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Juízes: “Passagem dos processos fiscais para a arbitragem é o Estado a demitir-se de funções”

O Governo vai permitir que os processos que tenham dado entrada nos TAF até 31 de Dezembro de 2016 passem para a arbitragem tributária sem custas. Para a Associação Sindical dos Juízes isto é “entregar a justiça a privados” e o Estado “a pôr a cabeça no cepo”.

Bruno Colaço
24 de Setembro de 2018 às 17:08
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"O Estado, que durante anos não resolveu os problemas da justiça administrativa e fiscal, vai agora mandar os processos para a arbitragem, onde as custas são mais caras, onde o Estado perde mais processos e onde há problemas de imparcialidade". Manuel Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, critica fortemente a decisão do Governo de permitir que, desde que seja essa a vontade das partes, os processos que tenham dado entrada nos Tribunais Administrativos e Fiscais (TAF) até 31 de Dezembro de 2016 possam transitar sem custas para a arbitragem tributária.

 

A medida foi aprovada na semana passada em Conselho de Ministros e detalhada ao Expresso pela secretária de Estado Adjunta e da Justiça, Helena Mesquita Ribeiro. Segundo a governante, na mesma entrevista, a decisão "foi tomada depois de muita ponderação " e "é o reconhecimento que a arbitragem existe, está aí e que há sujeitos processuais que podem preferi-la".  

 

Há menos de um ano, em Novembro de 2017, Helena Mesquita Ribeiro afirmava, então em entrevista ao Negócios, questionada sobre uma eventual migração de processos para a arbitragem tributária, que "os meios alternativos são isso mesmo, alternativos. Quem quiser que recorra, mas ser o próprio Estado a privatizar a Justiça, não penso que seja o caminho". E acrescentava: "O Estado deve resolver os seus problemas porque é disso que as pessoas estão à espera e é isso que estamos a fazer."

 

A opção acabaria por ser a de permitir mesmo a migração de processos mais antigos para a arbitragem, que em Portugal é competência do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD). "Trata-se de uma associação privada, que tem o exclusivo e o Estado nem sequer pode dizer que não quer porque basta que seja a opção de uma das partes", critica Manuel Soares. "Acho tudo muito duvidoso. É o Estado a demitir-se das suas funções e entregá-las nas mãos de uma entidade privada quando é o mesmo Estado que tem de assegurar justiça aos cidadãos em tempo razoável. Não havendo solução imediata, o Estado resolve o problema metendo a cabeça no cepo", acrescenta.

 

Justiça cria equipas especiais de juízes

 

As medidas agora aprovadas pelo Executivo e que estão a ser preparadas há mais de um ano, incluem a criação de equipas de recuperação, com magistrados que irão receber os processos mais antigos, anteriores a 2012. É a resposta do Governo para o elevado número de pendências e um "não" aos magistrados, que continuam a insistir na falta de meios.

 

Recentemente foi feito um concurso especial para juízes para esta jurisdição, mas Manuel Soares considera que está longe de ser suficiente, desde logo "porque é preciso levar em conta os magistrados que se jubilam". Para a ASJP, é necessário um recrutamento extraordinário, sobretudo a partir do momento em que o Governo decide criar as equipas de recuperação. "Se entram 26 mil processos por ano e se vão tirar juízes para as equipas especiais, então é preciso compensar", caso contrário, as taxas de resolução processual "vão começar de novo a cair", alerta o magistrado.

 

Além de mais magistrados, a ASJP considera que seriam necessárias "alterações processuais mais significativas", desde logo, retirando dos TAF as "chamadas minudências", como os processos das dívidas das portagens ou das custas dos tribunais, exemplifica.

Na entrevista ao Expresso, contudo, a secretária de Estado deixou um aviso: "Começa a deixar de haver válvulas de escape para ineficiências com base apenas no argumento de que não há meios."

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