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Virgolino Faneca elogia a GNR. Ou talvez não

Virgolino Faneca sauda o facto de se tirarem fotografias de criminosos. Afinal há outros cujas fotos aparecem todos os dias nos jornais e não se queixam.

26 de Outubro de 2018 às 17:00
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Querida Felícia

Espero que esta te encontre bem, a ti e a todos os teus e mesmo aos que, não sendo teus, têm alguma coisa a ver contigo, nomeadamente esses mesmos em que estás a pensar e cujo nome tenho aqui na ponta da caneta, mas não consigo passar para o papel derivado do desgaste das minhas meninges, o que me faz andar constantemente com generosas camadas de nervos e falhas de memória.

Sabendo que estás aí no Alasca, um local onde não se passa rigorosamente nada, esta cartinha serve para te relatar as novidades de um local onde acontece rigorosamente tudo, o nosso querido Portugal.

Agora, anda-se aqui em bolandas pelo facto de a PSP ter fotografado três criminosos que tinham fugido do tribunal, no momento da sua captura, efectuada no parque de campismo de Gondomar (1.ª nota mental: temos uns criminosos da treta. Uma detenção à séria devia ser num hotel de cinco estrelas, no exacto momento em que os ditos se estão a empanturrar com caviar e a bebericar Moët & Chandon). Ora, a PSP divulgou a foto nas redes sociais e caiu o Carmo e a Trindade (ainda não caiu nenhum ministro, nem sequer um comissário do PSP), porque, parafraseando um ministro que ainda se mantém no cargo, Eduardo Cabrita, tal conduta é "absolutamente inaceitável".

Acontece (e bem) que a Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda (ASPIG/GNR) saiu em defesa dos seus colegas da PSP, emitindo um comunicado na qual considera que os "criminosos não são merecedores do mesmo respeito e consideração, por parte do Estado e da comunidade, atribuídos ao cidadão comum". Curto e com uma conclusão clara: a malta que comete crimes (ainda por cima estes que assaltaram idosos) perde todos os seus direitos e ainda deve dar graças a Deus (ou à lei, consoante o credo) por não ser empalada ou apedrejada num qualquer pelourinho, para gáudio do povo sedento de justiça. Uma fotografia não faz mal a ninguém e até serve para as pessoas os reconhecerem, caso eles voltem a fugir.

Tudo isto seria simples, não fossem uns indivíduos, uns manientos que acham que são mais do que os outros, a insistirem na tecla de que a divulgação da fotografia foi um enxovalho. Até o João Miguel Tavares, que adora estar do lado contrário, alinhou nas críticas, escrevendo no Público: "As agressões são indignas. Aquela exposição dos agressores também é indigna. Não é preciso escolher. Uma pessoa decente só pode desprezar as duas e recusar entrar no pingue-pongue das indignidades."

Ai pode, pode. Aquela fotografia é um dissuasor da criminalidade. Ai querem ser apanhados e verem-se expostos nas redes sociais?! Eh pá, é melhor não, é preferível ficarmos aqui a jogar à sueca, ou então vamos gamar para Espanha, que lá não enxovalham os ladrões, postando as suas fotografias no acto de detenção.

Há ainda outro argumento, o qual me foi aduzido pelo Bonifácio da ourivesaria, um mártir dos assaltantes. Olha, Virgolino, todos os dias vejo a fotografia de criminosos nos jornais e não ouço nenhum deles a queixar-se. Queres que ti diga nomes? Não, é melhor não, porque ainda podemos arranjar problemas.

Finda esta missiva, vou agora ali ter com o Gaudêncio, com quem combinei cantar o "hit" dos GNR, "GNR, eu quero ser, GNR/ Vem ser um gordo da GNR", só para ver se somos, ou não, considerados "cidadãos comuns". Aliás, para incomuns já bastam certos e determinados comunicados.

Um ósculo repenicado deste teu


Virgolino Faneca
 

Quem é Virgolino Faneca

Virgolino Faneca é filho de peixeiro (Faneca é alcunha e não apelido) e de uma mulher apaixonada pelos segredos da semiótica textual. Tem 48 anos e é licenciado em Filologia pela Universidade de Paris, pequena localidade no Texas, onde Wim Wenders filmou. É um "vasco pulidiano" assumido e baseia as suas análises no azedo sofisma: se é bom, não existe ou nunca deveria ter existido. Dele disse, embora sem o ler, Pacheco Pereira: "É dotado de um pensamento estruturante e uma só opinião sua vale mais do que a obra completa de Nuno Rogeiro". É presença constante nos "Prós e Contras" da RTP1. Fica na última fila para lhe ser mais fácil ir à rua fumar e meditar. Sobre o quê? Boa pergunta, a que nem o próprio sabe responder. Só sabe que os seus escritos vão mudar a política em Portugal. Provavelmente para o rés-do-chão esquerdo, onde vive a menina Clotilde, a sua grande paixão. O seu propósito é informar epistolarmente familiares, amigos, emigrantes, imigrantes, desconhecidos e extraterrestres, do que se passa em Portugal e no mundo. Coisa pouca, portanto.

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