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Rui Rio, o homem rigoroso que não gosta de ler romances
Rui Rio anuncia esta quarta-feira, em Aveiro, a sua candidatura à liderança do PSD. O homem que se deixa guiar pela racionalidade considera que agora chegou o momento certo para entrar na disputa partidária.
Aveiro foi o território neutro escolhido por Rui Rio para apresentar esta quarta-feira, pelas 18:30, a sua candidatura à liderança do PSD. Uma escolha compreensível. Caso tivesse optado pelo Porto, cidade da qual foi presidente da Câmara, ficaria vulnerável às acusações de regionalismo. Se a escolha tivesse recaído em Lisboa, tal poderia ser interpretado como uma capitulação ao centralismo da capital.
Em Aveiro, Rui Rio deixa de ser o putativo candidato a presidente do PSD e assume a corrida ao lugar. Em Julho de 2016, Joaquim Jorge, fundador do Clube dos Pensadores, convidou-o para um dos habituais debates promovidos por esta entidade e explicou assim a opção: "muitos portugueses e muitos social-democratas acalentam a esperança que Rui Rio, um dia, lidere o PSD e Portugal. A sua prestação na Câmara Municipal do Porto e na vida pública demonstra um perfil do gosto de muita gente: austero, poupado e equilibrado".
Traços de carácter que são o resultado de uma "educação apertada e rigorosa" que recebeu do pai, como contou numa entrevista ao Negócios, conduzida por Anabela Mota Ribeiro, em Junho de 2009.
"Se me perguntar: ‘Qual foi a primeira coça que levaste?’, nada ou pouco levei. Nem era preciso bater. Mantinha uma certa distância, cortava-me os brinquedos, estudava nas férias. Está a ver o que é um miúdo de nove anos, 10 anos, 11 anos, 12 anos ter de estudar nas férias? Posso tentar recordar coisas desse género… Ganhei quatro campeonatos seguidos de slot-cars. Sabe o que são? São aqueles carros de pista, eléctricos, com que se fazem corridas. Acho que foi a coisa para que tive mais jeito em toda a vida. Não treinava e ganhava tudo. Pequenito, ganhava mesmo aos mais velhos. Fui campeão quatro vezes seguidas. Mas, na melhor das hipóteses, fui receber uma das taças. Havia sempre qualquer coisa pela qual, três dias ou quatro dias antes, eu tinha de estar de castigo e não podia ir buscar a taça. Não inventava, havia mesmo qualquer coisita. Eu não ouso dar essa educação [à minha filha]", recordou nessa ocasião.
"Enriquecer não me seduz"
Rui Fernando da Silva Rio nasceu no Porto a 6 de Agosto de 1957 e licenciou-se em Economia na Faculdade de Economia da Universidade. Na adolescência estudou no Colégio Alemão do Porto, uma circunstância que ajuda a pintar o perfil de pessoa austera.
"Entrei com quatro anos, por vontade do meu pai. Mais do meu pai do que da minha mãe, como era na altura. Considerava que, com o regime que tinha, Portugal não tinha futuro. A Alemanha do pós-guerra tinha mostrado uma vitalidade e uma capacidade de se regenerar apreciável. O meu pai achava que eu fazia o Colégio Alemão e depois ia para a Alemanha. Viver para um país que tinha futuro. (…) Não fui para a Alemanha porque não quis. Sou mais rigoroso do que a maioria em Portugal, mas menos rigoroso do que os alemães. Não me sentia bem com aquela cultura, aqueles excessos. Foi também isso que me afastou. Isso e a minha ligação ao país, fundamentalmente ao Porto. Custa-me sempre muito sair. Mas enriquecer não me seduz. Quando começo a fazer o trajecto da minha vida, quando surgem as opções, nunca caio para essa", afirmou na referida entrevista.
Rio aderiu à JSD (Juventude Social Democrata), logo após a revolução de 25 de Abril de 1974 e foi vice-presidente do PSD em duas ocasiões. A primeira, entre 2002 e 2005, quando a liderança do partido era assegurada por Durão Barroso e Pedro Santana Lopes, e depois de 2008 a 2011, durante a presidência de Manuela Ferreira Leite. Foi deputado do PSD, eleito pelo círculo do Porto, entre 1991 e 2001, tendo chegado a ser vice-presidente do grupo parlamentar e porta-voz para assuntos económicos.
Profissionalmente, Rui Rio iniciou a sua actividade profissional na indústria têxtil, foi quando do BCP, passou pelas Tintas CIN e foi director e vogal do conselho fiscal da CGD. Depois de ter saído da Câmara do Porto, da qual foi presidente entre 2001 e Outubro de 2013, Rio distanciou-se da política e em Março de 2014 assumiu funções na Boyden – Executive Search e na Neves de Almeida HR Consulting, empresas da área de gestão de recursos humanos.
Em 2015 chegou a ser aventada a possibilidade de concorrer à Presidência da República e o próprio admitiu estar a ponderar uma candidatura, em entrevista ao programa Alta Definição, da SIC, mas a mesma não se materializou. "Vou mais pela racionalidade, bom senso e justiça das coisas e menos pelo ‘maria-vai-com-as-outras’", explicou.
Apesar do seu aparente afastamento da política activa, Rui Rio sempre manteve o pé na porta. Em Julho deste ano, foi o convidado do International Club of Lisbon para um almoço-debate e deixou o seu diagnóstico do país. Falou de um discurso político de facilidade", "desprezo pela poupança" e também "desprezo pelo endividamento externo", que acaba por ser "castrador do crescimento". "Aquilo que prevejo é, na prática, o fim da democracia. Quanto mais fraco é o poder político, menos democracia há". E a solução? "Só vejo uma reforma que por si só pode consubstanciar uma alteração muitíssimo grande, que é a descentralização com responsabilidade política, a desconcentração".
Apoios convictos e inimigos correctos
Rui Rio tem uma biografia oficial, "De Corpo Inteiro", escrita por Mário Jorge Carvalho e publicada em 2014. É nela que se lê a seguinte descrição do agora candidato à liderança do PSD.
"Rui Rio sempre foi reconhecido como um trabalhador incansável: no caso da Câmara do Porto não será errado dizer-se que, ao longo de três mandatos, a média de permanência nesta instituição foi de mais de 12 horas diárias, o que revela a sua dedicação à gestão municipal.
Poderá especular-se que essa absoluta dedicação ao trabalho, em detrimento de uma vida social, tem que ver com o facto de Rio ser tímido (característica que esconde por detrás de outros comportamentos, como a rigidez da gestão da sua exposição pública). Embora não seja fácil fazer a correlação, a verdade é que Rui Rio considera imprescindível manter-se resguardado como figura pública para não banalizar, de certa forma, o exercício de poder.
A título de mero exemplo, o então presidente da Câmara do Porto raramente era visto, por sua iniciativa, em passeio ou em restaurantes da Baixa da cidade, facto que não está tanto relacionado com despesas mas também com a vulgarização do acesso corrente ao poder, que acarreta o risco de gerar promessas difíceis de cumprir.
Rui Rio não quer ser associado a utilizações abusivas de poder, princípio que transporta para a sua vida familiar, sem desleixo ou contemplações. Parece, assim, um erro pensar-se que se sente bem como homem sozinho e solitário".
Um outro perfil, não-oficial, publicado em Novembro de 2016 no Correio da Manhã, fornece outro tipo de informação. O seu prato preferido é a lampreia, de Viana do Castelo, cidade onde nasceu a sua mulher, Lídia Azevedo, "não gosta de ser contrariado" (palavras de um anónimo antigo colaborador). Quase só lê livros técnicos, "romances não leio, não me atraem" (disse a Anabela Mota Ribeiro) e na rua Barbosa do Bocage, no Porto, onde viveu, as memórias divergem. "Uns recordam-no como ‘cinzentão e convencido’ e outros como ‘simpático e brincalhão, muito embora fosse discreto nisso’".
O slogan para a sua candidatura à sucessão de Passos Coelho vai ser "Hora de agir". Rui Rio acha que chegou a sua hora depois da derrota do PSD das autárquicas e de Passos Coelho ter anunciado o seu adeus ao partido. O que leva a concluir que se concretizaram os factores que Rio, em entrevista ao Diário de Notícias, publicada a 10 de Novembro, enumerava como necessários para avançar.
"Perceber se os apoios que eu possa ter são convictos e se acreditam mesmo em mim. Se as outras alternativas são suficientemente credíveis e robustas para servirem o PSD e o país. Se há espaço para implementar o fundamental das minhas ideias e da minha maneira de ser, que como sabe tendem a ser um pouco disruptivas relativamente à política na sua forma mais tradicional. Se sinto condições para gerar uma dinâmica de mudança e de desenvolvimento em Portugal. E, até, se tenho os inimigos políticos correctos".