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Na ilha de Man, as bitcoins são cada vez mais reais

Na ilha de Man há gatos sem cauda e ovelhas com quatro cornos. Até a bandeira desta dependência da Coroa do Reino Unido é muito sui generis, já que a sua imagem é a de três pernas unidas em ventoinha. Conhecida como um paraíso fiscal, está a transformar-se no centro financeiro de uma moeda virtual, a bitcoin.

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12 de Setembro de 2015 às 10:00
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A Ilha de Man, dependência da coroa britânica, é composta pela ilha principal, com o mesmo nome, e algumas ilhotas adjacentes, no Mar da Irlanda. É conhecida por ser um local paradisíaco, até mesmo a nível fiscal: não existe estrutura tributária, não cobra IRC e não sujeita ao pagamento de impostos as mais-valias nem os dividendos. E o IRS é menos de metade do que é aplicado no Reino Unido, não superando os 20%.

A electricidade não falha, pelo que muitos centros de dados a escolhem para sedearem as suas operações. As tecnológicas também já descobriram Man, onde três décadas de contínua expansão económica as têm levado para aquela região. É lá que nascem muitas inovações nesse plano, como satélites e serviço de telemóveis, conforme relata a Bloomberg num trabalho sobre esta ilha.

Há uma raça de gatos sem cauda (Manx cats), ovelhas muito peculiares, com quatro cornos (loaghtan Manx), e locomotivas a vapor perfeitamente preservadas – são da época Vitoriana.

E há também, cada vez mais, bitcoins – uma moeda digital, completamente independente de qualquer banco ou governo central.  Não é em todos os estabelecimentos comerciais que se pode pagar com esta moeda virtual, mas a sua aceitação é crescente.

As start-ups que apostam nas bitcoins tendem a concentrar-se em locais onde está o capital de risco, como Londres, Nova Iorque e São Francisco. Por isso, sublinha a Bloomberg, a ilha de Man poderá parecer apenas uma pequena extensão quando se observa este pequeno protectorado britânico "que mais pode parecer uma cápsula do tempo do que a Terra do Amanhã". Ainda assim, tem chamado a atenção de muitas empresas e o próprio governo local quer fazer da ilha o principal "hub" para a tecnologia.

Cerca de 25 start-ups que operam com moedas virtuais ou as "blockchains" [o registo acessível ao público e criptograficamente verificado de cada transacção feita com bitcoins] que as suportam já estão sedeadas na ilha de Man, que fica a apenas 70 minutos de Londres numa viagem de avião.

Muitos dos recém-chegados são jovens programadores ou outros especialistas em tecnologias, provenientes dos EUA, Canadá e Brasil – que começaram por entrar na ilha para assumirem cargos na área do jogo online, sublinha a Bloomberg.  "O PokerStars e o Full Tilt Poker [websites de jogo detidos pelo Rational Group] tornam a ilha tão importante para o póquer online como Las Vegas e Macau o são para os casinos", acrescenta a agência.

Nick Williamson, por exemplo, deixou o Instituto de Tecnologia do Illinois para jogar póquer profissional. Em 2011, a PokerStars atraiu-o com um emprego na ilha de Man, na gestão de jogos, e não pensou duas vezes. Com 29 anos, conta à Bloomberg que se interessou pelas bitcoins pelo seu potencial de revolucionarem o póquer online, "podendo talvez um dia eliminar a necessidade de terceiros para gerirem o jogo e verificarem as apostas dos jogadores".

Em Novembro de 2014, Williamson saiu da PokerStars e fundou a Pythia, uma start-up que fornece software que os clientes podem usar para criarem e gerirem as suas próprias "blockchains".

As advertências das autoridades reguladoras

Mas nem tudo tem sido rosas na vida das bitcoins. As bolsas que negoceiam criptomoedas estão cada vez mais sob as atenções dos reguladores, sobretudo depois das perdas do equivalente a cerca de 355 milhões de euros na plataforma de negociação de moeda virtual MtGox – que levou à detenção, no passado mês de Agosto, do seu director-geral, Mark Karpeles.

No caso da ilha de Man, essas plataformas de negociação têm de obedecer às exigências regulatórias em matéria de combate à lavagem de dinheiro. "Afastar práticas criminosas e proteger o consumidor é a nossa prioridade", explicou à Bloomberg um responsável do Departamento de Desenvolvimento Económico da ilha, Brian Donegan.

Por cá, também já foram lançadas advertências. Em Outubro do ano passado, por ocasião do lançamento, em Lisboa, de uma caixa ATM de conversão de euros em bitcoins, o Banco de Portugal emitiu um comunicado a informar que esta ATM não está integrada no sistema de pagamentos português.

"O Banco de Portugal relembra os consumidores dos riscos de utilização e de comercialização de ‘moedas virtuais’ como a bitcoin. Semelhantes alertas têm vindo a ser difundidos pelo Banco Central Europeu e pela Autoridade Bancária Europeia", referia o comunicado da entidade reguladora.


E acrescentava: "As moedas virtuais não são seguras. As entidades que emitem e comercializam ‘moedas virtuais’ não são reguladas nem supervisionadas por qualquer autoridade do sistema financeiro, nacional ou europeia". Os utilizadores suportam todo o risco, porque não existe garantia de que estas "moedas" sejam aceites na compra de bens ou serviços. Em caso de desvalorização parcial ou total das "moedas virtuais", não existe um fundo que cubra eventuais perdas dos utilizadores, advertia a instituição liderada por Carlos Costa.

Por outro lado, acrescentava, "o consumidor pode perder o seu dinheiro na plataforma de negociação e corre o risco de o dinheiro da sua carteira digital poder ser roubado. Também não existe qualquer protecção legal que garanta direitos de reembolso ao consumidor, como a que existe para as transferências convencionais". As transacções em "moeda virtual" podem ainda ser utilizadas indevidamente, em actividades criminosas, incluindo no branqueamento de capitais, concluía o comunicado.

Em 2012, o Banco Central Europeu (BCE) também publicou um estudo sobre as moedas virtuais ("Virtual Currency Schemes") no qual alertava para os riscos associados às "moedas digitais", dada a inexistência de regulação, de supervisão e de superintendência relativamente a esta matéria.

 

Por seu lado, em 2013, a Autoridade Bancária Europeia advertiu os consumidores para o risco de perderem todo o dinheiro investido em "moedas virtuais", por não existirem quaisquer mecanismos legais de reembolso deste tipo de fundos. Alertou ainda para a possibilidade de as transacções em "moeda virtual" poderem ser utilizadas indevidamente em actividades criminosas.

 Casa à venda em Portugal… em bitcoins

 

Mas em Portugal, como no resto do mundo, são muitos os entusiastas desta moeda. Em Agosto passado, uma casa foi posta à venda, em Aveiro, com a possibilidade de ser paga em bitcoins. Foi vendida em Março deste ano, não em bitcoins, mas em euros.

No entanto, o seu ex-proprietário, Pedro Cunha, que se assume um convicto "bitcoiner", diz que o processo de venda poderia ter sido mais célere se a transacção tivesse sido feita na moeda virtual.

 

"A minha casa foi vendida em 31 de Março deste ano. O negócio foi feito da forma tradicional, embora tenha sido vendido a uma pessoa no Canadá. Demorou bastante a consumar-se pelo atraso que o envio de importâncias consideráveis tem pelas vias ‘normais’. Um claro exemplo de como uma moeda digital pode acelerar processos", comentou ao Negócios este primeiro proprietário a aventurar-se a receber em bitcoins.

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