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Henrique Meirelles: o homem que vai tentar endireitar o Brasil
Lula ainda tentou trazê-lo para o governo de Dilma, Temer conseguiu-o. Conheça Henrique Meirelles, o novo ministro das Finanças do país que mais encolhe no mundo depois da Venezuela.
Fará em Agosto 71 anos. Foi presidente do banco central durante os oito anos de governo de Lula da Silva. Era tido como o seguro de vida das reformas deixadas por Fernando Henrique. Travou guerras duras com os ministros da Fazenda do ex-presidente, Antonio Palocci e Guido Mantega.
Quando em 2015, pouco depois da reeleição de Dilma Rousseff, se percebeu que a economia brasileira tinha gravemente descarrilado, Lula tentou recuperá-lo para as Finanças. Não se sabe se foi ele que não aceitou ou Dilma que se opôs. Certo é que Henrique Meirelles está de regresso a Brasília, agora para comandar a Fazenda no governo provisório de Michel Temer, o presidente interino que, ainda nesta quinta-feira, assumiu o poder depois do afastamento de Dilma que será agora julgada pelo Senado num processo político-jurídico que terá de ser concluído no prazo máximo de 180 dias.
Com o país mergulhado na maior recessão de que há memória, a economia é a frente de batalha mais urgente. E Meirelles, tanto ou mais do que Temer, tenderá a ser o verdadeiro protagonista nos próximos meses - que poderão ser apenas seis ou até 30, caso o até agora vice-presidente conclua o mandato para o qual foi eleito ao lado de Dilma em Outubro de 2014.
No final deste ano, o PIB brasileiro terá caído 8%; segundo o FMI o Brasil é o país do mundo onde a economia mais encolhe depois da Venezuela; a inflação disparou para dois dígitos e o desemprego está já acima dos 10%: o país tem hoje lá dentro um Portugal de desempregados, 10 milhões.
Nas contas públicas, a amplitude da hemorragia ainda não é completamente conhecida e há quem admita que será necessário voltar a recorrer a empréstimos do FMI. No espaço de pouco mais de dois anos, o défice orçamental quase quadruplicou para 10% do PIB, a dívida pública passou de 60% para quase 80% (e seria aqui preciso acrescentar o endividamento directo de bancos e empresas públicas não cotadas), o Brasil perdeu o grau de investimento que havia conquistado em 2008 com todas as agências de rating a classificar hoje de "lixo" a dívida emitida pelo Tesouro brasileiro, que está a ser transaccionada no mercado secundário com "juros" na casa dos 14%.
"Meirelles é muito admirado pelos mercados financeiros por sua ortodoxia. À frente do banco central, ele entregou por três anos a inflação abaixo do centro da meta oficial e adoptou uma política que elevou as reservas internacionais em 250 mil milhões de dólares", escreve a revista brasileira Exame, que recorda que Meirelles, tal como Lula, remete boa parte dos brasileiros para tempos áureos. No seu período de gestão da política monetária, o Brasil viveu o mais longo ciclo de crescimento da história recente do país, com uma taxa de 3% ao ano por mais de 60 meses.
Novo ministro é próximo de Bill Clinton
Neto e sobrinho de políticos, Meirelles nasceu em Anápolis, município brasileiro do interior do Estado de Goiás, em 31 de Agosto de 1945. Formou-se em engenharia e estudou administração em Harvard. Foi nos Estados Unidos que construiu uma carreira de sucesso à frente do BankBoston, tendo sido um homem do ciclo próximo de Bill Clinton. O seu regresso ao Brasil e, sobretudo, o ingresso na política é tardio - assim como o seu casamento, em 2000, com Eva Missine, uma médica psiquiatra alemã que passou a adolescência no Brasil. Contava-se já o tempo neste novo século quando se filiou no primeiro partido. A escolha recaiu no PSDB, fundado por Fernando Henrique Cardoso, mas hoje está no PSB, depois de ter estado no PMDB e "namorado" com o PP.
Estava agora no Conselho de Administração da J&F, dona do Banco Original e da JBS, um dos maiores conglomerados agro-alimentares da América Latina, e era também membro do Conselho de Administração da Azul Linhas Aéreas, cujo dono, David Neeleman, é um dos membros do consórcio comprador da TAP.
Entre as medidas económicas prioritárias, os analistas esperam que proponha, tal como agora se discute na Zona Euro, um limite para o crescimento da despesa pública. Essa ideia fora já avançada pelos ex-ministros Joaquim Levy (que não teve o apoio de Dilma para a implementar), e por Nelson Barbosa (que acaba de deixar a Fazenda) que a propôs quando não havia mais base parlamentar a favor do governo.
Meirelles deverá, em simultâneo, ter de fazer cortes nos gastos. O primeiro, simbólico, está feito: Temer apresentou um Governo mais reduzido, com 21 ministros, menos dez do que o último Executivo de Dilma. Ao contrário desta, as maiores batalhas terão seguramente um preço político muito maior: reformar o sistema pensionista, disciplinar os benefícios dos funcionários públicos, cortar a fundo nos investimentos previstos para manter as obras em andamento e poupar programas emblemáticos como o Bolsa Família. Em entrevista ao Negócios, Jairo Nicolau, analista político, diz acreditar que essas "medidas amargas" não tardarão dada a situação económica "assustadora" do país. Meirelles, uma estreia no governo federal, não terá lua de mel.