Notícia
O grande policial italiano
Giorgio Scerbanenco transformou o policial italiano através do seu olhar clínico sobre a cidade de Milão. "Uma Vénus Privada" é um livro perfeito.
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Uma Vénus Privada
Lua de Papel, 216 páginas, 2018
Giorgio Scerbanenco, que morreu em 1969, é considerado o pai do policial italiano. E este "Uma Vénus Privada" é a primeira de quatro novelas que têm como protagonista Duca Lamberti, um médico de Milão que esteve preso durante três anos por ter praticado eutanásia. Depois de libertado, é contratado por um rico engenheiro que deseja travar os instintos suicidas de um filho alcoólico que acredita que matou uma jovem rapariga, porque a deixou entregue ao seu destino. E é aí que entra Lamberti, um homem inteligente, que tem de se defrontar com um mundo sinistro que envolve drogas e sexo. Não admira que diga a David, o filho do engenheiro: "Admita que eu estava a dormir e que, ao acordar, o fosse encontrar exangue. Tente compreender. Eu saí há pouco do cárcere, só há três dias, tenho às costas um delito que definiram como homicídio, com atenuantes ideológicas. Esta manhã encontravam-me aqui com um jovem morto, após uma noite passada com mulheres de vida fácil - os restos da orgia ainda lá estão em baixo. Você não conhece ainda a fantasia da imprensa e a desconfiança da polícia." Lamberti tem um estigma e sabe que vai ter de conviver e sobreviver a isso.
Pelo caminho, Duca acaba por se tornar amigo de uma atraente jovem, Livia, que também tem boas razões para se querer vingar. Duca é um detective acidental, que considera que a esperança é uma espécie de vício secreto, e que acaba por ser um homem decente sempre tentado pelo Diabo. Busca alguma forma de justiça, mesmo que esta seja ténue. Aqui descobrimos sobretudo uma época em que Itália buscava o seu próprio destino, ainda à espera que cicatrizassem as feridas da guerra e os tempos de Mussolini. Eram os tempos da "Dolce Vita", com as pessoas, finalmente, a ficarem ricas. Mas Scerbanenco não acredita que este possa libertar a Itália dos seus fantasmas. Como jornalista, viu a pobreza e o mundo dos "gangsters" por trás da fachada da rica e conservadora cidade de Milão, expoente do Norte de Itália, e que gosta de dar lições de moral do Sul, muito mais pobre. No fundo, transmite-nos o mundo do caos italiano, que vai devorando a lei e a ordem, como se viria a verificar nas décadas seguintes. Este é um livro espantoso sobre o mundo negro italiano.
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