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PSD: Um partido em crise de meia-idade

Os militantes do PSD vão escolher este sábado um novo líder. Depois de anos com o partido encostado a uma ala vista como mais liberal, Rio e Santana começaram a campanha interna a tentar definir o que é o PSD. A tarefa não é fácil e o tempo para preparar as legislativas de 2019 é curto.

Eduardo Neves
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O partido fundado por Francisco Sá Carneiro vai este sábado escolher o 18.º líder, que sucederá a Pedro Passos Coelho. Depois das directas, o PSD reúne-se em congresso entre 16 e 18 de Fevereiro.

A caminho dos 44 anos, o PSD atravessa uma espécie de crise de meia-idade: discute a identidade, questiona aquilo que é. É certo que um novo rumo poderá resultar das eleições internas deste sábado. Porém, o PSD não deixará de ter de se reencontrar e de encontrar estímulo para continuar a ser um dos dois maiores partidos nacionais. Porque se algo sobressaiu da campanha levada a cabo pelos candidatos Rui Rio e Santana Lopes foi um partido deitado no divã do psicólogo, na busca de respostas para a actual crise de identidade.

Primeiro, o diagnóstico. Para o politólogo António Costa Pinto, "a questão da identidade do PSD surge por Passos Coelho ter protagonizado uma ala mais liberal". O ex-ministro social-democrata David Justino salienta o "carácter neoliberal do legado de Passos" que, "pela prática e princípios, encostou o PSD à direita". O ex-presidente do partido Luís Marques Mendes acrescenta um ponto: o discurso do PSD nos anos do resgate foi "muito tecnocrático ou muito colado à troika", dando "a sensação de que [o PSD] estava a alterar a sua matriz ideológica".

Esta não é, porém, uma ideia consensual no seio do PSD. Miguel Poiares Maduro, que foi ministro no Governo liderado por Passos, considera que o presidente cessante "executou, mesmo durante o período da troika, uma governação ao centro, moderada". Poiares Maduro recupera o que classifica como uma "expressão feliz" de Passos e afiança que "a austeridade não foi uma escolha".

Mas o problema pode ser mais antigo e anterior à era Passos. O sociólogo Pedro Adão e Silva sustenta que o PSD acabou por acompanhar a tendência seguida pelos partidos da mesma família política europeia: "Foi-se tornando mais liberal e mais à direita, como aconteceu com a maior parte dos partidos europeus que pertencem ao PPE."


A confirmar a inexistência de um diagnóstico fechado, Nuno Garoupa aponta dois problemas, ambos relacionados com a perda de expressão eleitoral, como causadores desta crise de identidade (um conjuntural e outro estrutural). O primeiro, diz o professor de Direito na Universidade do Texas, decorre do mau resultado obtido pelo PSD nas legislativas de 2015, já que, apesar da vitória da coligação PàF, se expurgados os votos do CDS, os sociais-democratas teriam alcançado uma votação em torno dos 30%. Situação agravada pelas autárquicas de Outubro passado, cujo mau resultado precipitou a saída de Passos dos comandos do partido. "Desde 2013, o PSD vem acumulando derrotas históricas", sublinha Nuno Garoupa, que indica como problema estrutural os poucos anos de governação do partido nos últimos 20 anos. "Desde 1995, ano em que fechámos o ciclo dos fundos europeus e iniciámos o ciclo do empobrecimento, o PSD acumula apenas sete anos no Governo", recorda. As sondagens corroboram esta observação, mantendo o PSD abaixo dos 30% das intenções de voto. A indefinição é agravada pelo facto de o PSD ser um partido de difícil caracterização, dada a matriz ideológica diversa.

Afinal, o que é o PSD?

"Não somos, nem seremos nunca uma força de direita (...). Somos um partido de esquerda não marxista (...). Somos socialistas porque somos sociais-democratas." Estas são palavras de Sá Carneiro, fundador do PSD, e mostram quão complexo é definir ideologicamente o partido laranja à luz dos dias de hoje.

Pedro Adão e Silva e David Justino coincidem ao considerar que aquela inspiração socialista foi conjuntural do pós-25 de Abril e do PREC. Todavia, enquanto o sociólogo defende que "nunca existiu uma tendência social-democrata" no PSD, o ex-ministro diz que Sá Carneiro era um social-democrata de inspiração nórdica, atribuindo assim uma matriz ideológica "bernsteiniana" ao partido.

David Justino refere ainda que, programaticamente, o PSD encara a relação entre liberdade e igualdade, privilegiando "o desenvolvimento como meio para construir pessoas mais livres", enquanto "a esquerda aceita restringir a liberdade a favor da igualdade".

Mais árdua é a tarefa de identificar as diferentes correntes que coincidem e se digladiam no partido. Adão e Silva refere três tendências: uma centrista/personalista, que é maioritária e teve em Cavaco Silva o expoente máximo; uma popular, que tem em Santana o líder natural; e uma liberal, que apesar de minoritária predominou no legado de Passos Coelho. O líder do PSD que "melhor sintetizou estas correntes foi Sá Carneiro", resume o sociólogo.


Em desacordo, David Justino releva uma "mescla ideológica" composta por outras vertentes - "liberal, conservadora e social-democrata" - e rejeita que Santana represente a dimensão popular do partido, incluindo o candidato, ao invés, numa "dimensão liberal e elitista do eixo Lisboa-Cascais".

Com este pano de fundo, Rui Rio propõe-se recentrar o partido, conquistando eleitorado ao centro-esquerda e ao centro-direita, estabelecendo-se num "centro político alargado". Já Santana Lopes, depois de num primeiro momento ter falado em reposicionar o partido, "trazendo de novo o PPD/PSD", não incluiu essa ideia na moção. Para o coordenador do programa de Santana, Telmo Faria, "a discussão agora não é entre esquerda e direita, mas entre progresso e transformação, por um lado, e conservadorismo, por outro". Por isso, "quisemos construir um caminho que, se até aqui, passava por uma obsessão pelo défice, agora passa por uma obsessão pelo crescimento económico", concretiza Faria.

A capacidade reformista é assim encarada como um princípio basilar do PSD. Poiares Maduro acrescenta a "moderação". Tendo em conta estas duas características fundamentais, este professor no Instituto Universitário Europeu, em Florença, não vê "grande diferença" entre Rio e Santana, antes "as mesmas prioridades para o país". Quanto à intenção demonstrada por ambos de reposicionar o PSD, Maduro admite "que há algum sentido no que Rio e Santana dizem, na medida em que é preciso tornar clara a identidade do partido".

Essa clarificação é mais expectável com Rio do que com Santana, considera Nuno Garoupa, que olha para o ex-autarca portuense como parte integrante "da ala centrista" do partido e que vê Santana manter "uma linha de continuidade com o PSD dos últimos anos, o que se confirma com o apoio maioritário da ala 'passista'".

Recentrar sim, bloco central não

Se, de forma mais ou menos clara, tanto Rio como Santana tentam reposicionar o partido, ambos rejeitam acordos de bloco central. Santana Lopes di-lo de forma contundente, mas Rui Rio também afasta esse cenário, pese embora aceite negociar acordos de regime com o PS e contemple a hipótese de viabilizar um governo minoritário socialista em nome da estabilidade e para afastar o BE e o PCP da "esfera do poder".

Contudo, mais do que a via seguida pela próxima liderança, o factor decisivo para uma reedição de bloco central, ou simplesmente para proporcionar acordos pontuais entre PSD e PS, será o resultado das legislativas previstas para 2019. "É muito diferente o PS ter ou não maioria absoluta. Ou o PSD ter um resultado próximo dos 30% ou dos 20%", constata Garoupa.

Independentemente da concretização de uma aproximação ao PS, recentrar o PSD terá consequências políticas, desde logo para a esquerda parlamentar. Sobre esta questão, Adão e Silva assegura que "se o PSD se recentrar obriga o PS a ir a jogo numa série de matérias, o que vai explorar as fissuras que existem na geringonça". Desta forma, tendo em conta as afirmações dos candidatos, a que David Justino acrescenta a garantia de que "com Rio é mais fácil assegurar as convergências necessárias", tudo indica que Santana terá menor capacidade de aproximação ao PS e de provocar desgaste na aliança das esquerdas.

No meio de tanta incerteza, Marques Mendes "dá" dez meses ao PSD para se redefinir em termos programáticos e adverte que é esse o período de tempo que o futuro líder do PSD terá para se afirmar. "Se não o fizer, é o princípio do seu fim e o princípio de uma maioria absoluta do PS." Colocando alguma água na fervura, Garoupa não vislumbra nenhum risco de o PSD desaparecer como por vezes é aventado, mas diz ser real o "risco de se transformar num partido de média dimensão" e de deixar a hegemonia política para o PS.



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