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Virgolino Faneca escreve a Pandora a pedir explicações sobre a Caixa

Se Pandora não fosse um nome próprio seria um belo nome para este país, desabafa Virgolino Faneca numa carta enviada à dita onde pede explicações sobre caixas.

24 de Junho de 2016 às 10:57
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Espero que esta te encontre bem aí na Grécia, país ideal para uma menina que ostenta um nome prenhe de mitologia. O teu pai tinha uma predilecção por deusas gregas e foi nesta medida que escolheu a mulher com que acabou por se casar, Artemisa de sua graça, e naturalmente te baptizou como Pandora, embora a tua mãe preferisse Tânia Soraia. Tânia Soraia o tanas, bramiu o teu pai, é Pandora e não se fala mais nisso. A verdade é que não se falou. A não ser à sorrelfa para pôr em questão o equilíbrio mental do teu paizinho.

Pois que te escrevo, Pandora, a pedir ajuda, precisamente por causa de uma caixa, matéria em que tu, indubitavelmente, és uma conceituada especialista. Aqui em Portugal anda tudo histérico por causa de uma Caixa, nome próprio, Geral de Depósitos, apelidos materno e paterno respectivamente, que os amigos - e os inimigos também - identificam pelo "petit nom" de CGD.

Pois que a CGD andava prazenteira na sua vidinha, até que alguém teve uma epifania e se lembrou que a dita, afinal, escondia a origem de todas as tragédias bancárias. O senhor Pedro, que viveu para aí uns quatro anos no mesmo prédio da CGD, ele no 1.º B, ela no 1.º A, assim que mudou de casa fez uma queixa dela, alegando que a menina sempre foi muito problemática. O caso deu brado e de repente gerou-se uma onda de indignação colectiva com toda a gente a querer vasculhar o passado da CGD.

Para mim isto é perturbador na medida em que os problemas da menina CGD já se prolongavam aí há uns 20 anos, eram uma espécie de elefante na sala, e nunca ninguém se lembrou de falar deles. Os empréstimos duvidosos que ela fazia aos vizinhos, os putativos favores a estranhos que encontrava na rua, as ineficiências de gestão do seu orçamento familiar, eram tema de conversa em todos os cafés da especialidade, começando pela A.R. passando pela Versailles e terminando no Troika Tintas.

Por sua vez, o senhor António, que foi ocupar o apartamento do senhor Pedro, não quer que se dê má fama à sua vizinha, porque isso desvaloriza o prédio. Já a dona Catarina e o senhor Jerónimo, que moram no rés-do-chão, acham que o comportamento da menina CGD deve ser avaliado ao nível de uma reunião de condomínios.

Concomitante, surgiram no bairro um apreciável número de cassandras, que subitamente conseguiram prever o que já tinha acontecido há cinco, dez, quinze anos, e se espantaram por o mesmo ter ocorrido. Eu, tal como eles, também acerto no Euromilhões depois de os números terem saído. Tamanha indignação cheira-me a fingimento, oportunismo, ou a uma mistura equilibrada de tudo isto a que se juntam uns pozinhos de desfaçatez e uma pitada generosa de dissimulação.

No meio deste arrazoado, assombro-me com o facto de a menina CGD ter vindo agora à baila e questiono-me sobre as reais motivações para tal. Mas isto sou eu que gosto muito de enredos policiais e vejo segundas, terceiras e quartas intenções em tudo. Nesta medida, Pandora, peço-te encarecidamente que me sugiras o que fazer com esta caixa e me elucides, se fores capaz, sobre o porquê de ninguém lhe ter aberto a tampa antes. Terá sido culpa do Morfeu que se lembrou de pôr toda a gente dormir, ou mera indigência. Para resolver o imbróglio, lembrei-me de promover um formato Geordie Shore com a menina CGD e todos os seus amigos? O que achas? Tens uma outra sugestão inspiradora? Se assim for, comunica-me com urgência porque os meus neurónios já andam à bulha.

Sabes o que te digo? Se Pandora não fosse um nome próprio, seria um belo nome para este país.

 

Um beijo repenicado deste teu,

Virgolino Faneca

Quem é Virgolino Faneca

Virgolino Faneca é filho de peixeiro (Faneca é alcunha e não apelido) e de uma mulher apaixonada pelos segredos da semiótica textual. Tem 48 anos e é licenciado em Filologia pela Universidade de Paris, pequena localidade no Texas, onde Wim Wenders filmou. É um "vasco pulidiano" assumido e baseia as suas análises no azedo sofisma: se é bom, não existe ou nunca deveria ter existido. Dele disse, embora sem o ler, Pacheco Pereira: "É dotado de um pensamento estruturante e uma só opinião sua vale mais do que a obra completa de Nuno Rogeiro". É presença constante nos "Prós e Contras" da RTP1. Fica na última fila para lhe ser mais fácil ir à rua fumar e meditar. Sobre o quê? Boa pergunta, a que nem o próprio sabe responder. Só sabe que os seus escritos vão mudar a política em Portugal. Provavelmente para o rés-do-chão esquerdo, onde vive a menina Clotilde, a sua grande paixão. O seu propósito é informar epistolarmente familiares, amigos, emigrantes, imigrantes, desconhecidos e extraterrestres, do que se passa em Portugal e no mundo. Coisa pouca, portanto.

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