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O que disse Marcelo em 2012 sobre Paulo Portas, o Governo, Cavaco e o futuro do país

Numa entrevista concedida ao Negócios há três anos, o agora candidato à Presidência da República falou sobre diversos temas. Releia a entrevista na íntegra.

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Reprodução integral da entrevista de Marcelo Rebelo de Sousa ao Negócios, publicada a 3 de Abril de 2012.

 

OS GRUPOS ECONÓMICOS TÊM O SEU ESPAÇO DE MANOBRA DEFINIDO PELO PODER POLÍTICO.

 

Marcelo Rebelo de Sousa diz que em Portugal há muito poder político e pouca sociedade civil. Ao Negócios, o professor faz o balanço de dez meses de Governo e sublinha que a actual liderança do PS tem um espaço de manobra reduzido. 

Domingo, no seu comentário habitual na TVI, já depois desta entrevista, acusou António José Seguro de "golpaça" na mudança dos estatutos do PS. 

Marcelo Rebelo de Sousa, que ontem participou em Espinho num jantar-tertúlia subordinado ao tema "Europa, Portugal, Crise e Direito", promovido pela Azevedo, Brandão & Associados, diz que as magistraturas, de vez em quando, ameaçam com a ideia de se tornarem um poder político.

Os políticos estão reféns da economia?

Acho que não. É evidente que a situação económica torna mais difícil ser-se político. Mas isso não quer dizer que os políticos não sejam livres de tomar decisões em matéria económica, em matéria financeira e social.

Não tem havido uma espécie de prisão face ao momento económico que o País vive?

Houve sempre. Todos os políticos tiveram de tomar em linha de conta a situação económica, financeira, social e cultural. Em tempos de crise, isso condiciona mais os políticos, mas não quer dizer que não tenham espaço de manobra e decisão.

Chegou-se à actual situação porque, em determinado momento, os políticos se esqueceram da economia?

Chegámos por vários factores, alguns dos quais antigos, para sermos justos. Esquecemo-nos da situação económica e financeira portuguesa nos anos 60 e 70. Esquecemos o custo de uma revolução e o de fazer, ao mesmo tempo, uma descolonização, mais uma integração europeia, mais a criação de um regime democrático, mais uma mudança radical na nossa economia. Fizemos ao mesmo tempo coisas que nenhum outro império da Europa Ocidental fez em simultâneo. A Espanha descolonizou 100 anos antes de enfrentar outros desafios. A França e a Inglaterra já eram economias de mercado e democracias antes de fazerem a integração europeia e antes da descolonização. 

Somou-se a isto, que tem um peso enorme e cuja factura nunca foi verdadeiramente paga, o facto de o mundo ter mudado. De a Europa ter mudado e de o nosso processo de chegada ao euro ter sido muito rápido. Como todos os processos rápidos, foi um processo que acarretou mudanças importantes na estrutura económica portuguesa. Somou-se, ainda, o facto de, no nosso processo de entrada no euro, deixarmos de ter dois instrumentos clássicos de defesa da economia portuguesa, a inflação e a desvalorização [da moeda]. E somou-se, também, a crise europeia no começo do século, e depois, mais tarde, a crise mundial. E ainda se pode somar o facto de que, durante algum tempo, se tivesse pensado que se podia adiar um conjunto de mudanças e reformas estruturais no nosso país. O somatório de coisas antigas, coisas menos antigas e coisas recentes tem um preço. Há uma altura em que vem a factura da refeição. Não há almoços grátis e agora veio a factura com todas as parcelas.

Como é que se sai desta situação?

Primeiro, equilibrando as contas públicas e, também, na medida do possível, as contas externas. E, ao mesmo tempo, criando condições de crescimento e emprego. A dificuldade está em compatibilizar as duas coisas no mesmo espaço de tempo.

Os lóbis económicos têm muito poder em Portugal?

Ironicamente, muito poder não. Porque, à escala europeia, os grupos económicos portugueses são todos muito fracos. O que se passa é uma coisa antiga, que é uma tradicional ligação ente o poder político e o poder económico e que se acentuou depois da revolução, com as reprivatizações. 

No fundo, os novos grupos económicos, para já não dizer os antigos, acabam por ter o seu espaço de manobra definido pelo poder político. Como já vinha de trás aquela ideia terrível de passarem as pessoas do poder económico para o poder político. Há muito a ideia na opinião pública de que muitos estão no poder económico para chegarem à política. Pode ser verdade ou não, mas existe a fama. É uma má tradição, que vem do facto de haver muito poder político e pouca sociedade civil. Tudo dependia do poder político. No salazarismo era assim. Havia meia dúzia de grupos económicos e Salazar arbitrava entre eles, arbitrava no plano pessoal, não era sequer no plano institucional. Com as nacionalizações, isso acentuou-se. Houve mais poder do Estado e menos da sociedade civil. Este lastro, que durou até aos nossos dias, espero que passe no futuro.

Nestes dez meses, o Governo tem feito o que é possível ou ficou aquém do que esperava?

Em termos de controlo de contas públicas, tem feito o melhor que pode, num quadro de condicionamentos muito difíceis, de uma imponderabilidade externa muito grande, de uma reforma da Administração Pública que continua parcialmente adiada e de um tecido económico e social muito frágil. No domínio da dívida externa, beneficiou da recessão, porque, quando há recessão, é mais fácil diminuir as importações e, nesse sentido, reequilibra as contas, não direi pela boa razão, mas pela má razão. As exportações têm resistido bem e até aumentaram. O mais difícil tem sido garantir que vai haver crescimento significativo nos próximos anos com base nas exportações. Uma boa parte não depende de nós, depende da Europa. Depende da forma como a Europa cresce ou não cresce, depende da procura de novos mercados, depende de como estiverem esses mercados. Há coisas que dependem de nós, há outras que não. A parte mais difícil para o Governo é fazer as reformas estruturais ao ritmo pretendido pela troika.

A reforma mais fulcral é a da Justiça?

Há várias que têm de seguir em simultâneo. A da Administração Pública é muito importante. A da Justiça é essencial e tem sido adiada há muito, mas a da Saúde não é menos importante. Há que tomar decisões claras, que não sejam só cortar pela falta de dinheiro. Depois, há outras que estão começadas mas, primeiro que produzam efeitos, demoram algum tempo. Reformas como a da concorrência, ou do arrendamento urbano, ou reformas que tenham a ver com o mundo laboral. É fácil votar as leis, mas a produção de efeitos é, naturalmente, mais lenta.

Deveria haver um consenso alargado com o PS em torno destas matérias?

Diria que o desejável seria que o PS tivesse espaço de manobra, com a execução do acordo da troika, de permitir ou facilitar ou ter a maleabilidade de chegar a alguns acordos estruturantes na sociedade portuguesa. Mas a situação da nova liderança do PS não é muito fácil, porque tem uma herança muito pesada. Tem um acordo com a troika muito pesado e, depois de muitos anos no Governo, tem uma pulverização de posições internas. Portanto, não está a ser muito fácil o PS ir além de um certo marco relativamente cuidadoso no domínio dos acordos de regime. Preferiria que fosse possível, mas uma coisa é o preferível e outra é o possível. E não está a ser possível.

 

PORTAS TEM FEITO CORRER BEM A COLIGAÇÃO E TEM GANHO COM ISSO

 

Apesar da austeridade e da intervenção policial na última manifestação de protesto, Marcelo Rebelo de Sousa não acredita que exista o perigo de uma convulsão social violenta.

É um político ou um analista político?

Sou um professor. E, como professor de ciência política, direito político e direito administrativo, tive ocasião de projectar o meu ensino além do auditório restrito de uma sala de aula. Há muitos anos, ainda antes do 25 de Abril, quer no que escrevia e, mais tarde, com o que dizia na rádio, e, depois, com o que dizia na televisão, tinha um prolongamento para auditórios mais amplos. Depois, intervim politicamente em momentos muito precisos, muito específicos e normalmente em função de circunstâncias imprevisíveis. Mas cargos mais específicos ocupei-os por circunstâncias muito específicas. Fui deputado da Assembleia Constituinte num momento histórico, fui membro do Governo também numa altura muito específica, fui líder do partido por um conjunto de circunstâncias que também era muito imprevisível e não dependia da minha vontade. Mas o mais constante na minha actuação é ser professor, é a minha vocação. E depois, por extensão, fazer o comentário político.

Mas tem a noção do peso das suas palavras na vida política?

Nisso, não se pode exagerar. Acho que os comentadores se consideram mais importantes do que são. Não são tão pouco importantes como a generalidade dos políticos pensa, nem são tão importantes como eles, comentadores, na generalidade pensam. 

Uma sondagem recente da Aximage para o Negócios e Correio da Manhã, dava-o como o candidato presidencial preferido pela direita.

Debater agora as presidenciais não faz sentido.

Só fala disso em 2014?

Não faz sentido nenhum. Temos um Presidente da República, está em funções, e ainda em início do mandato. Falar de presidenciais que são daqui a quatro ou cinco anos é uma loucura.

Como classificaria ideologicamente o actual Governo?

O Governo do PSD/CDS é de centro-direita. Claramente. Tem aspectos que o aproximam do centro, com algumas tonalidades sociais. Até porque o PSD continua a afirmar-se como social-democrata e que não pode largar preocupações que são centrais da sociedade portuguesa. Mas, por outro lado, tem aspectos que vão desde a liberalização e da privatização de alguns sectores, até por força das circunstâncias, à ideia da desestatização, da redução do Estado, e da abertura à iniciativa das pessoas e do mercado. É mais de direita do que propriamente de esquerda.

Os ministros estão a corresponder às expectativas?

Cada caso é um caso e é muito difícil fazer generalizações. O primeiro-ministro e o ministro das Finanças têm mantido as suas quotas de aceitação por parte do eleitorado, e isso reflecte-se no PSD ter quotas eleitorais muito elevadas para o tipo de medidas de austeridade que teve de tomar.

Houve um momento em que pareceu que o primeiro-ministro tinha perdido o pé. Foi o caso Lusoponte, o folhetim entre o ministro das Finanças e Álvaro Santos Pereira por causa do QREN e a demissão do secretário de Estado da Energia.

Não houve repercussão em termos de sondagens. As sondagens têm mostrado que o primeiro-ministro e o ministro das Finanças continuam a manter incólume a aceitação suficiente para o PSD não descer dos 36% a 38%.

Está a tirar das suas referências o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas.

Não digo que ele não tenha quotas muito apreciáveis...

Não está no centro do furacão.

Se quiser que comente, também, o CDS, direi que tem percentagens eleitorais magníficas porque está sempre acima dos 11 a 12%. Para um partido do Governo, é extremamente elevado. E o ministro Paulo Portas está nas sondagens numa posição ainda mais lisonjeira, porque menos desgastada do que a do primeiro-ministro e a do ministro das Finanças. Mas isto não é original porque o ministro dos Negócios Estrangeiros está sempre, em todos os Governos, numa posição lisonjeira.

Miguel Esteves Cardoso disse , ao "Expresso", que Paulo Portas ainda ia "mandar nesta merda toda", ou seja, que vai ser primeiro-ministro.

Não sei o que queria dizer exactamente o Miguel Esteves Cardoso, e, portanto, só perguntando a ele próprio é que se pode ter uma ideia do que ele pode ter querido dizer. O que posso dizer é que Paulo Portas tem feito correr bem a coligação e tem ganho com isso.

Pediu aos "cavaquistas anónimos" que se calassem.

O que disse, na altura, foi dito por imensa gente. Foi cometida uma imensa injustiça que foi atribuir ao próprio Presidente da República coisas que não tinham nada a ver com ele. Às tantas, alguém aparece responsabilizado por aquilo que é alheio à sua intervenção e que é atribuído a pessoas que se dizem próximas da pessoa. 

O Presidente está a fazer um bom segundo mandato?

É um mandato bem mais difícil do que o primeiro. A primeira fase do primeiro mandato foi pacífica na relação com o Governo e na situação financeira, económica e social. Depois, já foi uma relação mais tensa na fase final desse segundo mandato com o Governo. O segundo mandato teve um problema complicado, que era não ter um Governo de maioria absoluta, ter uma situação crítica, que obrigou à intervenção da troika, e ter de dissolver o Parlamento num curto lapso de tempo. Portanto, isso é para qualquer Presidente um conjunto de mudanças tal que é inevitável pagar uma factura. Neste sentido, não pode agradar a toda a gente. Porque ao dissolver não agradará aos que não queriam a dissolução. Ao ter de intervir para proporcionar determinado tipo de acordos, como sucedeu com o Orçamento de 2011, também não agradou a muito boa gente. De um lado e do outro, porque uns queriam que o Governo caísse imediatamente, outros não queriam que houvesse uma negociação com o PSD tão intensa. Quando o Presidente não intervém é porque não intervém, quando intervém é porque intervém muito.

Como vê o futuro do País? 

Sou um optimista. Portugal já passou por crises muito mais profundas. Nós é que esquecemos que a História de Portugal é a história das crises. Começou com a história da crise de D. Afonso Henriques com a mãe, D. Teresa, continuou com a expansão do território em condições muito difíceis. Depois as sucessivas crises que foram acompanhadas com saltos em frente nos Descobrimentos. E uma agitação constante na primeira República, mesmo no salazarismo, em que as pessoas acham que não houve nada. 

A crise nos anos 60, em que perdemos um terço da população que emigrou para a Europa, as três guerras ao mesmo tempo e as migrações para o litoral. Esta ideia da época de ouro, e recordo o filme do Woody Allen "Meia-noite em Paris", em que as personagens acham que feliz, feliz, tinham sido as pessoas na década de 20. Chegaram lá e perceberam que as pessoas tinham odiado viver naquela altura. Nunca houve uma era de ouro, normalmente inventa-se isso como uma autojustificação para os desafios do presente, para não fazer nada e dizer que nunca houve nada assim. 

Mas há um clima de tensão social?

Até nisso somos uns privilegiados. Os portugueses têm uma sabedoria de muitos séculos. Não se metem em aventuras de convulsão social que são contraproducentes.

Não há risco de uma convulsão social violenta?

Acho que não.

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