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Para onde vão os socialistas?

O PSOE escolhe o próximo líder em plena crise de identidade. Ou se aproxima à esquerda ou mantém-se no centro. Uma escolha que também se faz entre duas personalidades, entre militantes e aparelho. Na Europa, os socialistas vivem um dilema parecido.

20 de Maio de 2017 às 18:00
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Por toda a Europa debate-se o futuro da social-democracia e, em particular, o caminho a seguir pelos partidos socialistas e trabalhistas. Devem consolidar posições ao centro, como fez o Pasok na Grécia ou o PvdA na Holanda? Ou guinar à esquerda, como fez o PS francês com Benoît Hamon e o Labour com Jeremy Corbyn? Não havendo um passe de mágica que inverta a continuada decadência dos partidos social-democratas no Velho Continente, é também este o dilema do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), que se debate para não cair na irrelevância.

A erosão eleitoral do PSOE é comum a vários partidos socialistas europeus e não parece existir uma lição óbvia a retirar das congéneres forças políticas europeias. "Parece que se queimam se se aproximam da esquerda e que também se queimam quando se aproximam da direita. Toda a social-democracia europeia está em perigo de extinção", constata ao Negócios Víctor Lapuente Giné, professor de Ciência Política na Universidade de Gotemburgo.

Primeiro foram os socialistas gregos que, depois de governarem com o centro-direita, deram nome ao efeito de substituição de um partido socialista por uma força da extrema-esquerda - pasokização. Este ano foram os trabalhistas holandeses a serem fortemente penalizados pelas medidas de austeridade aplicadas pelo governo de coligação com o centro-direita. Na Alemanha, o optimismo que se seguiu à formalização da candidatura de Martin Schulz a chanceler parece já se ter desvanecido, depois de no domingo o SPD ter perdido as eleições na mais rica e populosa região germânica, a Renânia do Norte-Vestfália. Nos três países, socialistas e trabalhistas foram (na Alemanha ainda é) o partido júnior nas coligações de governo.

Por sua vez, o regresso a políticas identitárias do socialismo experimentado em França, por Hamon, não permitiu ir além dos 6% e do pior resultado de sempre do PSF em presidenciais. E, no Reino Unido, as sondagens mostram que as propostas esquerdizantes de Corbyn não granjeiam grande receptividade junto de um eleitorado que será chamado a votar nas eleições antecipadas para Junho.

"Não está claro qual é a receita", admite o politólogo espanhol Pablo Simón, para quem o problema dos socialistas passa por não terem encontrado respostas para as necessidades de "uma sociedade que mudou, principalmente depois da crise financeira". "As bases eleitorais tradicionais dos socialistas estão a votar nos extremos, de esquerda e de direita", sublinha este professor de Ciência Política da Universidade Carlos III, de Madrid.

A base tradicional dos partidos socialistas diverge, não só para os extremos, mas também para forças moderadas. "As classes trabalhadoras que se foram tornando mais proteccionistas e nativistas votam na extrema-esquerda e na extrema-direita, enquanto os funcionários públicos foram caminhando para partidos centristas e liberais", acrescenta o sociólogo Pedro Adão e Silva. Em Espanha, esse movimento faz-se a favor do Podemos, no primeiro caso, e do Cidadãos, no segundo. Adão e Silva aponta ainda o desencontro programático dos diversos partidos socialistas com a realidade actual: "os programas destes partidos estão claramente desfasados e correm o risco de ficar em terra de ninguém", até porque com "uma demografia adversa, para manterem um eleitorado perdem o outro". Numa opinião mais pessoal do que científica, o politólogo Lapuente Giné acredita que a sobrevivência da social-democracia tem de passar por um exercício de "mestiçagem ideológica", com "reformas mais à esquerda (protecção social) e outras mais à direita (fomento à liberdade de mercado)".

A opção por eleições primárias para a escolha do líder como forma de contrariar o crescente afastamento do eleitorado também não parece surtir efeito. Veja-se uma vez mais o caso dos socialistas franceses. No caso concreto do PSOE, isso fica a dever-se ao facto de nas primárias socialistas poderem apenas votar os menos de 190 mil militantes do partido, um número ínfimo face ao eleitorado superior a 36 milhões de pessoas, nota Carlos Sánchez num artigo assinado no El Confidencial. O que produz um "afastamento em relação ao corpo social que, em última instância, é quem deve eleger os seus governantes", explica o director-adjunto daquele site. "Esta distância entre os interesses do partido e os da sociedade é que explica fenómenos falhados como o de Corbyn, no Reino Unido, ou o de Hamon, em França", remata Carlos Sánchez.

No entanto, se há sintomas comuns que contribuem para a doença dos partidos socialistas europeus, "o PSOE tem problemas específicos", realça Pablo Simón identificando factores como "a fragmentação do sistema partidário espanhol, o processo independentista catalão e a grande divisão interna no partido".

Confronto de personalidades ou programas?

Apesar de serem três os candidatos à liderança do PSOE - Pedro Sánchez, ex-secretário-geral, Susana Díaz, presidente do governo autonómico da Andaluzia, e Patxi López, ex-presidente do Parlamento - a escolha far-se-á entre dois caminhos distintos, protagonizados por Sánchez e por Díaz, ele apoiado pelos militantes de base e ela pelo aparelho.

O ex-líder defende uma estratégia de confluência com as restantes forças da esquerda, designadamente com o Unidos Podemos (aliança entre o Podemos e os pró-comunistas da Esquerda Unida que, nas últimas eleições, falhou por pouco o aspirado "sorpasso"). No debate a três realizado esta semana, Sánchez sustentou a sua tese elogiando a solução governativa portuguesa - em Janeiro de 2016 esteve em Lisboa para estudar a "geringonça" -, tendo-se enganado ao nomear como obreiro "António Soares", misturando os nomes do actual primeiro-ministro luso e do fundador do PS.

Já a líder andaluza rejeita qualquer aproximação à extrema-esquerda, considerando que os socialistas devem ser fiéis à sua identidade e só promover acordos de regime com forças moderadas como o PP ou o centrista Cidadãos. Foi este o caminho que vingou no tenso encontro do Comité Federal, realizado em 1 de Outubro último, que ditou a demissão de Pedro Sánchez de secretário-geral e a abstenção que viabilizou a investidura de Mariano Rajoy como primeiro-ministro.

A meio caminho surge Patxi López, que se apresenta como o único candidato capaz de conciliar os dois lados em contenda. Contudo, o basco é penalizado por uma disputa polarizadora entre Sánchez e Díaz, que assenta não só em antagonismos programáticos mas também pessoais.

"Há um dilema estratégico que se mistura com o ódio entre os dois", explica o politólogo Pablo Simón, o qual acredita que "o confronto entre as personalidades será mais importante" do que a disputa ideológica. Antigos aliados - Susana Díaz foi determinante para a vitória conseguida por Sánchez nas primárias socialistas de 2014 -, os dois rivais são agora inimigos declarados. Sánchez acusa a adversária de ter provocado a sua queda e garante que a abstenção a Rajoy foi "o maior erro do PSOE nos últimos anos", ideia corroborada por Patxi López. Ao passo que Susana Díaz responde: "o teu problema não sou eu Pedro, és tu", a quem acusa de ter sido abandonado pelo seu círculo mais próximo e por todos os seus principais apoiantes, aludindo aos ex-secretários-gerais, Felipe González e Rodríguez Zapatero, agora do lado da "baronesa andaluza".

A recente inflexão de Pedro Sánchez, que há pouco mais de uma semana retirou do seu programa político a referência à "unidade de acção" das forças de esquerda em detrimento da vontade de construir uma "aliança social de progresso", não deve ser sobrevalorizada. "Mudou de posição em relação ao Podemos porque precisa dos votos dos militantes. E muitos são anti-Podemos", refere Pablo Simón lembrando que "Sánchez, como líder, esteve à direita do partido e, depois, quando deixou de ser secretário-geral virou à esquerda".

O fim do bipartidarismo, provocado pela emergência do Podemos e do Cidadãos como partidos centrais do actual quadro político espanhol, representa o fim da até aqui inevitável alternância no poder entre socialistas e conservadores. Desde logo porque o apelo ao voto útil perde significado num contexto multipartidário. Nesta conjuntura "é muito importante poder formar governos alternativos", alerta Pablo Simón. Mas sendo certo que Pedro Sánchez parece o candidato melhor posicionado para promover acordos à esquerda, é também verdade que quando, entre as eleições de 20 de Dezembro de 2015 e de 26 de Junho de 2016, teve oportunidade de o fazer, acabou por pactar com o Cidadãos de Albert Rivera, cujos 32 deputados votariam depois a favor da investidura de Rajoy como primeiro-ministro. Uma sondagem da Sigma Dos, publicada no domingo passado, mostra que Sánchez é o preferido entre os eleitores (e não os militantes) socialistas (52%), enquanto Susana Díaz é a favorita para o total de eleitores (32,5%), o que adensa ainda mais as dúvidas sobre qual dos dois (candidatos e programas) é a melhor opção.

As mudanças estratégicas de Sánchez, e do próprio PSOE ao longo dos últimos anos, reflectem uma incapacidade dos socialistas para se apresentarem como efectiva alternativa a um PP que, mesmo envolto em inúmeros casos de corrupção, continua a liderar todas as sondagens.

Risco de implosão

Depois de nas duas últimas legislativas ter registado, consecutivamente, os dois piores resultados de sempre do partido desde a transição democrática, o PSOE chega às primárias deste domingo profundamente dividido. Quando os militantes socialistas espanhóis votarem para escolher o seu próximo secretário-geral não saberão sequer se o partido sobreviverá tal como agora existe. Porque o PSOE atravessa o momento mais conturbado da sua história recente. Em editorial, o jornal El Mundo constata que é um "momento crítico" em que se joga "muito mais do que o futuro a curto e médio prazo do PSOE", naquelas que são seguramente as primárias mais importantes da história do partido.

Liderado por uma direcção interina desde Outubro, o PSOE precisa encontrar-se antes de ir à luta. Porém, é real o risco de cisão. "O PSOE é um partido dividido em dois blocos" e, ganhe quem ganhar, "será difícil voltar a unir o partido", avisa o professor da Universidade Carlos III. A confirmar essa divisão em dois está o quase igual número de assinaturas recolhido por Díaz (62 mil) e por Sánchez (57 mil).

Certo é que, "fortemente ameaçado pelo Podemos à esquerda e pelo Cidadãos à direita, a posição do PSOE é muito precária", o que leva Víctor Lapuente Giné a concluir que o partido "pode decompor-se ou partir-se em duas facções". Uma hipótese que, como explica o historiador Santos Juliá num artigo publicado no El País, é agravada pelo "facciosismo" presente nesta disputa pela liderança socialista.


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