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Madrid ameaça intervir na crise que começa a "ir ao bolso" dos catalães
Na véspera da decisiva sessão parlamentar em Barcelona, o ambiente político e económico fervilha. Mais duas grandes empresas podem sair da Catalunha e Rajoy prepara-se para ir além da suspensão constitucional da autonomia.
O Governo espanhol renovou esta segunda-feira, 9 de Outubro, as ameaças ao executivo regional da Catalunha, no caso de avançar mesmo com uma declaração unilateral de independência na sequência dos resultados do referendo realizado na semana passada. No entanto, mais do que as intimidações de Madrid, pode ser a pressão na frente económica e financeira a suavizar o ímpeto do movimento soberanista.
Já esta manhã, a vice-presidente do governo central, Soraya Sáenz de Santamaría, confirmou que, acontecendo essa comunicação no Parlamento catalão, para "restaurar a lei e a democracia" será aplicado o já famoso artigo 155 da Constituição espanhola, que, na prática, entrega ao Estado as rédeas governativas de uma comunidade autónoma se ela "ameaçar gravemente o interesse geral de Espanha".
"Haverá medidas para restaurar a lei e a democracia porque isto tem a ver com a democracia e na Catalunha há muita gente que deixou de respeitar quem não pensa igual", concretizou Sáenz de Santamaría em declarações à cadeia radiofónica COPE. Numa entrevista ao jornal Die Welt, publicada esta segunda-feira, também o primeiro-ministro, Mariano Rajoy, garantiu que "Espanha não será dividida e a unidade nacional vai ser preservada", prometendo "fazer tudo o que a legislação permite para assegurá-lo".
Não havendo nenhuma norma que preveja que um Governo ou Parlamento regional rompa a integridade territorial, há muito que este artigo constitucional, que suspende total ou parcialmente a autonomia de uma região, é apontado como a derradeira solução. Porém, como nunca foi aplicado, sobram dúvidas em Madrid sobre a sua eficácia. E é por isso, relata o El Pais, que os conservadores estão a estudar "todo o arsenal legal à disposição do Estado", para complementar esse artigo com medidas extraordinárias, incluindo ao nível do "Estado de Emergência, Excepção e Sítio".
O que fará Carles Puigdemont? Essa é a grande dúvida. Para já, continua a esticar a corda. "A declaração de independência - não lhe chamamos uma declaração unilateral de independência - está prevista na lei do referendo como uma aplicação dos resultados. Aplicaremos o que a lei diz", referiu o líder catalão numa declaração antecipada este domingo pela estação de televisão TV3, que acabou por não passar na reportagem final. Da parte da Assembleia Nacional Catalã, o grupo cívico que tem liderado as mega manifestações pró-independência, surgiu um novo vídeo, na rede social Twitter, a pressionar a declaração de independência.
El secretariat Nacional de l'@assemblea ho té clar:#10ODeclaració Hi serem! pic.twitter.com/ksGniUvGRb
— Assemblea Nacional (@assemblea) October 8, 2017
No entanto, depois da manifestação nas ruas de Barcelona pela unidade de Espanha e à medida que se aproxima a decisiva sessão parlamentar, surgem vozes dissonantes sobre o passo seguinte. Marta Pascal, uma influente deputada do PDECat, o partido que sucedeu à histórica Convergência Democrática da Catalunha, referiu à BBC que Puigdemont deve limitar-se a uma "declaração simbólica" de secessão.
À agência Bloomberg, o responsável pelos assuntos externos no governo catalão, Raul Romeva, encorajou o diálogo com Madrid para se encontrar "uma solução política" para esta crise. Lembrou que 90% dos votos contabilizados de 2,3 milhões de catalães escolheram a independência no referendo de 1 de Outubro, mas deu igualmente um passo para o entendimento, sustentando que "para começar as negociações é preciso outra parte com quem negociar".
Dinheiro chega ao debate
Declarações políticas à parte, as vozes que mais se têm ouvido nos últimos dias chegam do universo económico e financeiro daquela que é a região mais rica de Espanha, com 7,5 milhões de consumidores e que representa cerca de 2% do PIB europeu. E até o próprio ex-presidente da Generalit, Artur Mas, já reconheceu ao Financial Times que a Catalunha "carece de estruturas básicas de Estado" e pode não estar já preparada para ser independente.
O sucessor no cargo, o polémico Carles Puigdemont, foi forçado a reunir no passado sábado com uma delegação do Cercle d’Economia, um reputado lóbi empresarial que reúne grandes empresários, economistas e académicos da região. E nesse encontro com o grupo dirigido por Jordi Alberich ouviu o apelo directo para "uma negociação política sensata" com Madrid e para de imediato "remover a sombra" da declaração de independência.
No campo empresarial, os constrangimentos também não abrandam e entraram em força no debate. CaixaBank, Gas Natural Fenosa, Sabadell, Sociedade General Aguas de Barcelona, Naturhouse, Oryzon, Eurona, Banco Mediolanum, Arquia Banca ou Dogi são algumas das empresas que já tomaram a decisão de mudar a sua sede para outras cidades espanholas, aproveitando um decreto do governo para facilitar essa transferências.
O La Vanguardia conta que a farmacêutica Grifols decidiu manter-se, para já, na Catalunha, mas outras duas empresas de referência (o grupo de infra-estruturas Abertis e a imobiliária Colonial) podem tomar esta segunda-feira a mesma decisão que a nova dona do banco BPI, que vai para Valência. A imprensa da capital, que tem sido alvo de críticas pelo alinhamento com o Governo do PP, sublinha que o impacto imediato não é relevante, mas que esta é "uma mensagem demolidora para os investidores e pela perda de centros de decisão".
Alertas de turbulência financeira
Pode a declaração de independência da Catalunha e a sua separação de Espanha ter efeitos ainda piores para a Europa do que a saída do Reino Unido da União Europeia, a começar pela Zona Euro, de onde os catalães seriam automaticamente excluídos? Essa é a perspectiva de Wolfgang Münchau, director do Eurointelligence e colunista do Financial Times, que num artigo escrito no jornal britânico escreveu que esta saída levaria à queda do sistema bancário e faria regressar a crise económica e financeira à Zona Euro.
Também a chefe da missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a Espanha, Andrea Schaechter, advertiu no final da semana passada, sem se alongar nas explicações ou nas referências aos eventos políticos no país, para o facto de uma "incerteza prolongada" na Catalunha "[poder] pesar sobre a confiança e as decisões de investimento" em Espanha.