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Domámos os bancos ou estamos a deitá-los abaixo?

O segundo dia do Fórum do BCE dedicou-se a analisar as alterações regulatórias no sistema financeiro e as suas implicações na actividade dos bancos. Uma certeza: ainda estamos a tentar perceber as consequências das alterações.

Miguel Baltazar
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As alterações regulatórias e de política monetária dos últimos anos garantem-nos um sistema bancário mais seguro e focado no financiamento da actividade económica; ou será que na reacção à crise exagerámos e passámos para um microcontrolo da banca, com demasiadas regras, sanções, e custos, tornando um inferno uma actividade que está a evidenciar muitas dificuldades em ser rentável, em particular num mundo de taxas de juro próximas de zero e actividade empresarial mais focada nos serviços e, por isso, menos necessitada de capital.

 

O embate entre estas duas perspectivas marcou a manhã de debate do segundo e último dia de trabalhos do 3º Fórum do BCE, que está a decorrer em Sintra, contando com especialistas de várias áreas do sector financeiro.

 

Uma das dificuldades em tomar posição sobre um dos lados decorre de ser ainda cedo para se conseguirem avaliar os impactos das alterações regulatórias na actividade dos bancos. Um exercício que é ainda mais complexo pelo facto de as regras serem diferentes em várias partes do mundo. "As ferramentas prudenciais são muito diferentes em diferentes partes do mundo e os seus efeitos são muito diferentes", defendeu Claudia M. Buch, vice-presidente do Bundesbank, considerando que ainda precisamos de "avaliar as reformas regulatórias de acordo com os seus impactos nos bancos", assim como na "economia real".

 

Menos dúvidas demonstrou Andrew Sheng, do Fung Global Institute da Universidade de Hong Kong, para quem os reguladores estão a querer fazer o impossível: "não se consegue legislar o bom comportamento!" E avisa para vários riscos: o excesso de regulação, de exigências de capital, de penalizações estão a afastar talento da banca. "O risco de sanções excessivas é estar a atirar aos sobreviventes da crise, enquanto os que cometeram grandes erros estão reformados em alguma ilha com os seu bónus", atirou, sentado ao lado de Vítor Constâncio, vice-presidente do BCE, e um dos homens responsáveis pela nova arquitectura da regulação financeira europeia.

 

Sheng reconheceu avanços importantes na regulação – maiores exigências de capital e liquidez, maior controlo sobre rácios de capital e mais atenção à gestão dos bancos -, mas considera que se foi longe demais. "Os banqueiros sentem-se micro-geridos" e isso, juntamente com o actual ambiente de taxas de juro baixas, forças deflacionárias, está a tornar a actividade bancária num inferno.  Para o especialista, os bancos não estão a conseguir fazer dinheiro e esse é o maior perigo: "É quando se deixa de fazer dinheiro que se começa a ser pouco ético", defendeu.

A sua intervenção mereceu resposta de Vítor Constâncio, quanto ao apelo para que os reguladores deixem de desconfiar tanto dos banqueiros: "Penso que corre o risco real de ter demasiada confiança na natureza humana", defendeu o vice-presidente do BCE, que defendeu em linhas gerais o trabalho que vem a ser feito pelo banco central tanto na política monetária, como na regulatória.

 

As dificuldades dos bancos fazerem dinheiro num contexto de taxas de juros baixas e de uma economia real mais baseada nos serviços do que na indústria, e por isso menos necessitada de crédito foi tema de preocupação de vários dos intervenientes. "Os bancos não sabem qual o modelo de negócio que devem procurar", defendeu Sheng. Antes, num outro painel, já Charles Goodhart, professor na London School of Economics, havia atirado às políticas de taxas de juro zero do BCE: "A minha crítica aos bancos centrais é que não tiveram em conta o impacto das suas medidas nos bancos comerciais (...)Os bancos centrais basicamente lixaram os bancos comerciais com taxas de juro tão baixas".

 

Os argumentos não convenceram Constâncio, que lembrou as estimativas do BCE que apontam para que o total das medidas do banco central – taxas de juro baixas que também actuam sobre o custo de financiamento dos bancos, assim como as compras de dívida pública e outras – "apontam para um efeito positivo sobre a rentabilidade dos bancos", embora concedendo que parte desse efeito (como a valorização da dívida pública) seja temporário. E aconselhou ainda os bancos a concentrarem-se no modelo tradicional de negócio.

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