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"Boys" trazem o mundo ao Douro
Depois de colocarem o nome e os vinhos da região nos maiores palcos mundiais, os cinco produtores apostam numa outra forma de internacionalização: atrair os clientes estrangeiros ao território, patrocinando também o sustento da economia duriense.
Treze anos depois de decidirem unir esforços comerciais no estrangeiro para colocar o Douro na galeria dourada da vitivinicultura a nível mundial, os denominados Douro Boys começam agora a realinhar e afinar a estratégia com o objectivo de mostrar também mais em pormenor o território único que dá origem aos vinhos que até agora andaram "apenas" a promover em conjunto nos mercados externos.
Em entrevista ao Negócios, os representantes destes cinco pequenos mas conceituados produtores durienses – Quinta do Vallado, Niepoort, Quinta do Crasto, Quinta Vale D. Maria e Quinta do Vale Meão – explicam que, após andarem "lá fora a vender a história da carochinha" sobre uma região que até há poucos anos tinha escassa notoriedade internacional, chegou "a altura de atrair as pessoas para virem cá", beneficiando até das condições agora existente ao nível da hotelaria e gastronomia.
Dirk Niepoort sustenta que "a lógica foi primeiro ir lá fora" e que o grupo está agora a atrair à região cada vez mais clientes e consumidores que gostam de viajar, de beber e de comer, e que possam trazer depois outras pessoas. É que "quase toda a gente que vai ao Douro fica escandalosamente impressionada pela positiva". Ao lado do presidente, José Telles, o director-geral desta que é, entre as cinco, a empresa que mais factura (10,5 milhões de euros em 2015), lembra que "uma imagem vale mais do que mil palavras e, de facto, o Douro é impactante, sensibiliza e cativa qualquer pessoa que venha cá".
A intenção é trazer as pessoas para mostrar como é difícil o cultivo da vinha naquelas escarpas íngremes e como se produz depois um vinho que escapa à lógica da agricultura, por que é que os Porto e os tranquilos DOC Douro (Denominação de Origem Controlada) devem ser valorizados e têm determinadas características intrínsecas. Em resumo, para perceberem os argumentos que fazem desta uma região única à escala mundial.
É que o valor do vinho também é medido por critérios que não são objectivos. "É a subjectividade da origem, da autenticidade, da tradição, às vezes de arriscar e ser diferente, comunicar de outra forma. Há uma imagem dos vinhos do Douro e do Porto que se cria na cabeça e isso cria diferenciação. Isso é que traz um valor acrescido", sentencia Francisca Van Zeller, directora de marketing e vendas da Quinta Vale D. Maria, ilustrando a importância dessa diferenciação quando um canadiano tem 700 mil garrafas à disposição e é preciso dar-lhe muitas razões para escolher uma desta região portuguesa. "O Douro tem claramente um enorme potencial para se diferenciar dos outros locais do mundo. Hoje o consumidor procura uma experiência diferente. O Douro é uma experiência diferente e autêntica", acrescenta.
"Mais do que estarmos 100% lá fora, a melhor forma de conseguir internacionalizar o Douro é gastar um pouco das nossas energias a receber os clientes em casa. Estão em contacto connosco e percebem que o Douro não é só vinho e que é francamente diferente de outras regiões. Há umas que são vinte vezes mais conhecidas, vendem os vinhos muito mais caros do que os nossos e não têm um quinto para mostrar. Temos de potencializar isso, nunca perdendo o foco de que estamos a internacionalizar a região", sintetiza Tomás Roquette, administrador da Quinta do Crasto.
Sustento para uma região empobrecida
E por que não fazer tudo isto criando igualmente um evento anual que seja um chamariz cultural e gastronómico e que, ao mesmo tempo, ajude outros produtores locais fora do sector dos vinhos? Foi isso que motivou os membros desta associação de carácter informal, que está junta desde 2003, a criar a Feira do Douro. Depois da Quinta do Vallado no ano de estreia, a Quinta de Nápoles, da Niepoort, recebeu a 25 e 26 de Junho quase três dezenas de agentes da região, que ali expuseram e venderam as suas frutas, vegetais, amêndoas, compotas, enchidos, queijos, doces, azeites, pães, cogumelos e chás, entre outros produtos típicos.
É que, embora a vinha seja predominante, é "interessante ter várias outras culturas", pois "dá uma ideia de consistência", aponta Luísa Olazabal, convencida de que, ajudando ao sustento de outros agentes económicos, também as quintas vão ganhar com isso porque a região e o país ganham dimensão, investimento, conhecimento, compradores e interessados. A Quinta do Vale do Meão não tem enoturismo, mas a co-proprietária sabe que, como acontece em França ou Itália, muitos turistas bebem nos restaurantes portugueses e entram posteriormente em contacto com a empresa por terem estado no país. O importador dinamarquês já lhe confidenciou, inclusive, que escolhe os vinhos nos destinos de férias.
Porém, a verdade é que os indicadores socioeconómicos continuam a colocar o Douro como uma das regiões mais deprimidas do território nacional em termos de desenvolvimento. Luísa Olazabal reconhece que "falta atractividade e condições para as famílias se estabelecerem" ali, numa zona do Interior que sofre com a desertificação e em que as escolas têm cada vez menos turmas. Embora já não seja como no tempo em que o avô paterno não frequentava a quinta que tinha no Douro porque lhe "fazia impressão a pobreza" – no tempo em que demorava mais de cinco horas a fazer a viagem desde o Porto –, reconhece que ainda há muito caminho para andar.
"Como podemos ajudar? Uma das formas é com a actividade económica que desenvolvemos. Antigamente as quintas não eram unidades económicas, eram apenas de produção de uvas que vendiam às caves de Vila Nova de Gaia. O facto de termos feito uma mudança, deslocando esse valor económico para dentro do Douro, criando as marcas, já ajuda bastante. Interessa que exista actividade económica", observa a gestora da Quinta do Vale do Meão, um projecto que começou a surgir em 1877 quando D. Antónia Adelaide Ferreira, a mítica Ferreirinha que já detinha o maior património agrícola da região, decidiu comprar 300 hectares de terra virgem ao município de Vila Nova de Foz Côa.
Colher os frutos do investimento
Foi na categoria de apoio à internacionalização das empresas que os Douro Boys venceram em 2012 o Prémio Europeu de Promoção Empresarial da Comissão Europeia, ao qual concorreram perto de 400 projectos nas várias categorias. Mantendo a sua independência e autonomia empresarial, estes cinco produtores que já estavam presos por relações de amizade – e, alguns deles, também pelos ramos familiares de várias gerações pendurados nas árvores genológicas – juntaram-se para ganhar escala na promoção internacional e, como justificou Bruxelas na altura da distinção, com "o propósito de trocarem informações e de se apoiarem mutuamente na prossecução da melhoria constante da qualidade dos vinhos que produzem".
Dirk Niepoort, que é um dos mais conceituados produtores nacionais, recua duas décadas para sustentar que o Douro "não existia e hoje é, de longe, a região portuguesa mais conhecida". E metade desse sucesso no reconhecimento "deve-se provavelmente aos Douro Boys", arrisca, notando que, apesar de serem relativamente pequenos a nível individual, conseguem juntos "uma dimensão grande e que as pessoas falem de Portugal e do Douro de uma maneira que não existia".
Em conjunto, investem neste projecto perto de 250 mil euros por ano. Os resultados mostram a evolução do negócio de 2002 para 2015: as cinco empresas aumentaram a facturação de oito milhões para 25,8 milhões de euros (14 deles na exportação), o número de trabalhadores subiu de 94 para 165 e passaram a deter 524 hectares de vinha, o que compara com os 267 hectares no arranque do milénio.
José Telles é o homem dos números da Niepoort, que faz vinho do Porto desde 1842 e DOC Douro apenas desde os anos 1990. Assegura que as cinco empresas crescem há vários anos a dois dígitos e reconhece que "continuar neste ritmo é difícil", pelo que precisam de "consolidar também esta mais-valia que é a marca Douro". "Ainda só demos os primeiros passos. Ajudamos a colocar a região no mapa e só faz sentido continuarmos e granjearmos [em torno desse] esforço que fizemos nos últimos anos. Embora já tenhamos alguns, está na altura de continuarmos a colher alguns desses frutos", indica o gestor.
E ainda faz sentido continuarem com o projecto Douro Boys? "Por que é que não haveríamos de continuar se está tudo a correr bem?". A resposta com outra pergunta é devolvida por Francisca Van Zeller, conjecturando que um dia os vinhos produzidos na quinta da família, situada no vale do Rio Torto, poderão ser procurados por causa do turismo. Em Napa Valley, na Califórnia, 80% da produção é vendida à porta da herdade, com evidentes benefícios de margem para as empresas e de preço também para o consumidor final.
Se nas regiões francesas de Borgonha e Bordéus os clientes conseguem ler um rótulo e identificar o vinho pela localização e pelo "terroir", nesta que é a mais antiga região demarcada do mundo, cada vinha é tão única que o argumento vai ser sempre a diferenciação e a qualidade. "Por isso é que tem de haver produtores de referência, líderes nesse sentido. E os Douro Boys têm esse caminho para continuar a fazer: estabelecermo-nos como cinco dos produtores mais importantes e de referência da região. Esse é um trabalho diário", adiciona a filha do proprietário, Cristiano Van Zeller, que antes de entrar no negócio familiar trabalhou como relações públicas na Bacalhôa.
Ao longo destes 13 anos, os cinco fundadores já tiveram infindáveis solicitações para acolher novos elementos nos Douro Boys. A tese ensaiada pelo grupo é que o alargamento não ia adicionar valor, apenas acrescentar problemas. E que isto não se confunda com "uma caminhada isolada ou elitista", acautela o representante da Quinta do Crasto, uma propriedade bem visível na margem direita do rio, entre a Régua e o Pinhão, em que as vinhas se estendem desde o leito até cerca de 600 metros de altitude.
"Que fique claríssimo. Temos neste momento a certeza absoluta de que quantos mais bons produtores, quanto mais a região crescer em conjunto, melhor para todos e principalmente para nós. Ainda estamos naquela fase em que é óptimo se, em vez de 20, amanhã houver 60 produtores de referência. Não vemos isso como concorrência, antes pelo contrário", esclarece Tomás Roquette. Se num restaurante de Nova Iorque houver, como habitualmente, uma lista repleta de vinhos franceses e italianos e apenas dois portugueses (sendo um deles do Crasto), a probabilidade de um cliente o escolher é muito menor do que se ele tivesse 15 opções nacionais, que o fariam prestar mais atenção a um país a que ainda falta "dimensão e reconhecimento" enquanto pátria vitivinícola.