Notícia
Virgolino Faneca explica como o Brexit ajudou os políticos portugueses
Em espístola à menina Dolores, emigrada em Southampton, Virgolino Faneca explica como é que o referendo inglês serviu para o dito restaurar a sua confiança nos políticos portugueses.
Prezada Dolores
Prezada Dolores, espero que estejas bem aí em Southampton e que esta coisa do Brexit não apoquente a tua linda cabecinha que tem mais em que pensar. Por exemplo, nas festas de Arcozelo, onde marcará presença a Kátia Aveiro, uma excelsa artista que tem a humildade de dizer que não é a melhor cantora do mundo.
Pois que escrevo para te fazer negaças, tantas quantas as que tu me fizeste quando emigraste para terras de Sua Majestade e que materializaste em cartas, tecendo loas a esse país, às suas gentes e, sobretudo, aos políticos. Andavas tu toda impante, ai que a Inglaterra é que é um país à séria e coiso e tal bico de pardal, e afinal vem-se a ver e as aparências iludem.
A única vantagem é que, estando em Southampton, podes entrar à socapa no porto, esconderes-te num qualquer navio, de preferência de cruzeiro, e zarpar para um outro destino onde ainda aceitem o passaporte comunitário e não insultem os emigrantes.
Devo dizer, sem rebuço, que o referendo inglês sobre a permanência na União Europeia teve um efeito inusitado. Restaurou a minha confiança nos políticos portugueses. Comparados com o Farage e o Boris, o Costa, o Passos, a Catarina, a Assunção e o Jerónimo são meninos de coro.
O Farage, se não fosse um canastrão, poderia aspirar a entrar no elenco do "Yes, Minister". "Todos se riram de mim. Agora não estão a rir-se", disse ele no Parlamento Europeu, facto que mostra a sua queda para o disparate e a falta de jeito na arte da representação.
Já o Boris tem semelhanças com uma daquelas personagens que faz de mau da fita num qualquer filme do 007, uma espécie de génio do mal com a mania das grandezas, sempre com sorriso maquiavélico afivelado ao canto da boca. A maneira como eles dão o dito por não dito coloca a um canto o irrevogável do Paulo Portas e faz deste um mero aprendiz de feiticeiro. Portas nem conseguiria pôr um pezinho em Hogwarts, enquanto Farage, assim que batesse à porta, teria logo direito a um cartão de residente.
O Farage, por exemplo, prometeu que o dinheiro que o Reino Unido canaliza para a União Europeia iria direitinho para o Serviço Nacional de Saúde e sem delongas, logo no dia seguinte ao Brexit vencer, veio avisar que afinal não era bem assim. O Boris, que tinha urgência em sair da UE, afiança agora que não há pressa em que tal se concretize. Vamos com calma, temos dois anos, diz o gémeo europeu de Trump. O Boris tem um descaramento tal que até admite que o Reino Unido fique no mercado único e consegue dizer estas alarvidades todas sem se desmanchar a rir. Ou seja, o Boris quer deixar de pagar o bilhete, mas pretende continuar a assistir aos jogos de futebol comunitários e a insultar o árbitro à borla.
Depois, prezada Dolores, este tal Brexit não faz sentido por outra ordem de razão, além daquela que deriva do facto de o Farage e de o Boris serem dizentes compulsivos de meias-verdades. É uma razão baseada em argumentos mais rafeiros, mas isso não lhe diminui os méritos e acrescenta-lhe uma dose generosa de boçalidade. Quem me achou a atenção para o facto foi o doutor Zezé Camarinha, especialista em assuntos britânicos. Disse-me ele, ó Vivi, que é como me trata, isso do Brexit já existe há uma data de anos, basta olhares para o Algarve e vês as camones todas cá, fazem exit lá da Inglaterra, só para virem ter comigo, que sou um alquimista do amor. Cá para mim isto do referendo foi uma desculpa que elas arranjaram para virem de vez para ter com o gê. Já estou mas é a ver que vou ter trabalho acrescido e por isso vou precisar de ajuda. Posso contar contigo, Vivi?
Por razões de salubridade mental omito a resposta que dei ao desafio que ele me colocou e por isso termino por aqui a minha epístola.
Com um beijo repenicado deste teu,
Prezada Dolores, espero que estejas bem aí em Southampton e que esta coisa do Brexit não apoquente a tua linda cabecinha que tem mais em que pensar. Por exemplo, nas festas de Arcozelo, onde marcará presença a Kátia Aveiro, uma excelsa artista que tem a humildade de dizer que não é a melhor cantora do mundo.
A única vantagem é que, estando em Southampton, podes entrar à socapa no porto, esconderes-te num qualquer navio, de preferência de cruzeiro, e zarpar para um outro destino onde ainda aceitem o passaporte comunitário e não insultem os emigrantes.
Devo dizer, sem rebuço, que o referendo inglês sobre a permanência na União Europeia teve um efeito inusitado. Restaurou a minha confiança nos políticos portugueses. Comparados com o Farage e o Boris, o Costa, o Passos, a Catarina, a Assunção e o Jerónimo são meninos de coro.
O Farage, se não fosse um canastrão, poderia aspirar a entrar no elenco do "Yes, Minister". "Todos se riram de mim. Agora não estão a rir-se", disse ele no Parlamento Europeu, facto que mostra a sua queda para o disparate e a falta de jeito na arte da representação.
Já o Boris tem semelhanças com uma daquelas personagens que faz de mau da fita num qualquer filme do 007, uma espécie de génio do mal com a mania das grandezas, sempre com sorriso maquiavélico afivelado ao canto da boca. A maneira como eles dão o dito por não dito coloca a um canto o irrevogável do Paulo Portas e faz deste um mero aprendiz de feiticeiro. Portas nem conseguiria pôr um pezinho em Hogwarts, enquanto Farage, assim que batesse à porta, teria logo direito a um cartão de residente.
O Farage, por exemplo, prometeu que o dinheiro que o Reino Unido canaliza para a União Europeia iria direitinho para o Serviço Nacional de Saúde e sem delongas, logo no dia seguinte ao Brexit vencer, veio avisar que afinal não era bem assim. O Boris, que tinha urgência em sair da UE, afiança agora que não há pressa em que tal se concretize. Vamos com calma, temos dois anos, diz o gémeo europeu de Trump. O Boris tem um descaramento tal que até admite que o Reino Unido fique no mercado único e consegue dizer estas alarvidades todas sem se desmanchar a rir. Ou seja, o Boris quer deixar de pagar o bilhete, mas pretende continuar a assistir aos jogos de futebol comunitários e a insultar o árbitro à borla.
Depois, prezada Dolores, este tal Brexit não faz sentido por outra ordem de razão, além daquela que deriva do facto de o Farage e de o Boris serem dizentes compulsivos de meias-verdades. É uma razão baseada em argumentos mais rafeiros, mas isso não lhe diminui os méritos e acrescenta-lhe uma dose generosa de boçalidade. Quem me achou a atenção para o facto foi o doutor Zezé Camarinha, especialista em assuntos britânicos. Disse-me ele, ó Vivi, que é como me trata, isso do Brexit já existe há uma data de anos, basta olhares para o Algarve e vês as camones todas cá, fazem exit lá da Inglaterra, só para virem ter comigo, que sou um alquimista do amor. Cá para mim isto do referendo foi uma desculpa que elas arranjaram para virem de vez para ter com o gê. Já estou mas é a ver que vou ter trabalho acrescido e por isso vou precisar de ajuda. Posso contar contigo, Vivi?
Por razões de salubridade mental omito a resposta que dei ao desafio que ele me colocou e por isso termino por aqui a minha epístola.
Com um beijo repenicado deste teu,
Virgolino Faneca
Quem é Virgolino FanecaVirgolino Faneca é filho de peixeiro (Faneca é alcunha e não apelido) e de uma mulher apaixonada pelos segredos da semiótica textual. Tem 48 anos e é licenciado em Filologia pela Universidade de Paris, pequena localidade no Texas, onde Wim Wenders filmou. É um "vasco pulidiano" assumido e baseia as suas análises no azedo sofisma: se é bom, não existe ou nunca deveria ter existido. Dele disse, embora sem o ler, Pacheco Pereira: "É dotado de um pensamento estruturante e uma só opinião sua vale mais do que a obra completa de Nuno Rogeiro". É presença constante nos "Prós e Contras" da RTP1. Fica na última fila para lhe ser mais fácil ir à rua fumar e meditar. Sobre o quê? Boa pergunta, a que nem o próprio sabe responder. Só sabe que os seus escritos vão mudar a política em Portugal. Provavelmente para o rés-do-chão esquerdo, onde vive a menina Clotilde, a sua grande paixão. O seu propósito é informar epistolarmente familiares, amigos, emigrantes, imigrantes, desconhecidos e extraterrestres, do que se passa em Portugal e no mundo. Coisa pouca, portanto.