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Dados bancários: o que fará o Fisco com tanta informação?
A troca automática de informações que agora se inicia traz consigo um novo paradigma em termos de transparência, mas também novas preocupações relativamente à privacidade e aos direitos dos cidadãos. A actuação das autoridades vai ser determinante.
Todos os anos em Setembro afluirão às bases de dados do Fisco milhões de ficheiros "xml" com informações sobre quem detém o quê e onde, remetidas por cada uma das jurisdições que aderiram à troca automática de informações. Em teoria, a Autoridade Tributária (AT) aproveitará esta informação para a cruzar com outros registos internos e detectar património de particulares não declarado no estrangeiro mas, na prática, é preciso fazer caminho para ver os resultados.
A medida é vista como um instrumento privilegiado para o combate à fraude entre os contribuintes com mais rendimentos, que recorrem a estruturas mais complexas e a jurisdições estrangeiras para abrigarem o seu património, mas o seu real alcance ainda não é claro. Até porque ainda não se percebeu se o Fisco tem capacidade para dar conta de tanta informação de que passa a dispor.
Seja como for, alerta Ana Paula Dourado, professora na Faculdade de Direito e membro da Plataforma da União Europeia para a Boa Governação Fiscal, "não haja ilusões. Nenhuma AT, nem a mais dotada do mundo, conseguirá tratar os dados todos". As limitações dos Estados estão bem identificadas desde o início pela OCDE, pelo que "o grande objectivo da troca automática é o da prevenção. Os contribuintes sabem que a sua informação anda de um lado para o outro e sentem que lhes poderá calhar a eles", diz a professora universitária.
E a este nível já há resultados para mostrar, porque "a forma como a sociedade e os clientes vêem o tema já mudou", garante o advogado Nuno da Cunha Barnabé, da PLMJ. "Hoje não é fácil vermos um cliente despreocupado com a questão reputacional. As pessoas têm um nome, família e património a preservar, e os riscos de a informação ser divulgada é maior".
Em paralelo com a troca automática de dados para efeitos fiscais estão também em vigor novas regras que obrigam os bancos a terem políticas mais criteriosas de aceitação dos clientes, e uma bateria de medidas que pretendem identificar e manter públicos os beneficiários efectivos dos negócios. Ou seja, as autoridades não só têm acesso a mais informação patrimonial e financeira sobre os cidadãos, como se estão a multiplicar as plataformas em que é recolhida informação sobre os contribuintes, para depois serem cruzados entre si.
Esta "nova era", como lhe chama Ana Paula Dourado, trazendo dividendos em matéria de equidade fiscal e de prevenção da criminalidade económico-financeira, também comporta riscos e a tónica das discussões nos fóruns internacionais começa agora a deslocar-se. "As autoridades tributárias passam a ter tanta informação e tantos poderes que há um grande receio quer em termos de confidencialidade da informação, quer em termos de atropelo dos direitos e garantias processuais dos contribuintes", descreve a professora universitária.
Nuno Cunha Barnabé recorda que "há quatro anos, quando organizávamos um património, não havia a preocupação de saber que informação ia chegar às autoridades, porque ela era declarada pelo próprio contribuinte. Agora temos a banca a reportar, as entidades estrangeiras a reportar, o contribuinte a reportar. O nível de informação passa por tantas fontes e entidades que é virtualmente impossível controlar a informação que sai. Haverá muita inconsistência, muita incongruência, e a AT terá de ter cuidado na forma como processa tudo isto", alerta.