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Brexit: leis europeias continuam a aplicar-se no Reino Unido até à saída formal

Só por si, o referendo não muda nada em termos jurídicos. As leis da União Europeia vão continuar a aplicar-se no Reino Unido até que as negociações estejam concluídas e quando o acordo de saída for aplicado, explica o advogado Nuno Antunes.

25 de Junho de 2016 às 12:00
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O referendo por si só não mudou nada. O processo de saída do Reino Unido da União Europeia (UE) apenas se iniciará quando o país notificar formalmente a UE da sua decisão, pelo que as leis que vigoram para os britânicos na relação com os restantes 27 Estados-membros da Europa a 27 continuam a ser as do mercado único, explica ao Negócios o advogado Nuno Antunes, sócio da firma Miranda & Associados que liderou o processo de abertura do escritório de Londres desta sociedade. 

O resultado do referendo envolve consequências jurídicas imediatas quanto à posição do Reino Unido na União Europeia?

O referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) não tem qualquer efeito jurídico directo. Ou seja, do referendo não decorre qualquer consequência quanto à posição do Reino Unido na UE, como aliás se confirma facilmente da declaração conjunta dos líderes da UE e da presidência holandesa. Em teoria, por exemplo, o direito da UE continua a aplicar-se plenamente no Reino Unido até que seja juridicamente formalizada a saída. Na prática, no entanto, poderão surgir situações concretas em que a primazia do direito da UE sobre o direito interno do Reino Unido seja colocada em causa em casos pendentes em tribunal. Não há como ter resposta, nesta altura, sobre o que hipoteticamente poderá ser decidido nos tribunais britânicos.

 

Que passos vão ter de ser dados até que ocorra a saída oficial do Reino Unido da União?

O processo de saída apenas se iniciará quando o Reino Unido notificar formalmente a UE da sua decisão. Esta notificação depende em exclusivo dos ‘timings’ que venham a ser considerados adequados pelo governo britânico. Em termos normais, esta saída do Reino Unido da UE deverá ocorrer ao abrigo do Artigo 50.º do Tratado da União Europeia. A ocorrência da notificação resultará no início de um período de dois anos de transição, para negociação dos termos em que se dará a saída do Reino Unido.

cotacao O processo de saída apenas se iniciará quando o Reino Unido notificar formalmente a UE da sua decisão. Esta notificação depende em exclusivo dos ‘timings’ que venham a ser considerados adequados pelo governo britânico.

 

O Reino Unido continua a marcar presença nas reuniões do Conselho Europeu?

Os representantes do Reino Unido deixam de ter assento no Conselho Europeu e no respeitante a matérias relativas à negociação e termos da saída. Tratando-se de um processo que não foi até hoje testado, podem surgir situações inesperadas que não se encontram expressamente contempladas no Tratado da União Europeia. Refira-se, aliás, que esta disposição foi uma inovação do Tratado da União Europeia, dado que em termos jurídicos colocava-se antes a questão de saber se os compromissos comunitários se caracterizavam pela sua irreversibilidade, posição esta que era de certa forma dominante entre os especialistas.

 

E quanto ao processo negocial, o que é que estará sobre a mesa?

O processo negocial será determinante para o resultado final, em particular no que concerne às relações entre o Reino Unido e a UE em todos os seus aspectos. Em termos simples, pode dizer-se que terá que ser negociado um acordo sobre o quadro das relações entre a UE e o Reino Unido. Aspectos relativos aos passos que terão que ser dados para a negociação poderão eles mesmos vir a ser objecto de negociação ‘prévia’.

 

Quais serão os órgãos dirigentes da União Europeia que se encarregarão de desenvolver o processo negocial com o Reino Unido?

Do lado da UE, o Conselho Europeu determinará quais as orientações a seguir na negociação e celebração de um acordo com o Reino Unido estabelecendo os termos da sua saída, acordo esse a ser negociado nos termos do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que pode determinar o envolvimento da Comissão e do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, quando estejam em causa principalmente espetos de política externa e de segurança comum). A posição adoptada pelo Reino Unido no que concerne à sua relação futura com a UE será determinante para o resultado final das negociações, mas apenas na medida em que tal for aceite pelos Estados Membros. O acordo deverá ser aprovado pelo Parlamento Europeu previamente à celebração do mesmo pelo Conselho. Enfatize-se, esta não é uma decisão que requeira unanimidade dos Estados-Membros, mas tão só uma maioria qualificada no Conselho.

 

No plano económico, que modelo jurídico poderá ser adoptado tendo em vista a futura relação entre o Reino Unido e a União Europeia?

O resultado final deste acordo no plano económico já foi equacionado em teoria, tendo-se falado em diferentes modelos para esse acordo. Aquele que pareceria à primeira vista mais fácil de enquadrar seria talvez um acordo que levasse o Reino Unido a fazer parte do Espaço Económico Europeu (como a Noruega, Islândia, Liechtenstein e, de forma diferente, a Suíça), no que seria um acordo de associação no quadro do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Entre as outras alternativas equacionáveis, uma negociação de tratados bilaterais reguladores da relação entre a UE e o Reino Unido pareceria ser uma opção a considerar. Um aspecto final que terá que ser considerado concerne à relação entre o Reino Unido e Estados terceiros com quem as suas relações são hoje reguladas ao abrigo de acordos entre a UE e esses Estados terceiros.

 

Quanto tempo está previsto para o processo negocial?

 Tal como acima mencionado, há um prazo de dois anos para negociações que se encontra previsto no Artigo 50.º do Tratado da União Europeia. Este será o prazo base que deverá ser tido em conta como máximo para a negociação de um acordo. Decorrido o referido prazo de 2 anos, o direito da U.E. deixará em princípio de aplicar-se ao e no Reino Unido. Naturalmente, caso haja acordo para que a desvinculação do Reino Unido ocorra antes de tal data, não há impedimento teórico a que assim seja.

 

As negociações podem prolongar-se para depois desse período?

 A questão da duração das negociações pode ser vista em diferentes planos. O prazo de dois anos anteriormente referido pode, nos termos do Tratado da União Europeia, ser prorrogado através de decisão unânime entre o Reino Unidos e os restantes 27 Estados-Membros da U.E., situação em que o direito da UE poderá continuar a aplicar-se ao e no Reino Unido.

 

E se não houver um acordo ao fim do prazo estabelecido?

Se as negociações não se encontrarem concluídas no referido prazo, e na falta de decisão unânime nos termos mencionados, há um nível de incerteza elevado quanto ao que poderá passar-se. O Reino Unido deixará de ser Estado-Membro da UE decorrido tal prazo, mas os termos em que se processarão as relações entre Reino Unido e a UE terão que ser então avaliados, sendo certo que não existe qualquer requisito de que esses termos tenham que estar vertidos em acordo.

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