Notícia
Virgolino Faneca defende a extensão do uso do burquíni
Virgolino Faneca escreve a Asdrúbal sobre o burquíni e defende que o uso desta peça serve para pôr as coisas no seu devido lugar e dar-lhes o conteúdo anedótico que efectivamente merecem
Espero que esta te encontre bem em Cannes. Presumo, inefável Asdrúbal, que estejas feliz com a decisão do Conselho de Estado francês de suspender a proibição do burquíni, dado que és um mirone estival de alto gabarito. Ora, como é evidente, este tipo de fatiota impedia-te de exercer com esmero esse "hobby" de longa data, o de registares em imagem as tuas observações.
Ainda me recordo, como se fosse hoje, as ocasiões em que juntavas os amigos para mostrares os teus álbuns, embora o pudor me impeça de passar para o papel os comentários que fazias sobre determinadas partes dos corpos das senhoras, dada a natureza vernacular dos mesmos.
Aliás, esta coisa dos burquínis passou de assunto mais relevante à escala mundial para o mais irrisório de todos, o que demonstra a natureza das preocupações que por estes dias dominam a actualidade. O pavio do burquíni consumiu-se num ápice e as elucubrações sobre o tema perderam-se na voracidade deste tempo de parvoeira.
Tu estás satisfeito com a decisão que defende a tua liberdade "voyeurista", mas eu estou indignado. Na minha modesta opinião, algumas mulheres e alguns homens deviam mesmo ser intimados a usar burquíni, para não fazerem figuras tristes. Eu, por exemplo, vou sempre para praias desertas, porque as pessoas que estão em férias, descansadinhas da vida, não têm de ser confrontadas com o degradante espectáculo proporcionado pelo vaivém entre a água e areia de uma marmota grisalha.
Pelo contrário, a Nigella Lawson, mediática cozinheira inglesa, já em 2013 frequentava as praias de Sydney de burquíni, consciente das suas limitações ao nível da silhueta e da natureza perversa da mesma para a sua imagem pública.
Ou seja, o uso do burquíni devia, em circunstâncias específicas, ser imposto. Não te indignes e segue o meu raciocínio. Por exemplo, pensa no Donald Trump. O mundo, em sentido lato, não ficaria melhor se o senhor fosse obrigado a usar um burquíni? Claro que ficaria. Visualiza o Trump a anunciar a construção de um muro entre o México e os Estados Unidos vestido com um burquíni. Já que temos de o ouvir dizer baboseiras, pelo menos que seja num traje que lhe dê um visual de bobo da corte. Não achas?
Continuemos. Imagina Durão Barroso forçado a usar burquíni por ter aceitado o cargo de presidente não executivo do Goldman Sachs International, ou o Boris Johnson de burquíni, em Bruxelas, a negociar os detalhes da saída do Reino Unido na União Europeia.
Mais. Idealiza o encontro entre o Renzi o Hollande e a Merkel, os três vestidos de burquínis, a perorarem sobre a necessidade de reforço da União Europeia. Ou o Pedro Guerra, o Manuel Serrão e o José de Pina, a falarem de futebol na TVI com burquínis a imitarem os equipamentos dos referidos clubes. Ou ainda o Cláudio Ramos, de burquíni com estampagens florais, a comentar mundanices na SIC Caras, só para o pessoal descansar daquele registo de voz torturante. Sem hesitações também se poderiam colocar burquínis como imagem de capa de todos os livros do José Rodrigues dos Santos e da Margarida Rebelo Pinto, a bem da salubridade intelectual.
Como vês, caro Asdrúbal, em enquadramentos como este, o uso de burquíni pode ser visto como o instrumento necessário para pôr as coisas no seu devido lugar e lhes dar o contexto anedótico que efectivamente merecem.
Um abraço deste que te estima,
Ainda me recordo, como se fosse hoje, as ocasiões em que juntavas os amigos para mostrares os teus álbuns, embora o pudor me impeça de passar para o papel os comentários que fazias sobre determinadas partes dos corpos das senhoras, dada a natureza vernacular dos mesmos.
Tu estás satisfeito com a decisão que defende a tua liberdade "voyeurista", mas eu estou indignado. Na minha modesta opinião, algumas mulheres e alguns homens deviam mesmo ser intimados a usar burquíni, para não fazerem figuras tristes. Eu, por exemplo, vou sempre para praias desertas, porque as pessoas que estão em férias, descansadinhas da vida, não têm de ser confrontadas com o degradante espectáculo proporcionado pelo vaivém entre a água e areia de uma marmota grisalha.
Pelo contrário, a Nigella Lawson, mediática cozinheira inglesa, já em 2013 frequentava as praias de Sydney de burquíni, consciente das suas limitações ao nível da silhueta e da natureza perversa da mesma para a sua imagem pública.
Ou seja, o uso do burquíni devia, em circunstâncias específicas, ser imposto. Não te indignes e segue o meu raciocínio. Por exemplo, pensa no Donald Trump. O mundo, em sentido lato, não ficaria melhor se o senhor fosse obrigado a usar um burquíni? Claro que ficaria. Visualiza o Trump a anunciar a construção de um muro entre o México e os Estados Unidos vestido com um burquíni. Já que temos de o ouvir dizer baboseiras, pelo menos que seja num traje que lhe dê um visual de bobo da corte. Não achas?
Continuemos. Imagina Durão Barroso forçado a usar burquíni por ter aceitado o cargo de presidente não executivo do Goldman Sachs International, ou o Boris Johnson de burquíni, em Bruxelas, a negociar os detalhes da saída do Reino Unido na União Europeia.
Mais. Idealiza o encontro entre o Renzi o Hollande e a Merkel, os três vestidos de burquínis, a perorarem sobre a necessidade de reforço da União Europeia. Ou o Pedro Guerra, o Manuel Serrão e o José de Pina, a falarem de futebol na TVI com burquínis a imitarem os equipamentos dos referidos clubes. Ou ainda o Cláudio Ramos, de burquíni com estampagens florais, a comentar mundanices na SIC Caras, só para o pessoal descansar daquele registo de voz torturante. Sem hesitações também se poderiam colocar burquínis como imagem de capa de todos os livros do José Rodrigues dos Santos e da Margarida Rebelo Pinto, a bem da salubridade intelectual.
Como vês, caro Asdrúbal, em enquadramentos como este, o uso de burquíni pode ser visto como o instrumento necessário para pôr as coisas no seu devido lugar e lhes dar o contexto anedótico que efectivamente merecem.
Um abraço deste que te estima,
Virgolino Faneca
Quem é Virgolino FanecaVirgolino Faneca é filho de peixeiro (Faneca é alcunha e não apelido) e de uma mulher apaixonada pelos segredos da semiótica textual. Tem 48 anos e é licenciado em Filologia pela Universidade de Paris, pequena localidade no Texas, onde Wim Wenders filmou. É um "vasco pulidiano" assumido e baseia as suas análises no azedo sofisma: se é bom, não existe ou nunca deveria ter existido. Dele disse, embora sem o ler, Pacheco Pereira: "É dotado de um pensamento estruturante e uma só opinião sua vale mais do que a obra completa de Nuno Rogeiro". É presença constante nos "Prós e Contras" da RTP1. Fica na última fila para lhe ser mais fácil ir à rua fumar e meditar. Sobre o quê? Boa pergunta, a que nem o próprio sabe responder. Só sabe que os seus escritos vão mudar a política em Portugal. Provavelmente para o rés-do-chão esquerdo, onde vive a menina Clotilde, a sua grande paixão. O seu propósito é informar epistolarmente familiares, amigos, emigrantes, imigrantes, desconhecidos e extraterrestres, do que se passa em Portugal e no mundo. Coisa pouca, portanto.