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Economistas: Subida dos juros impacta dívida pública detida pela banca mas sem risco para setor

Os bancos portugueses têm em carteira elevados montantes de dívida pública portuguesa. Quando a dívida pública se valoriza nos mercados os bancos registam mais-valias (o que aconteceu nos últimos anos, insuflando os lucros), já quando se desvaloriza tal significa menos-valias (perdas nesse investimento), o que pode ter impactos nos rácios de capital.

Mariline Alves
19 de Junho de 2022 às 09:55
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A subida das taxas de juro significará perdas na rentabilidade da elevada dívida pública que os bancos portugueses detêm, mas não é um risco para o setor, que será, sobretudo, beneficiado na margem financeira, segundo economistas contactados pela Lusa.

De acordo com o professor universitário Paulo Pinho, da Nova BSE, quando se fala no que os bancos ganharão na margem financeira com o aumento das taxas de juro (pela diferença entre os juros pagos nos depósitos e os juros cobrados no crédito) há que referir, por outro lado, a perda de rentabilidade nos títulos de dívida pública, ainda que os ganhos na margem financeira compensem significativamente.

Os bancos portugueses têm em carteira elevados montantes de dívida pública portuguesa. Quando a dívida pública se valoriza nos mercados os bancos registam mais-valias (o que aconteceu nos últimos anos, insuflando os lucros), já quando se desvaloriza tal significa menos-valias (perdas nesse investimento), o que pode ter impactos nos rácios de capital.

Segundo Paulo Pinho, para evitar registar perdas, os bancos poderão pôr esses títulos na rubrica de 'ativos para investimento', onde não se regista a desvalorização pois no final da maturidade os títulos serão reembolsados (ainda que 100 euros hoje não seja igual a 100 euros em 10 anos por via da inflação e das taxas de juro), em vez de na rubrica de 'ativos para negociação' (onde teriam de os avaliar ao preço de mercado). Também se venderem a dívida terão de registar perdas, o que não deverão querer fazer.

"A situação só ficaria muito complicada se houvesse uma deterioração do 'rating' da República e o Banco Central Europeu deixasse de aceitar dívida portuguesa como colateral, como aconteceu em 2011", afirmou, mas considerou que a médio prazo não antevê precipitar-se uma situação dessas e o ministro das Finanças tem-se mostrado preocupado na necessidade de proteger as contas públicas.

Ricardo Cabral, professor do ISEG, recordou, por seu lado, que na crise financeira o BCE obrigou os bancos a indiretamente refletirem os valores de mercado da dívida mesmo na que estava catalogada como investimento. Além disso, recordou, a avaliação da dívida detida pelos bancos faz parte da avaliação dos supervisores nos testes de 'stress' e aí "podem obrigar a banca a aumentar requisitos de capital se acontecer alguma coisa à dívida pública".

Contudo, considerou que o BCE deverá ser cauteloso, até porque há outros países que podem ser mais afetados, como Itália, e destacou as receitas que os bancos conseguirão na margem financeira pelo aumento das taxas de juro.

O economista António Nogueira Leite disse que os bancos poderão ter de registar perdas na carteira de dívida pública, mas afirmou que a sua situação atual da banca é bem mais sólida e têm "sido muito mais cautelosos na gestão de dívida pública".

Sobre a passagem de dívida soberana para a categoria de 'ativos para investimento', afirmou que é possível mas que isso "tem de fazer sentido na substância" e precisa de autorizações de auditores e reguladores.

"Não estou a ver os bancos a utilizarem expedientes contabilísticos, até porque estão mais capitalizados e fizeram menos disparates", disse o antigo vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos (2011-2013), secretário de Estado do Tesouro e das Finanças no último Governo socialista de António Guterres e conselheiro económico de Passos Coelho (PSD).

O economista lembrou ainda que os bancos vão ganhar muito com a subida dos juros pelo lado do crédito. Ou seja, se a evolução da economia não trouxer problemas significativos de crédito malparado, os bancos terão aí grandes receitas.

Análises semelhantes são feitas pelos analistas das agências de 'rating' que acompanham a banca portuguesa: há risco de perdas, mas não a ponto de pôr em causa a estabilidade do setor.

Rafael Quina, pela Fitch, considerou que o aumento das taxas de juro dos títulos soberanos portugueses não é visto atualmente "como um risco sistémico", já que, ainda que alguns bancos sejam mais vulneráveis, o "setor reforçou consideravelmente a sua posição de capital".

A Fitch estima que os principais bancos portugueses (CGD, BCP, Santander Totta, BPI, Novo Banco e Montepio) detenham cerca de 51 mil milhões de euros em dívida soberana (portuguesa, espanhola, italiana, etc.), devendo a exposição a dívida de Portugal ser de 24 mil milhões de euros.

Olhando para os rácios de capital de final de março de 2022, a Fitch indica que houve apenas um impacto modesto embora as taxas de juro soberano já tivessem aumentado no primeiro trimestre, o que considera que se deve também a cerca de 60% das obrigações soberanas estarem contabilizadas no balanço dos bancos ao custo amortizado (não sujeitas a reavaliações negativas de mercado), ainda que de futuro seja esperada "alguma volatilidade moderada nos índices de capital dada a exposição remanescente ser ao valor justo".

A Fitch estima ainda que a duração média da dívida soberana portuguesa na carteira dos bancos seja de quatro e cinco anos, o que também ajudará a que o impacto nos rácios de capital seja limitado, "a menos que se observe um aumento dramático nas taxas para níveis insustentáveis".

Por bancos, considera que os rácios de capital do BCP e, em certa medida, do Novo Banco "parecem mais sensíveis às variações das 'yields' soberanas", pois "têm uma parcela maior de títulos registados a valor justo". Já o Montepio, apesar da posição de capital inicial mais fraca, "tem perto de 100% das suas carteiras de obrigações soberanas registadas ao custo amortizado, o que significa que o seu rácio de capital é menos sensível a variações das 'yields' soberanas".

Para Nicola de Caro, da DBRS, "a detenção de elevados montantes de dívida soberana são uma fonte de vulnerabilidade para os bancos do Sul da Europa". Contudo, embora haja preocupação com a alta da inflação e das taxas de juros, há que "ter em conta os progressos feitos pelos bancos no fortalecimento de sua posição de capital e na redução de ativos problemáticos", pelo que estão mais fortes para enfrentar "qualquer deterioração adicional do cenário macroeconómico e a ampliação dos 'spreads' soberanos".

Para María Vinuela, da Moody's, a subida das taxas de juro terá um "impacto negativo" nas carteiras de dívida pública (a exposição dos bancos portugueses a títulos de dívida soberana era de 16% do total de ativos em base consolidada no final de junho de 2021, indicou), mas "não serão um problema para os bancos" nem "risco para a estabilidade financeira", até porque têm rácios de capital, "na maioria dos casos, muito acima dos requisitos regulamentares mínimos".

Os analistas das agências de 'rating' afirmam ainda que, no imediato, a subida das taxas de juro será muito positiva para a rentabilidade dos bancos portugueses pelo acréscimo considerável de receitas nos créditos a taxa variável. O problema, avisam, é se o aumento das taxas for brutal e pode isso levar ao aumento significativo do custo do risco devido ao crédito malparado.


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