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Guia para perceber a venda do Novo Banco

As negociações entre o grupo chinês Anbang e o Banco de Portugal para a venda do Novo Banco estão na fase final. A crise na China ensombra as negociações, mas a lógica por trás do interesse da Anbang será superior. Perceba ainda por que a operação pode ser um trunfo ou um problema político.

Miguel Baltazar/Negócios
29 de Agosto de 2015 às 10:00
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Vai haver negócio ou não?

A Anbang e o Banco de Portugal mantêm negociações exclusivas para a venda do Novo Banco ao grupo segurador chinês desde meados de Agosto. A entidade liderada por Carlos Costa espera concluir este processo até ao final do mês, altura em que deverá anunciar se foi ou não possível fechar um acordo para a alienação do banco que herdou os activos saudáveis do BES. O Banco de Portugal está empenhando em alcançar um entendimento que permita vender o Novo Banco à Anbang, instituição que fez a melhor oferta financeira. E o próprio Governo já manifestou esperança de que seja possível fechar um acordo de venda o mais rapidamente possível. No entanto, no limite, se não for possível negociar um entendimento aceitável para a alienação da instituição, Carlos Costa não exclui suspender o processo. Mas este cenário será accionado como plano de contingência.

 

Crise chinesa pode afectar a operação?

As negociações finais para a venda do Novo Banco coincidem com uma crise nas bolsas chinesas, que tem levado a uma forte correcção nos mercados apesar das medidas governamentais para tentar travar a queda dos índices. Paralelamente, a economia está a abrandar, o que já levou à desvalorização do yuan e à redução das taxas de juro. Teoricamente, este contexto não é propício a grandes decisões de investimento e, no limite, condiciona a margem de manobra da Anbang para melhorar a sua proposta financeira para o banco de transição. Como grupo segurador, o finalista à compra do Novo Banco terá visto os seus activos, que no final do ano passado superavam os 90 mil milhões de euros, registarem uma forte desvalorização. No entanto, há que ter em conta que o interesse da Anbang na instituição que herdou os activos do BES faz parte de uma estratégia política de globalização da economia chinesa e que a internacionalização das empresas chinesas é uma forma de reduzir a sua exposição à China – investimentos como este podem ajudar o grupo a, no futuro, sofrer menos com um "crash" em Xangai, graças à diversificação geográfica dos seus investimentos.

 

O facto de o potencial comprador ser chinês é um problema?

Vários observadores têm colocado dúvidas sobre se o Banco Central Europeu dará o seu aval à compra do terceiro maior banco português, directamente supervisionado pela instituição sedeada em Frankfurt, por um grupo chinês. O facto de a China ser um país governado por um regime autoritário está na base desses receios – não é por acaso que depois de a Anbang ter adquirido o Waldorf Astoria, o presidente e o departamento de Estado norte-americanos tenham deixado de ficar instalados naquele hotel, por receio de espionagem. Mas a verdade é que o BCE, que por lei só tem de se pronunciar informalmente sobre esta operação – a lei europeia dá soberania ao Banco de Portugal para vender o banco de transição –, já autorizou o grupo segurador chinês a comprar o Delta Lloyd Bank da Bélgica. Além disso, ao contrário do que acontece com países como Angola, Bruxelas e o BCE incluem a China na lista de países aos quais é reconhecida equivalência de supervisão. Ou seja, as autoridades europeias consideram que a qualidade da supervisão financeira chinesa é comparável à europeia. Como grupo segurador, a Anbang está sob a fiscalização da autoridade chinesa de supervisão dos seguros.

 

Venda custará dinheiro aos contribuintes?

A intervenção no BES, concretizada através da resolução deste banco e que implicou a transferência dos seus activos saudáveis para uma instituição de transição (Novo Banco), foi desenhada com o objectivo de poupar os contribuintes dos custos da queda do terceiro maior grupo financeiro português. O prejuízo que resultar da venda do Novo Banco será assumido pelo Fundo de Resolução, entidade que ficou accionista da instituição e cujas responsabilidades terão de ser cobertas pelo sector financeiro, responsável pelo financiamento daquele mecanismo. Desta forma, como o dono do banco de transição não é o Estado, permite-se que os contribuintes não sejam directamente afectados pelas perdas da alienação. No entanto, indirectamente, os portugueses que pagam impostos poderão sentir algum impacto desta operação. Isto porque o Estado é o accionista único da Caixa Geral de Depósitos, banco com maior peso no Fundo de Resolução. No limite, a instituição financeira do Estado pode ter prejuízos devido a esta exposição, penalizando o interesse estatal na CGD.

  

Venda resolve o problema dos lesados do BES?

Se adquirir o Novo Banco, a Anbang terá liberdade para avançar com uma solução que permita compensar os clientes de retalho com aplicações em papel comercial de empresas do Grupo Espírito Santo e os não residentes com poupanças bloqueadas nos veículos EG Premium e Euro Aforro 10, que não estão incluídos na solução comercial que a instituição financeira tem em marcha para os restantes emigrantes. No entanto, como o Banco de Portugal já fez questão de esclarecer, o comprador do Novo Banco não terá qualquer obrigação de compensar estes clientes, uma vez que o banco de transição não tem qualquer responsabilidade de reembolsar aquelas aplicações. Se optar por o fazer, o novo dono da instituição terá ainda de obter autorização do BCE, enquanto supervisor, e da Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia que, nos próximos anos, deverá acompanhar o Novo Banco que, por ter sido criado no âmbito de uma resolução bancária, deverá ser considerado banco sob ajuda do Estado. Encontrar solução para estes clientes – 2.500 com papel comercial do GES e 1.000 com aplicações no EG Premium e Euro Aforro 10 (cujos activos estarão investidos em títulos do GES) – exigirá a disponibilização de 620 milhões de euros (520 para o papel comercial e os restantes 100 milhões para os veículos).

 

O negócio será um trunfo político?

A conclusão do processo de venda do Novo Banco até ao final de Agosto, como pretende o Banco de Portugal, dificilmente deixará de ser apresentado como um trunfo político, designadamente na campanha eleitoral que se aproxima. Isto apesar de a estratégia do Governo sempre ter sido a de atribuir a responsabilidade de toda a intervenção no BES ao Banco de Portugal e às entidades europeias. No entanto, a alienação do banco de transição também pode ser uma arma de arremesso da oposição. O preço de venda poderá ser um dos argumentos políticos a usar pelas forças políticas que não integram a coligação governamental. É certo que o Novo Banco será sempre vendido com prejuízos para o Fundo de Resolução, já que o valor do encaixe será inferior aos 4.900 milhões que aquele mecanismo injectou na capitalização do banco que herdou os activos saudáveis do BES, dos quais 3.900 milhões resultaram de um empréstimo do Estado.

 

A família Espírito Santo ganha alguma coisa com a alienação?

A família Espírito Santo não ganha nada com a venda do Novo Banco. Os fundadores do BES não são accionistas do banco de transição. A sua posição accionista, tal como a dos restantes investidores com acções do BES, ficaram relegados para o banco "mau", não tendo qualquer exposição ao Novo Banco. Esse foi precisamente um dos objectivos da medida de resolução que o Banco de Portugal aplicou ao BES: impor aos seus accionistas a perda da totalidade do dinheiro investido no banco. Também os depósitos que os Espírito Santo tinham no banco ficaram bloqueados no BES "mau". 

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