, é tão negativa que anula o valor do "spread". São casos em que a margem é reduzida, situando-se entre os 0,2% e os 0,3%, uma vez que a Euribor a três e a seis meses assume valores negativos nesta ordem. Trata-se de uma legislação que abrange todos os contratos, isto é, os existentes mas também aqueles que vierem a ser assinados. E não tem efeitos retroactivos, pelo que não contempla os três anos de valores negativos das Euribor.
Como é que os bancos vão repercutir os valores negativos?
Quando a soma da média da Euribor ao "spread" resultar numa taxa global negativa, este valor deve "ser reflectido nos contratos de crédito" para a compra de casa, sendo deduzido ao capital em dívida na prestação vincenda, diz a legislação. Mas, se o banco assim o entender, "pode optar pela constituição, a favor do cliente, de um crédito de montante idêntico aos valores negativos apurados" a deduzir aos juros futuros, a partir do momento em que estes assumam valores positivos. Se no fim do prazo do contrato, ainda existir um crédito a favor do cliente, devem as instituições de crédito proceder ao seu integral ressarcimento. Não será necessária a alteração das cláusulas contratuais dos empréstimos.
Os bancos vão aplicar já estas alterações?
A Associação Portuguesa de Bancos (APB) garantiu, esta sexta-feira, que "os bancos, como não pode deixar de ser, vão aplicar a lei e pôr em prática o que ela estabelece" e que "tendo em conta as especificidades deste regime, a sua implementação exige adaptações nos sistemas internos dos bancos, nomeadamente ao nível dos procedimentos informáticos, estando a ser desenvolvidos todos os esforços para assegurar uma rápida implementação dessas adaptações".
A associação liderada por Fernando Faria de Oliveira realçou que a legislação prevê que, "em alternativa à dedução imediata dos juros negativos ao capital em dívida, os bancos poderão optar pela constituição de um crédito a favor do cliente, que apenas será efectivamente objecto de compensação quando as taxas de juro apuradas passem a apresentar valores positivos". Uma opção que os bancos darão a conhecer aos seus clientes.
Dez dias após a entrada em vigor da legislação (a passada quinta-feira), os bancos devem rever excepcionalmente o valor do indexante utilizado para calcular a taxa de juro para apurar se há ou não juros negativos.
O tema dos juros negativos no crédito fica completamente esclarecido com esta legislação?
Desde 2015, quando as Euribor assumiram pela primeira vez valores negativos, que este tema é alvo de discussão. No arranque de 2016, surgiram as primeiras propostas legislativas no sentido de clarificar a actuação dos bancos. Mas, apenas em Março, o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda apresentaram esta proposta conjunta que foi aprovada a 11 de Maio, com o voto a favor de todas as bancadas parlamentares e a abstenção do PSD.
Para a APB, este tema não fica completamente resolvido. Isto porque, frisa a associação, "persistem dúvidas de âmbito fiscal sobre o tratamento a dar aos 'juros negativos', que aguardam clarificação das Autoridades". Recorde-se que, de acordo com o parecer que a APB enviou para o Parlamento em Abril e ao qual o Negócios teve acesso, a associação apontava oito aspectos que considerava "absolutamente imprescindível esclarecer".
Um deles estava precisamente relacionado com os impactos fiscais. Não está definido no diploma agora publicado o regime fiscal desta "atribuição patrimonial" que se pretende dar aos clientes, "rendimento que, dependendo da formulação final deste diploma legal, poderá qualificar como rendimento de capital sujeito a retenção na fonte em sede de IRS", alertava a APB no referido parecer.