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Novo “lay-off” corta salários mas obriga as pessoas a trabalhar
O chamado "lay-off" simplicado é afinal uma nova forma de subsidiar salários, mantendo as pessoas a trabalhar, sempre que o empregador o decidir. Podem até ter de assumir outras funções, de acordo com a portaria que entra hoje em vigor.
O chamado "lay-off simplificado", que hoje entra em vigor, é na verdade bastante diferente da figura que existia: prevê um corte de um terço do salário bruto mas, não suspendendo o contrato, permite que a empresa possa obrigar a pessoa a trabalhar, admitindo mesmo que o trabalhador possa ter de assumir outras funções.
Nos termos da portaria publicada este domingo, o "apoio extraordinário à manutenção de contrato de trabalho", destinado "exclusivamente, ao pagamento de remunerações" do setor privado e social, através de mera comunicação aos trabalhadores, não implica a suspensão do contrato.
Isto numa circunstância em que o trabalhador só recebe dois terços do salário bruto total. O limite máximo será de 1.905 euros. De acordo com a resolução publicada na sexta-feira, o limite mínimo é de 635 euros, apesar de isso não ser referido na portaria.
Este montante, precisa o novo diploma, é financiado em 70% pela Segurança Social. Os restantes 30% são pagos pela empresa, que fica dispensada, além disso, de pagar contribuições à Segurança Social. Sobre isto ainda poderão incidir impostos, uma vez que se trata de um apoio aos "salários", embora não se diga expressamente.
O diploma vai ainda mais longe, ao especificar que "o empregador beneficiário desta medida pode encarregar o trabalhador de exercer, a título temporário, funções não compreendidas no contrato de trabalho, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador, e que sejam orientadas para a viabilidade da empresa".
É isto que leva a advogada Inês Arruda a concluir que "esta medida é uma medida que pressupõe a manutenção dos contratos de trabalho, com prestação de trabalho, podendo até o empregador pedir ao trabalhador que exerça funções não compreendidas no contrato de trabalho", desde que não impliquem uma modificação "substancial" da sua posição na empresa e que "sejam orientadas para a viabilidade da mesma".
Quem decide se a pessoa tem ou não de trabalhar "é o empregador", esclarece em resposta ao Negócios fonte oficial do Ministério do Trabalho (MTSSS). Quando à possibilidade de desempenhar outras funções, que não a habitual, "o objetivo é que se garanta a viabilidade da empresa".
Que empresas podem aderir?
Desde logo, as empresas que na sequência da crise gerada pelo novo coronavírus tenham uma "quebra abrupta e acentuada de, pelo menos, 40% da faturação, com referência ao período homólogo de três meses, ou, para quem tenha iniciado a atividade há menos de 12 meses, à média desse período".
As associações patronais argumentam que este critério é limitativo, porque no primeiro trimestre só o mês de março foi severamente afetado, o que dificulta uma quebra de 40% no trimestre, mas com a evolução da crise – e o Governo a prever que os casos de infecções por covid-19 aumentem até final de abril – é natural que um número crescente de empresas cumpra o critério.
É aliás nestes casos em que as empresas não encerram que se justifica prever que os trabalhadores continuem a trabalhar, segundo fonte oficial.
Este apoio às empresas está também previsto para as que tenham "paragem total da atividade da empresa ou estabelecimento que resulte da interrupção das cadeias de abastecimento globais, da suspensão ou cancelamento de encomendas", caso em que já não fará sentido a prestação de trabalho.
O cumprimento destes critérios de acesso é atestado "mediante declaração do empregador, conjuntamente com certidão do contabilista certificado da empresa".
As empresas candidatas têm de ter a situação regularizada com o fisco e a autoridade tributária mas, de acordo com a mesma fonte oficial do MTSSS, desde que cumpram todos os critérios previstos na portaria, podem solicitar o apoio a partir desta segunda-feira, dia 16 de março.
Depois, empresas podem forçar férias
Acresce que este apoio só é dado durante um mês. Depois, tal como o Negócios já noticiou, só será renovado até um período máximo de seis meses "quando os trabalhadores da empresa tenham gozado o limite máximo de férias anuais e quando a entidade empregadora tenha adotado os mecanismos de flexibilidade dos horários de trabalho previstos na lei".
Se esse segundo período acontecer após 1 de maio, como é possível que aconteça, as empresas já poderão decidir unilateralmente as férias do trabalhador, para esse período. Em teoria terão de marcar o calendário até 15 de abril.
Isto significa que após um período de trabalho com quebra de rendimentos, pelo menos nos casos em que as empresas não encerram, os trabalhadores podem na prática ser obrigados a esgotar os seus 22 dias de férias, numa altura em que não estão reunidas as condições para um efetivo descanso, disponibilidade social e gozo das atividades culturais, como prevê a lei.
Despedimentos implicam devolução dos apoios
Ao contrário do que acontece no lay-off, o despedimento não está proibido mas, exceto por falta imputável ao trabalhador, "implica a imediata cessação dos mesmos e a restituição ou pagamento, conforme o caso, total ou proporcional, dos montantes já recebidos ou isentados".
O não cumprimento das obrigações legais, fiscais ou contributivas, a distribuição de lucros mesmo que a título de levantamento por conta, ou a prestação de falsas declarações implicam o mesmo.
Adicionalmente, às "demais situações de encerramento temporário ou diminuição temporária da atividade da empresa ocorridas no período de vigência desta portaria, mas que não sejam consequência de situação de crise empresarial", aplica-se a norma que prevê o pagamento de 75% da retribuição.