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Virgolino Faneca elogia a GNR. Ou talvez não
Virgolino Faneca sauda o facto de se tirarem fotografias de criminosos. Afinal há outros cujas fotos aparecem todos os dias nos jornais e não se queixam.
Espero que esta te encontre bem, a ti e a todos os teus e mesmo aos que, não sendo teus, têm alguma coisa a ver contigo, nomeadamente esses mesmos em que estás a pensar e cujo nome tenho aqui na ponta da caneta, mas não consigo passar para o papel derivado do desgaste das minhas meninges, o que me faz andar constantemente com generosas camadas de nervos e falhas de memória.
Agora, anda-se aqui em bolandas pelo facto de a PSP ter fotografado três criminosos que tinham fugido do tribunal, no momento da sua captura, efectuada no parque de campismo de Gondomar (1.ª nota mental: temos uns criminosos da treta. Uma detenção à séria devia ser num hotel de cinco estrelas, no exacto momento em que os ditos se estão a empanturrar com caviar e a bebericar Moët & Chandon). Ora, a PSP divulgou a foto nas redes sociais e caiu o Carmo e a Trindade (ainda não caiu nenhum ministro, nem sequer um comissário do PSP), porque, parafraseando um ministro que ainda se mantém no cargo, Eduardo Cabrita, tal conduta é "absolutamente inaceitável".
Acontece (e bem) que a Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda (ASPIG/GNR) saiu em defesa dos seus colegas da PSP, emitindo um comunicado na qual considera que os "criminosos não são merecedores do mesmo respeito e consideração, por parte do Estado e da comunidade, atribuídos ao cidadão comum". Curto e com uma conclusão clara: a malta que comete crimes (ainda por cima estes que assaltaram idosos) perde todos os seus direitos e ainda deve dar graças a Deus (ou à lei, consoante o credo) por não ser empalada ou apedrejada num qualquer pelourinho, para gáudio do povo sedento de justiça. Uma fotografia não faz mal a ninguém e até serve para as pessoas os reconhecerem, caso eles voltem a fugir.
Tudo isto seria simples, não fossem uns indivíduos, uns manientos que acham que são mais do que os outros, a insistirem na tecla de que a divulgação da fotografia foi um enxovalho. Até o João Miguel Tavares, que adora estar do lado contrário, alinhou nas críticas, escrevendo no Público: "As agressões são indignas. Aquela exposição dos agressores também é indigna. Não é preciso escolher. Uma pessoa decente só pode desprezar as duas e recusar entrar no pingue-pongue das indignidades."
Ai pode, pode. Aquela fotografia é um dissuasor da criminalidade. Ai querem ser apanhados e verem-se expostos nas redes sociais?! Eh pá, é melhor não, é preferível ficarmos aqui a jogar à sueca, ou então vamos gamar para Espanha, que lá não enxovalham os ladrões, postando as suas fotografias no acto de detenção.
Há ainda outro argumento, o qual me foi aduzido pelo Bonifácio da ourivesaria, um mártir dos assaltantes. Olha, Virgolino, todos os dias vejo a fotografia de criminosos nos jornais e não ouço nenhum deles a queixar-se. Queres que ti diga nomes? Não, é melhor não, porque ainda podemos arranjar problemas.
Finda esta missiva, vou agora ali ter com o Gaudêncio, com quem combinei cantar o "hit" dos GNR, "GNR, eu quero ser, GNR/ Vem ser um gordo da GNR", só para ver se somos, ou não, considerados "cidadãos comuns". Aliás, para incomuns já bastam certos e determinados comunicados.
Um ósculo repenicado deste teu,
Virgolino Faneca
Quem é Virgolino Faneca
Virgolino Faneca é filho de peixeiro (Faneca é alcunha e não apelido) e de uma mulher apaixonada pelos segredos da semiótica textual. Tem 48 anos e é licenciado em Filologia pela Universidade de Paris, pequena localidade no Texas, onde Wim Wenders filmou. É um "vasco pulidiano" assumido e baseia as suas análises no azedo sofisma: se é bom, não existe ou nunca deveria ter existido. Dele disse, embora sem o ler, Pacheco Pereira: "É dotado de um pensamento estruturante e uma só opinião sua vale mais do que a obra completa de Nuno Rogeiro". É presença constante nos "Prós e Contras" da RTP1. Fica na última fila para lhe ser mais fácil ir à rua fumar e meditar. Sobre o quê? Boa pergunta, a que nem o próprio sabe responder. Só sabe que os seus escritos vão mudar a política em Portugal. Provavelmente para o rés-do-chão esquerdo, onde vive a menina Clotilde, a sua grande paixão. O seu propósito é informar epistolarmente familiares, amigos, emigrantes, imigrantes, desconhecidos e extraterrestres, do que se passa em Portugal e no mundo. Coisa pouca, portanto.