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Draghi reclama o seu direito de pedir reformas estruturais. Outros nem tanto
Mario Draghi, presidente do BCE, Stanley Fischer, número dois da Reserva Federal, e Haruhiko Kuroda, governador do Banco de Japão, fecharam o II Fórum do BCE em Sintra num debate sobre afinal qual é o seu papel na economia e como se devem relacionar com os governos.
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Mario Draghi respondeu às críticas dos que consideram que pisou os limites do seu mandato no discurso de sexta-feira no II Fórum da Banca Central em que defendeu a urgência de reformas estruturais na Zona Euro. No painel que fechou a conferência no sábado o presidente do BCE reclamou, enquanto "guardião da moeda" única, o seu direito a comentar todos os temas que ameaçam o seu mandato e a própria união.
A sua posição não foi acompanhada pelos responsáveis da Reserva Federal e do Banco de Japão, com quem partilhou o palco, que mostraram mais cautela, embora reconhecendo a situação particular do BCE: um banco central solitário, numa região com muitas divergências, e sem um ministro das Finanças com quem coordenar políticas.
"Não consigo resistir a responder aos que clamaram ou apontaram a falta de legitimidade democrática" do BCE em defender a urgência de reformas estruturais, começou por dizer o responsável máximo do BCE, para depois defender o seu direito a falar sobre políticas fora do seu mandato: "quando colocamos os temas em perspectiva histórica [considerando erros cometidos e as divergências de desempenho da região] começamos a pensar sobre se os governadores dos bancos centrais não devem ser muito claros sobre as políticas ou falta delas que lhes prejudicam o mandato, ou que lhe tornam o mandato mais difícil ou até impossível. Eu penso que devem", atirou.
"O BCE não quer ser intrusivo, nem dizer o que os governos devem fazer. Este é muito mais um apelo de política, um apelo à acção. Este [a falta de reformas estruturais] é o maior problema na Europa, limita o mandato do BCE, afecta a política monetária e queremos torná-lo muito claro. Mas não queremos ser intrusivos", considerando no entanto que "não há melhor momento para o fazer do que agora".
Mais cauteloso esteve Stanley Fischer, o número dois da Reserva Federal norte-americana: "Podemos falar sobre isso [reformas estruturais ou políticas orçamentais] de tempos em tempos, mas não podemos tornar isso num aspecto central na comunicação", defendeu, considerando que o banqueiro central deve preocupar-se com o que afecta o crescimento potencial da economia, mas que na maioria das vezes deve assumir essas limitações como um dado.
O Japão está algures entre a Europa e os Estados Unidos, promovendo explicitamente o que Haruhiko Kuroda descreveu "uma divisão de trabalho": "o banco do Japão e o Governo acordaram um conjunto de políticas e emitiram uma declaração conjunta, na qual o Banco do Japão se comprometeu a atingir a inflação de 2%, e o governo comprometeu-se a fornecer estímulo orçamental no curto prazo, e a consolidar no longo prazo e também a implementar reformas estruturais".
"Esta declaração permitiu-me a mim falar sobre reformas estruturais, por exemplo", evidenciando apesar do acordo a sensibilidade da relação entre governos e bancos centrais.
Magia com 9 biliões de euros
A Reserva Federal, o BCE e Banco do Japão implementaram ou têm ainda no terreno programas de compras massivas de dívida pública para combater o risco deflacionista que, no conjunto, elevaram os seus balanços para uns astronómicos 9 biliões de euros. São medidas não convencionais de política monetária, que inevitavelmente têm impactos significativos tanto noutras jurisdições - nomeadamente através da taxa de câmbio (que tende a depreciar) - como nas suas próprias regiões monetárias, por exemplo através de efeitos redistributivos que prejudicam os aforradores devido à baixa das taxas de juro - uma das razões da oposição alemã ao programa de alívio quantitativo que o BCE implementou este ano.
Este foi, sem surpresa, outro tema central do debate de sábado. Aqui, o alinhamento de posições foi quase total. Os três banqueiros reconhecem os efeitos negativos sobre os aforradores, mas apontam para os benefícios de longo prazo; ao mesmo tempo recusam a possibilidade de coordenação de políticas no plano internacional – para lá da comunicação e transparência nas suas posições – e não vêem, pelo menos por enquanto, riscos de instabilidade de financeira motivados pela injecção de liquidez na economia.
"O Quantitative Easing parece magia para muitas pessoas [...] e é verdade que prejudica os aforradores, mas temos de defender e explicar porque o fazemos" afirmou Stanley Fischer, que aproveitou para lembrar que toda a política monetária, mesmo a simples decisão de juros, tem efeitos redistributivos. "Temos de explicar que trazer a economia de volta ao crescimento é o que vai garantir também aos aforradores" melhores retornos no longo prazo, argumentou.
Draghi seguiu na mesma linha: "Os impactos sobre os aforradores são muito significativos na Zona Euro, mas é o crescimento [que estas políticas ajudam a promover] que vai resolver" os problemas no longo prazo, defendeu, acrescentando ainda que "a maior fonte de desigualdade é o desemprego" e que a injecção de liquidez contraria o elevado desemprego na região.
Os três governadores mantiveram-se também convictos que as suas políticas não estão, pelo menos para já, a fomentar instabilidade financeira. Haruhiko Kuroda considerou que esta se trata meramente de "uma possibilidade teórica". Stanley Fischer concorda que tal poderá ser um problema em países que não reformaram o sistema financeiro, o que não é o caso dos EUA ou da Europa.
Os líderes dos três maiores bancos centrais das economias avançadas concordaram ainda em dois outros pontos em debate: por um lado, o objectivo de inflação de 2% que assumem como referência está bem definido e farão tudo para o atingir; por outro, não lhes compete preocuparem-se com as consequências das suas políticas noutras regiões. "O nosso mandato é puramente doméstico", afirmou Fischer. "Não podia estar mais de acordo: o nosso mandato fala de estabilidade de preços na Zona Euro", rematou Draghi.