Notícia
Driblar a lei com seriedade
Dois enólogos, duas regiões e uma casta são os ingredientes de um vinho que não respeita as regras das denominações de origem. Às vezes, baralhar a lei sabe bem.
15 de Abril de 2017 às 12:00
O conceito denominação de origem protegida (DOP) é uma das melhores coisas que a burocracia comunitária criou. Não foi em Bruxelas que se descobriu o vinho do Porto ou o queijo Stilton (têm centenas de anos), mas o conceito DOP foi fundamental para revelar aos consumidores que determinadas coisas têm um carácter único por causa do território, do clima, das plantas ou dos animais e do conhecimento humano transmitido de geração em geração. Assim sendo, um queijo São Jorge só pode ser feito na ilha de São Jorge e o vinho Tokaji, na Hungria.
Sou, e serei sempre, um defensor do conceito DOP pelo facto do mesmo me obrigar a pensar um produto a partir de inúmeras variáveis. Quando provo um vinho do Pico, tentando identificar as suas notas salinas e iodadas resultantes da proximidade do mar, estou não só a encaixar esse perfil na minha memória como a tentar perceber que diferenças tem com outro vinho criado, por exemplo, nos solos de cascalho da ilha de Lanzarote. Essa é a beleza da coisa.
Mas, devo admitir que tenho um fraquinho por certos produtos e produtores que, uma vez por outra, baralham as regras, como que gozando com os interesses e as regrazinhas respeitosas, como é o caso deste vinho com o disruptivo nome 2 2 1. Não se deverá ler como 221, mas sim como Dois, Dois, Um.
Lá está, Alvarinho enquanto DOP é um Vinho Verde das sub regiões de Melgaço e Monção, onde o vinho revela efectivamente o perfil vincado da casta. Mas, como sabemos, há Alvarinhos em todas a regiões do país. Tão rica e diferenciadora é a casta que não há produtor que não a queira no seu portfólio. Há uns tempos, um produtor alentejano que plantou uma boa área da casta dizia-nos, todo confiante, que, "atenção, este não é um Alvarinho do Minho, é um Alvarinho do Alentejo". E tinha razão. Mas, este 2 2 1 é, ainda, outra coisa. E única. É um vinho que resulta de um lote de vinhos da casta Alvarinho produzidos em duas regiões diferentes: Monção e Lisboa.
É isso mesmo. Na vindima de 2015 Anselmo Mendes, conhecido no meio como "o senhor Alvarinho" vinificou uvas da casta em Monção e fez o vinho. Diogo Lopes, enólogo residente da Adega Mãe (região de Lisboa), fez o mesmo. Depois, os dois técnicos que trabalham em conjunto neste projecto do grupo Riberalves fizeram, em Torres Vedras, um lote dos dois vinhos. De maneira que, na mesma garrafa, temos uma certa finura e fruta dos vinhos do Minho, com um carácter mais mineral e robusto de um vinho resultante de cepas que distam do mar em linha recta cerca de 16 km.
Claro que, face à lei, estamos perante um produto classificado como Vinho de Mesa, a categoria burocraticamente usada para coisas de segunda linha por permitir a mistura de vinhos de Portugal e se outras de diferentes regiões europeias. Mas, a verdade é que este 2 2 1 (assim como outros projectos de grande qualidade que juntam vinhos de diferentes regiões) é, para uma produção de 2700 garrafas, uma brincadeira muito séria, em virtude de ser assinado por dois grandes enólogos, por juntar duas regiões e por explorar ao máximo aquela que será, porventura, a grande casta branca que cresce em Portugal.
Ora, sendo Vinho de Mesa, a legislação impõe algumas limitações como, por exemplo, a impossibilidade de indicação das regiões e das castas presentes no vinho (agora já se pode indicar o ano de colheita). Mas, como bons portugueses desenrascados, Anselmo Mendes e os responsáveis da Adega Mãe criaram um texto no contra rótulo que parece saído de uma armadilha cabalística: juntando as primeiras letras das nove frases que explicam o vinho construíram a palavra ALVARINHO. Não será propriamente caso para se ligar a Estocolmo a propor um Nobel para os autores, mas imagino o ar contrafeito dos técnicos do Instituto da Vinha e do Vinho quando tiveram que meter a assinatura no despachozito a autorizar o contra rótulo.
De uma forma ou de outra, o que interessa é que temos um grande vinho, com complexidade aromática, desafiante, belíssima acidez e grande, mas grande potencial de guarda. Desafia as regras estabelecidas? Pois desafia. E qual é o português que não gosta disso? Desde que - e isso é muito importante - sejamos sérios, mesmo quando driblamos a lei.
Foram feitas 2700 garrafas do 2, 2, 1. Cada uma custa €25. É dinheiro bem aplicado num vinho com um contra rótulo que baralhou a lei.
Sou, e serei sempre, um defensor do conceito DOP pelo facto do mesmo me obrigar a pensar um produto a partir de inúmeras variáveis. Quando provo um vinho do Pico, tentando identificar as suas notas salinas e iodadas resultantes da proximidade do mar, estou não só a encaixar esse perfil na minha memória como a tentar perceber que diferenças tem com outro vinho criado, por exemplo, nos solos de cascalho da ilha de Lanzarote. Essa é a beleza da coisa.
Lá está, Alvarinho enquanto DOP é um Vinho Verde das sub regiões de Melgaço e Monção, onde o vinho revela efectivamente o perfil vincado da casta. Mas, como sabemos, há Alvarinhos em todas a regiões do país. Tão rica e diferenciadora é a casta que não há produtor que não a queira no seu portfólio. Há uns tempos, um produtor alentejano que plantou uma boa área da casta dizia-nos, todo confiante, que, "atenção, este não é um Alvarinho do Minho, é um Alvarinho do Alentejo". E tinha razão. Mas, este 2 2 1 é, ainda, outra coisa. E única. É um vinho que resulta de um lote de vinhos da casta Alvarinho produzidos em duas regiões diferentes: Monção e Lisboa.
É isso mesmo. Na vindima de 2015 Anselmo Mendes, conhecido no meio como "o senhor Alvarinho" vinificou uvas da casta em Monção e fez o vinho. Diogo Lopes, enólogo residente da Adega Mãe (região de Lisboa), fez o mesmo. Depois, os dois técnicos que trabalham em conjunto neste projecto do grupo Riberalves fizeram, em Torres Vedras, um lote dos dois vinhos. De maneira que, na mesma garrafa, temos uma certa finura e fruta dos vinhos do Minho, com um carácter mais mineral e robusto de um vinho resultante de cepas que distam do mar em linha recta cerca de 16 km.
Claro que, face à lei, estamos perante um produto classificado como Vinho de Mesa, a categoria burocraticamente usada para coisas de segunda linha por permitir a mistura de vinhos de Portugal e se outras de diferentes regiões europeias. Mas, a verdade é que este 2 2 1 (assim como outros projectos de grande qualidade que juntam vinhos de diferentes regiões) é, para uma produção de 2700 garrafas, uma brincadeira muito séria, em virtude de ser assinado por dois grandes enólogos, por juntar duas regiões e por explorar ao máximo aquela que será, porventura, a grande casta branca que cresce em Portugal.
Ora, sendo Vinho de Mesa, a legislação impõe algumas limitações como, por exemplo, a impossibilidade de indicação das regiões e das castas presentes no vinho (agora já se pode indicar o ano de colheita). Mas, como bons portugueses desenrascados, Anselmo Mendes e os responsáveis da Adega Mãe criaram um texto no contra rótulo que parece saído de uma armadilha cabalística: juntando as primeiras letras das nove frases que explicam o vinho construíram a palavra ALVARINHO. Não será propriamente caso para se ligar a Estocolmo a propor um Nobel para os autores, mas imagino o ar contrafeito dos técnicos do Instituto da Vinha e do Vinho quando tiveram que meter a assinatura no despachozito a autorizar o contra rótulo.
De uma forma ou de outra, o que interessa é que temos um grande vinho, com complexidade aromática, desafiante, belíssima acidez e grande, mas grande potencial de guarda. Desafia as regras estabelecidas? Pois desafia. E qual é o português que não gosta disso? Desde que - e isso é muito importante - sejamos sérios, mesmo quando driblamos a lei.
Foram feitas 2700 garrafas do 2, 2, 1. Cada uma custa €25. É dinheiro bem aplicado num vinho com um contra rótulo que baralhou a lei.