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"A Cimeira de Copenhaga foi uma oportunidade que se perdeu"

A redução das emissões de carbono também depende de todos nós. Da preferência pelos transportes públicos, às escolhas certas nos supermercados, há muito que podemos fazer. Veja a entrevista com Gonçalo Cavalheiro, director-geral da Ecoprogresso.

"A Cimeira de Copenhaga foi uma oportunidade que se perdeu"
22 de Abril de 2010 às 12:01
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A redução das emissões de carbono também depende de todos nós. Da preferência pelos transportes públicos, às escolhas certas nos supermercados, há muito que podemos fazer. Veja a entrevista com Gonçalo Cavalheiro, director-geral da Ecoprogresso.

Ainda vamos a tempo de salvar o planeta?

As previsões dos cientistas apontam para que tenhamos de chegar a um limite máximo das emissões globais entre 2015 e 2020. Esse é o nosso prazo para começarmos a agir a sério. Se não conseguirmos fazer isso, então vamos ultrapassar a barreira de CO2 acumulada na atmosfera e implicar um aumento da temperatura global superior a 2º C. As consequências para o ambiente, ecossistemas, pessoas, restantes seres vivos e infra-estruturas começam a ser cada vez mais caras, pesadas, até serem cada vez mais imprevisíveis. Temos aqui uma janela temporal de, no máximo, dez anos, para salvarmos o planeta. Copenhaga foi uma oportunidade que se perdeu. Vamos ver.

Vai ser possível limitar o aumento da temperatura média global a 2º C?
Eu creio que sim. A UE e os restantes países estão empenhados em trabalhar para que se consiga atingir um acordo global de redução de emissões. Acho que essa oportunidade política, juntamente com outras tecnológicas, nos permitem esperar que ainda será possível. Se não conseguirmos atingir os 2º C e chegarmos aos 3º C, não será tão catastrófico, como se chegarmos aos 5º C. Temos dez anos para ver, mas creio que ainda está ao nosso alcance.

A UE apresentou uma meta de redução das emissões de 20%, mas pondera aumentá-la para 30%. É suficiente?

É o objectivo mais ambicioso que qualquer país ou conjunto de países apresentou até ao momento. A UE tem como principal objectivo manter a coesão económica e social juntamente com a protecção ambiental. Essa meta é aquela que deve ser suficiente para conseguir atrair os Estados Unidos e a China a participarem num acordo global. O comércio e o desenvolvimento económico têm feito com que os Estados Unidos e a China tenham alguma resistência em avançar com metas de redução definidas. O ideal seria reduzir entre 40 a 60%, mas isso não é viável. Estou convencido de que a UE é capaz de vir a definir uma margem mais ambiciosa do que 20%, até para intensificar e dinamizar o mercado de carbono. O que falhou em Copenhaga?Acho que faltou tempo. O tempo falha sempre na última hora. Além disso, acho que faltou liderança por parte da presidência dinamarquesa e daquele que era o grande líder, Barack Obama. Obama não quis trabalhar no seio das Nações Unidas e trabalhou ao lado, com o seu colega chinês. Se, enquanto grande líder mundial e defensor do multilateralismo, tivesse chegado à conferência e negociado dentro daquilo que são os formatos típicos da ONU, creio que Copenhaga poderia ter sido diferente.

A próxima conferência sobre o clima realiza-se em Dezembro, no México. Quais são as perspectivas?

Os órgãos da convenção voltaram a reunir-se em Bona e a conclusão foi estranha. O press-release do secretário-executivo transmite uma mensagem que leio como preocupante. Vão trabalhar para chegar a um acordo global em Cancun, mas identificam três grupos de temas sobre os quais os países têm de se debruçar. Primeiro, são aqueles em que se estava muito perto de chegar a acordo em Copenhaga, e, para os quais, se terá de chegar em Cancun. Os segundos são os temas onde havia grandes divergências entre os países, mas para os quais Copenhaga dá uma orientação política. O terceiro grupo é aquele em que estamos longe de um acordo político e, para os quais, Copenhaga não deu grande orientações. Cancun não vai ver o acordo final que se tinha esperado em Copenhaga. Parece que vamos tentar dar um passo de cada vez e que Cancun será um passo intermédio.

O Governo já aprovou a Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas. Vem alterar alguma coisa?

Esta estratégia visa preparar os sectores para a mudança do clima. Se estamos a fazer uma infra-estrutura, que vai durar, por exemplo, 100 anos, temos de ter em conta que as condições climáticas que encontramos durante o período de construção vão ser diferentes do de utilização. Há também outras medidas relacionadas com a protecção da biodiversidade. É preciso garantir que haja corredores ecológicos que permitam a mobilidade das espécies. Depois, há outras coisas mais imediatas, relacionadas com protecção civil e saúde humana: preparar as instituições para os fenómenos climáticos extremos. Os hospitais, centros de saúde e instituições de apoio à 3ª idade têm que estar preparados para lidar com o calor, que é o grande problema. Quanto ao esforço para reduzir emissões, não traz novidades. Só mesmo do lado da adaptação, que é o reverso da medalha. A política climática ideal é aquela que estabelece um equilíbrio entre quanto investimos em reduzir emissões e quanto investimos a adaptarmo-nos ao clima em mudança.

E por cá, o que é que poderia ser feito para reduzir mais as emissões de CO2?

Eu continuo sempre a bater no sector dos transportes. Estamos a falar de cinco ou seis milhões de decisores que, todos os dias, optam por se deslocar de carro em vez de transportes públicos. Temos de convencê-los a mudar. Enquanto continuarmos a investir mais em auto-estradas do que em ferrovias, não há qualquer tipo de política que faça com que as pessoas deixem de utilizar o carro e as mercadorias deixem de ser transportadas de camião. Tudo se faz pela via rodoviária. Essa foi a orientação estratégica do desenvolvimento do país desde meados dos anos 80 e continua a sê-la. Este é o sector onde há necessidade de agir, até porque as suas emissões mais do que duplicaram desde 1990. O residencial tem ainda algumas oportunidades. Mas tal como no sector dos transportes, também é caro reduzir emissões. A aposta dos sucessivos governos nas energias renováveis é claramente ganhadora e é por aí que temos de ir. A aposta nos carros eléctricos visa mexer um pouco no sector, mas temos de garantir que a energia utilizada para abastecer os carros tem uma origem renovável e não poluente. Tem sido muito caro ao país reduzir emissões. Temos de começar a trabalhar nas pequenas opções, tomadas pelo cidadão comum. Está na hora de fazer o que tem vindo a acontecer em muitos países da Europa: acções de sensibilização massiva.

Como é que cada um de nós pode contribuir para a redução das emissões?
A primeira coisa que as pessoas devem querer fazer é estar informadas. Essa é a nossa responsabilidade enquanto cidadãos. Quando compro um carrinho de compras no supermercado, posso ter um com uma pegada de carbono de 100 e outro com uma de 1.000, pelo mesmo valor. Basta escolher os produtos com menos embalagem, cuja utilização implique menor consumo de electricidade, produtos agrícolas de época, entre outros. As pessoas têm de perceber que as suas opções têm impacto no ambiente. As opções e políticas do Governo só chegam a um determinado nível. Daí para a frente compete-nos a nós.

Vários críticos têm apontado erros ao PIAC e levantado a dúvidas sobre as principais causas do aquecimento global. Em que é que devemos acreditar?
O PIAC não faz ciência, junta os mil melhores cientistas do mundo sobre esta matéria, que, em conjunto, procuram toda a produção científica dos últimos anos e compilam-na. Não há ciência para além do que nos dizem. Desde Setembro do ano passado foram identificados 2 ou 3 erros que, na verdade, são mínimos face ao corpo científico que está reunido. Um deles foi a rapidez com que os glaciares dos Himalaias iriam derreter. Houve aqui um erro de 60, 70 anos. Outro foi a quantidade da área do solo holandês que seria inundada em caso de desnível da água do mar. São dois erros pequenos e que em nada interferem nas restantes projecções. Pequenos pormenores, explorados ao máximo, numa campanha de marketing que usa as mesmas ferramentas que essa própria campanha diz que os cientistas usam, que é descredibilizar a ciência.
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