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Bruxelas já não acha que subida do salário mínimo prejudica a competitividade

A Comissão Europeia mudou de opinião sobre o impacto da subida do salário mínimo. Continua preocupada com os efeitos no emprego, mas deixou de referir riscos para a competitividade do país.

Paulo Duarte/Negócios
25 de Maio de 2017 às 16:05
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A alteração está expressa nas recomendações feitas por Bruxelas ao Governo português no âmbito do Semestre Europeu, conhecidas no início desta semana. Os responsáveis comunitários retiraram do documento referências a um possível impacto negativo na competitividade do país, uma vez que esse efeito não se tem verificado e as subidas do salário mínimo até podem ajudar a dinamizar a procura interna. Ainda assim, a Comissão continua a achar que existem riscos para o emprego pouco qualificado.

 

Tem sido um dos pontos quentes de debate entre o Governo e Bruxelas e uma das questões onde fica clara a tensão entre os compromissos internos firmados com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista e a vontade de respeitar as regras europeias. O Executivo português acertou com os seus parceiros internos um aumento anual do salário mínimo nacional (SMN) até atingir 600 euros em 2019. Os técnicos de Bruxelas têm notado que, apesar de o SMN ser baixo em Portugal, ele é elevado em comparação com os salários praticados no país, o que comporta riscos para a estrutura salarial da economia e para a competitividade: salários mais altos, podem significar preços mais altos, logo exportações possivelmente menos apetecíveis.

 

No que diz respeito a reformas da economia, este tem sido um dos elementos de maior discussão entre as autoridades portuguesas e europeias. Há um ano, a Comissão tinha isto a dizer sobre a subida do salário mínimo:

 

"Ainda que esta medida possa contribuir para reduzir a intensidade de pobreza no trabalho, gera também a uma maior compressão da estrutura salarial, induzindo uma pressão para a subida dos salários em geral. Se não for compensada por aumentos da produtividade, pode comprometer as perspectivas de emprego e competitividade, em especial nos sectores de mão-de-obra intensiva. Comporta ainda o risco de desincentivar o investimento em competências."

 

Hoje, a linguagem utilizada é um pouco diferente. Nos documentos conhecidos segunda-feira, Bruxelas tinha isto a dizer sobre o SMN:

 

"Os aumentos do salário mínimo contribuem para diminuir a pobreza no trabalho e podem ter um impacto positivo na procura agregada. No entanto, também podem traduzir-se em riscos para o emprego, nomeadamente no caso das pessoas com poucas qualificações. No actual contexto de recuperação, estes riscos não se materializaram, mas continuam a ser um desafio."

 

Nota alguma diferença? Além de reconhecerem que os riscos no mercado de trabalho ainda não se estão a manifestar nos dados, a palavra "competitividade" desapareceu. Esta diferença reflecte uma mudança de opinião da Comissão, que considera que não há indícios de que as subidas do SMN estejam a penalizar a competitividade, podendo até ajudar a procura agregada, o que dinamiza a actividade económica e contribui para um ciclo virtuoso.

 

As citações anteriores dizem respeito à análise dos responsáveis comunitários à situação actual. Nas recomendações, a ausência de referências a competitividade é ainda mais clara. Há um ano, Bruxelas pedia ao Governo para "assegurar a coerência do salário mínimo com os objectivos de promoção do emprego e da competitividade nos diferentes sectores". Agora, solicita ao Executivo que garanta que "a evolução do salário mínimo não prejudica o emprego dos trabalhadores pouco qualificados".

 

Esta evolução do pensamento já surgia, ainda de forma menos clara, num documento de Fevereiro deste ano também relativo ao Semestre Europeu. Nele já eram dadas algumas pistas sobre o racional comunitário na avaliação desta questão. A Comissão escrevia que os salários na economia portuguesa têm avançado a um ritmo "moderado" e, por vezes, registando até quebras, o que evidencia "um impacto limitado no custo global da competitividade até à data".

 

E até os méritos já começavam a ser referidos. "Os aumentos do salário mínimo podem reduzir a pobreza no trabalho e aumentar a procura agregada", admitiam os técnicos comunitários em Fevereiro, notando que em 2013, antes de o SMN começar a subir, um em cada cinco trabalhadores que recebiam o salário mínimo estava em risco de pobreza.

Ainda existem riscos no emprego

 

O que não significa que os riscos tenham desaparecido. Aliás a Comissão mantém esta cautela nas subidas do SMN como uma das suas principais recomendações ao país. Bruxelas continua a achar que este ritmo de subida funciona como um desincentivo à criação de emprego, principalmente para empregos com remunerações mais baixas. A estrutura salarial fica comprimida e, teme a Comissão, pode levar a pressões sobre os ganhos dos trabalhadores mais qualificados e comprometer assim uma maior aposta na formação dos trabalhadores. 

 

O Governo português comprometeu-se a fazer uma análise trimestral aos impactos da evolução do SMN. A última, conhecida no início deste mês, mostrava que em Dezembro havia 612,5 mil pessoas a receber o salário mínimo em Portugal, o que representa um aumento de 20% face ao mesmo mês de 2015. Um número que precede um novo aumento concretizado em Janeiro deste ano, que colocou o SMN nos 557 euros (brutos). Em Abril do ano passado, 25% dos trabalhadores portugueses por conta de outrem a tempo completo recebiam o salário mínimo.

 

Este posicionamento mais brando da Comissão não se esgota no SMN. Por exemplo, como o Negócios escreveu ontem, Bruxelas também já parece estar mais flexível na forma como olha para o cumprimento de metas orçamentais. Isso fica claro nas exigências de consolidação para 2018. No texto das recomendações, a Comissão deixa claro que tem margem política para fechar os olhos a possíveis violações de regras de consolidação, se considerar que fazer mais austeridade pode colocar em risco a recuperação económica de Portugal.


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