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Subida de margens de lucro exige “abanão” de política de “concorrência mais agressiva”, diz Stiglitz
Economista norte-americano defende que subida rápida e sustentada dos juros é “péssimo erro” na resposta a crise inflacionista setorial concentrada nos serviços.
A tendência de subida das margens de lucro das empresas após a recuperação da pandemia, atualmente vista pelo Banco Central Europeu e vários economistas como um dos principais fatores a contribuir para o ritmo de inflação, pode ser contrariada em parte com "um abanão" dado pelas políticas de concorrência dos países, segundo o economista norte-americano Joseph Stiglitz.
"Uma posição de defesa da concorrência mais agressiva leva a que as empresas sejam um pouco mais cautelosas em algumas das suas ações que possam ser interpretadas como conluio tácito", defendeu o Prémio Nobel da Economia, esta quarta-feira, num debate sobre as causa da inflação organizado pela comissão consultiva sindical da OCDE (TUAC).
Stiglitz, que vê como "um péssimo erro" a tentativa de os bancos centrais domarem a escalada da inflação com uma subida rápida e sustentada das taxas de juro, defendeu a perspetiva de que o comportamento dos preços continua a decorrer do choque do lado da oferta trazido pela pandemia, com alterações nos padrões de consumo, e não da evolução da procura agregada, que – diz – segue ainda atualmente abaixo da tendência dos últimos anos.
Pelo contrário, defende, o poder de mercado das empresas do setor de serviços tem sido determinante na evolução dos preços num quadro de incerteza elevada, com as empresas a valorizarem a possibilidade de subir margens no presente em detrimento da opção de arriscarem perdas caso a inflação venha a evoluir acima das decisões de preço tomadas, numa atuação coordenada.
"Investigações mais fortes sobre práticas concorrenciais, assumir uma orientação, assusta muitas empresas", argumentou sobre o problema que sinalizou sobretudo em áreas de serviços afetadas pela pandemia e onde mais tarde as empresas recuperaram a oferta em simultâneo.
Um exemplo dado foi o das companhias aéreas: "Os preços subiram, houve aumento das margens, apesar de terem tido uma quantidade enorme de apoio durante a pandemia. Não está a ir para os trabalhadores e aparece numa subida das margens. Isto é verdade em mais alguns setores", defendeu.
Atualmente, referiu também, assiste-se a um "quase equilíbrio" que poderá estender esta atuação de aumento de margens.
Para a Europa, com mais ferramentas para atuar neste domínio, será mais fácil. "Há um enquadramento que permite atuar em caso de abuso de preços. Não podemos fazer isso nos EUA", disse.
O reforço de investigações sobre práticas concorrenciais será também, segundo o economista, útil para contrabalançar a perda de poder de negociações por parte dos trabalhadores, cuja repartição no valor gerado pela economia tem vindo a cair. Para Stiglitz, um dos motivos residirá também na concentração das ofertas de trabalho, com muitos setores a recrutarem sem concorrência, num fenómeno apelidado pelos economistas de monopsonismo.
"Há muitos indícios de poder monopsonista no mercado de trabalho, sendo uma das razões pelas quais os salários estão a ser empurrados para baixo. Alguns dos mesmos aspetos que aumentaram o poder de mercado de um lado também aumentaram o poder monopsonista por outro lado", afimou.
Esta situação traduzir-se-á nas atuais quebras reais de salário, demonstrativas de que o mercado laboral estará ainda longe de ter esgotado a força de trabalho disponível. Aqui, a resposta dos governos deverá estar em medidas para o reforço do poder dos trabalhadores.
De resto, o economista defende que o combate à inflação exige respostas estruturais do lado da oferta que estarão na mão dos governos. Incluem desde o investimento nas energias limpas ao aumento da produção alimentar e ao alargamento da mão de obra – nomeadamente, pela subida de salários, oferta de serviços às famílias e pela imigração.
Os resultados dos impostos sobre lucros excessivos e inesperados - os chamados 'windfall profits' - devem, por outro lado, ser canalizados para os sistemas de proteção social. Para evitar perda de poder de compra entre os aposentados, exemplificou o economista.
No debate, Joseph Stiglitz aconselhou também a União Europeia a rever o mecanismo de preços do mercado de eletricidade europeu, que considerou incapaz de funcionar sob o choque da guerra. "Houve uma rigidez de raciocínio não reconhecendo que o mundo tinha mudado", com os países a acabarem por ter de intervir com apoios às empresas mais dependentes do gás após a recusa de intervir no mercado. "Espanha e Portugal estiveram melhor", defendeu, sobre o teto aos preços de gás acordado para o mercado ibérico.