Notícia
Eva Kaili, a deusa helénica com pés de barro
Vice-presidente do Parlamento encontra-se detida e é suspeita de fazer parte de uma rede de crime organizado que fez lóbi a favor do Qatar.
A revista Diplomat Magazine, na sua edição online de 1 de novembro, noticiava a visita de Eva Kaili, uma das vice-presidentes do Parlamento Europeu (PE) ao Qatar "Eva Kaili e a delegação que a acompanhou, incluindo o chefe de missão da UE no Qatar, o embaixador Christian Tudor, foram recebidos no Amiri Diwan por Sua Alteza do Estado de Qatar, Sheikh Tamim bin Hamad bin Khalifa Al Thani, para uma reunião bilateral introdutória concentrando-se em assuntos de atualidade, como as trocas de energia entre o Qatar e a União Europeia, o próximo Campeonato do Mundo a ser realizado no Qatar, a democratização, as últimas eleições parlamentares realizadas no Qatar, os direitos humanos, entre outras questões", descrevia a revista.
A publicação mereceu então o seguinte comentário de Kaili na rede Linkedin: "Reforçar a nossa colaboração com os países árabes a vários níveis".
A 21 de novembro, Kaili surpreendeu no PE com um um discurso inflamado em defesa do Qatar, considerando o país uma "prova de como a diplomacia do desporto pode conseguir uma transformação histórica de um país com reformas que inspiram o mundo árabe". E foi mais longe: "Eu própria digo que o Qatar é líder nos direitos laborais. Apesar dos desafios, que levam até as empresas europeias a negar-se a aplicar essas leis, eles estão comprometidos com uma visão por opção e estão abertos ao mundo."
Estrela de televisão
Pouco mais de um mês depois, Eva Kaili, de 44 anos, foi detida em Bruxelas, no âmbito de uma investigação sobre crime organizado, corrupção e lavagem de dinheiro ligada a movimentações lobistas apoio ao Qatar. Após a prisão, vários sacos com dinheiro foram encontrados na sua casa.
A detenção teve lugar quando ainda decorre naquele país o campeonato do mundo de futebol e adensa as suspeitas relativas à atribuição da prova a este país.
O seu namorado, o italiano Francesco Giorgi, visto como o cabecilha da organização, foi igualmente preso. Giorgi é um conselheiro parlamentar experiente na área de relações exteriores e direitos humanos, ao mesmo tempo em que é um marinheiro entusiasta. Mantém um relacionamento com a eurodeputada grega desde 2020 e em fevereiro de 2021 tiveram uma filha.
Eva Kaili, eurodeputada eleita pelo PASOK (partido social-democrata grego) é formada em arquitetura e engenharia civil, tem um mestrado em artes e iniciou, sem concluir, um doutoramento em política económica internacional.
A sua afirmação com figura política deu-se na qualidade de apresentadora do canal de televisão Mega Channel, no qual trabalhou entre 2004 e 2007. Precisamente neste ano foi eleita deputada no Grécia e sete anos depois chegou ao Parlamento Europeu. Entre 2013 e 2014 foi consultora da indústria farmacêutica grega.
A revista Informalia descreve assim o seu poder mediático na Grécia: "Eva Kaili é imensamente famosa em seu país, onde foi apresentadora, uma espécie de rainha Letizia que, ao invés de se casar com o herdeiro da coroa, entrou para a política". "Na Grécia é quase considerada uma deusa helénica", acrescenta a publicação.
Era membro do grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas, do qual foi agora expulsa.
Esta ação policial foi levada a cabo num momento em que se preparava a concessão de facilidades ao Qatar no plano europeu. Neste sentido, os eurodeputados verdes e social-democratas do PE anunciaram no sábado que se iriam opor na segunda-feira ao início das negociações sobre a liberalização dos vistos para os naturais do Qatar na União Europeia, à luz das suspeitas de corrupção envolvem este país.
"Este não é um incidente isolado", disse a Transparência Internacional. "Durante várias décadas, o Parlamento permitiu o desenvolvimento de uma cultura de impunidade (...) e de uma total ausência de controlo ético independente". escreveu no Twitter Alberto Alemanno, professor de direito no Colégio da Europa em Bruges, citado pela agência Lusa.
Cinco pessoas foram presas em Bruxelas na sexta-feira, no seguimento de pelo menos 16 buscas, numa investigação sobre suspeitas de pagamentos "substanciais" de um país do Golfo para influenciar as decisões dos deputados europeus.