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Eurovisão. Começaram as canções?

Portugal contrariou o seu fado. Em 2018, pela primeira vez, organizará o Festival Eurovisão da Canção. Há muito para definir. Quanto custa uma canção europeia? Talvez, devagarinho, possamos começar a compreender.

26 de Maio de 2017 às 11:28
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Sabemos quem ele é. Ele é bom rapaz, um pouco tímido até. E o seu coração, embora frágil, pode amar por dois. Quando partiu para Kiev, Ucrânia, Salvador Sobral sabia que era uma possibilidade. O que não imaginava é que a vitória pudesse ser tão saborosa. Melhor que pêra francesa, romã, framboesa ou kiwi.

Cinquenta e três anos e 49 canções depois, o esforço compensou. O máximo tinha sido um sexto lugar em 1996, com Lúcia Moniz. Neste mundo novo, sonho de poetas, os irmãos Sobral - porque Luísa escreveu a canção - bateram mesmo um recorde na competição: 758 pontos.

Após muitos "twelve points", a Eurovisão lá confessou que queria ser nossa "como o sol do seu brilhar" - que é como quem diz, realizar-se em Portugal em 2018. E é aí que começa uma verdadeira carga de trabalhos. As casas de apostas foram evidenciando a provável vitória. Dentro destas fronteiras, a prudência decidiu reinar até à confirmação. Lá chegou na noite de 13 de Maio.

O dossiê com as indicações da European Broadcasting Union (EBU) - aliança de canais públicos europeus - para a organização do evento chegou a Lisboa no dia seguinte com Salvador Sobral. A RTP não tardou a fazer uma reunião de emergência. Ainda não há confirmações de nada. Certo é que o festival é para fazer-se. Com uma factura para pagar.

Boa noite, europa. Quanto custa?

São negras as águas na altura de perceber quanto custa organizar um festival da Eurovisão - números escassos que não permitem tirar grandes conclusões. Os dados compilados pelos bancos NetWest e RBS, aliados aos que são tornados públicos pelos países organizadores, falam num custo médio de 30 milhões de euros nos últimos nove anos.

Na hora de dançar com os gastos, o campeão é Baku, no Azerbeijão, com cerca de 56 milhões de euros. Aqui foi preciso construir de raiz a arena que acolheu o evento em 2012, dando emprego a mais de 500 pessoas.

No extremo oposto está Estocolmo, na Suécia, que aplicou cerca de 14 milhões de euros na Eurovisão. O valor acabaria por ser compensado com ganhos no turismo, o que não se verificou em Baku. Em termos de retorno é a Viena, Áustria, que cabe o recorde: 22 milhões de euros.

"É difícil ser conclusivo. Todas as cidades anfitriãs tiveram um modesto crescimento no turismo a curto prazo e na economia local. Os benefícios a longo prazo são difíceis de estimar mas com mais de 180 milhões de espectadores em todo o mundo, a exposição internacional e positiva que vem da organização do evento deverá aumentar as receitas do turismo", considera o estudo do RBS.

Que não se privem nas despesas
Em milhões de euros

Ao longo dos últimos nove anos, organizar a Eurovisão custou, em média, 30 milhões de euros. As duas edições na Suécia foram as que custaram menos, em parte devido às infra-estruturas já existentes.

No Azerbaijão, foi necessário construir de raiz o Baku Crystal Hall, o que elevou os custos totais. De resto, os valores mantêm-se relativamente na mesma escala. O que não é sempre garantido é um retorno turístico capaz de cobrir o investimento na sua totalidade. "Que não se privem nas despesas", lá dizia a canção.


Nas ruas do amor pela Eurovisão passam, em média, 30 mil turistas nas cidades anfitriãs. Kiev terá ficado abaixo, com 20 mil estrangeiros e queixas dos hoteleiros ucranianos quanto ao reduzido poder de compra dos visitantes e ao diminuto impacto na economia.

Como diz a canção, é sempre melhor pegar o mundo "pelos cornos da desgraça". Afastem-se todas as tristezas - pelo menos é isso que fazem os verdadeiros fãs - e tracem-se perspectivas para o que vai acontecer em Portugal em Maio de 2018.

"Pelo entusiasmo que temos sentido, esse número pode chegar aos 40 mil visitantes", conta José Carlos Garcia, presidente da OGAE Portugal, associação de fãs da Eurovisão em contacto com mais de quatro dezenas de congéneres.

O "grande interesse" tem-se feito sentir tanto nos pedidos de informação como em novos associados. Face aos anteriores organizadores, Portugal tem uma vantagem bem à mostra no céu. O sol português não é de Inverno. Pelo contrário, vem bem cheio de calor.

This is RTP calling. Como se organiza?

Na hora de encontrar o lugar ideal para amar - perdão, cantar - parece haver sintonia. O Meo Arena, em Lisboa, foi a sugestão avançada pela EBU. A RTP recebeu com bons olhos a dica mas não ainda não fez qualquer confirmação.

Contactada, a estação pública optou por não responder a nenhuma das questões do Negócios. Em vez disso, remeteu para declarações prévias do seu presidente, Gonçalo Reis, onde o gestor assegurava que a RTP iria encontrar condições para organizar a Eurovisão "sem excessos".

Nesta balada das contas que a Eurovisão nos dá, os 30 milhões médios para organizar o certame corresponderiam a mais de 10% dos 235,8 milhões de euros previstos para a televisão pública no Orçamento do Estado de 2017. O administrador Nuno Artur Silva já reconheceu que os custos "transcendem a própria RTP".

Salvador Sobral, o pássaro livre

É nas sonoridades do jazz que Salvador Sobral tem desenvolvido o seu trabalho. No ano passado lançou o álbum "Excuse Me". Sem nunca ter visto um festival da Eurovisão, acabou por sair de lá vencedor. E um fenómeno de popularidade além-fronteiras.


Uma das soluções está nos patrocinadores, com grandes marcas nacionais a demonstrarem o seu interesse, dizem os gestores. Nesta língua que também é de mel e de sal, a língua do dinheiro, é preciso saber negociar e fazer ver vantagens.

Gonçalo Reis posiciona que esta é uma "grande oportunidade" para o turismo. Mas ao Turismo de Portugal não chegou ainda qualquer contacto da estação pública para tentar perceber se será possível alocar apoios do fundo de captação de eventos.

"Quando isso acontecer, vamos falar como falamos sempre com qualquer parceiro que queira trazer um evento internacional para Portugal", reage o presidente Luís Araújo. "O facto de termos ganho o festival da Eurovisão, em Kiev, deu-nos mais visibilidade. É mais uma pazada dentro do saco da visibilidade de Portugal. Obviamente que, com isso, ficamos felicíssimos. Se pudermos potencializar ainda mais essa visibilidade, vamos fazê-lo", acrescenta.

É que Portugal não só chamou a música como soube aproveitar o tempo de antena para tentar convencer os festivaleiros a vir conhecer o país mais de perto, tê-los aqui tão perto. A edição em Kiev contou com mais de 180 milhões de espectadores, abaixo dos 200 milhões do ano anterior.

Dentro das fronteiras lusas, foram mais aqueles que ficaram em frente do ecrã a pedir para os deixarem sonhar (mais uma vez) com a vitória: 1,4 milhões, o valor mais alto de espectadores a assistir a Eurovisão em Portugal desde 2008.

Para não falar das redes sociais. Isso aí é outra conversa, com dezenas de milhares de partilhas e comentários em cada publicação. Todos eles com Portugal no coração. E, agora, com troféu para mostrar.

Que maravilhoso espectáculo (de exigências)

Desta vez, um "não sejas mau para mim" pedido com cuidado não vai chegar. A lista de desejos - ou exigências, segundo a perspectiva - da European Broadcasting Union é longa. E a RTP terá de segui-los na sua maioria.

Ao Negócios, a EBU diz que o caderno de encargos enviado à estação portuguesa é confidencial. Contudo, levanta um pouco a ponta do véu.

O recinto que acolhe o evento deverá ser "apropriado para uma produção de televisão internacional" - o Meo Arena cumpre estas exigências tendo sido palco, em 2005, por exemplo, do MTV Europe Music Awards.

O espaço deverá estar disponível com seis a oito semanas de antecedência. No mesmo recinto, além do palco, deverá constar um centro de imprensa para 1.500 jornalistas, camarins e escritórios.

É preciso garantir ainda sinal de televisão e internet, serviços de assistência médica ou cafés, só para referir alguns critérios. Café da manhã para dois não vai bastar. Quando o festival passou pela Dinamarca, por exemplo, estavam montadas três cantinas em permanência.

Sem esquecer um dispositivo de segurança, "a cidade anfitriã deve ter quartos de hotel suficientes para estes jornalistas bem como para mais de mil delegados durante duas semanas", informa ainda a EBU. A associação que representa a hotelaria nacional, a AHP, diz que ainda é cedo para estar a falar neste fluxo turístico.

É também preciso pensar na animação dos festivaleiros quando cair a noite na cidade, com uma zona de fãs onde estes se reúnem. Pelas redes digitais, são estes especialistas quem já avança com uma possível data da 63ª Eurovisão: a segunda semana de Maio, para evitar conflitos e sobreposições com jogos decisivos da liga de futebol alemã ou com o final da Liga dos Campeões.

Tradição dos eventos, 12 points

É uma estreia, é certo, mas Portugal promete que não vai desafinar. Na hora de organizar o Festival Eurovisão da Canção, o país conta já com a experiência na área dos eventos, tendo captado mais de 60 novos de carácter internacional durante 2017.

"Há uma grande procura para a realização de eventos internacionais", confirma a secretária de Estado do Turismo. Para 2018, Ana Mendes Godinho destaca a CNI Luxury Conference, conferência anual que reúne representantes da indústria do luxo e da moda, organizada pelo grupo editorial Condé Nast.

E a Eurovisão? Como se houvesse um mar que separa os dois eventos, a secretária de Estado opta por não falar nesta última, por considerar que "não é o momento". Certo é que a competição de música tomará Lisboa durante mais tempo.

À margem de uma reunião em Bruxelas, o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, também se recusou a falar em verbas e eventuais reforços orçamentais para fazer face à organização da Eurovisão. "Vai requerer a participação de muitas instâncias", afirmou, acrescentado que "é evidente que o Estado apoia".

Quem faz um festival, fá-lo (também) por gosto. Mas, a confirmarem-se os 40 mil visitantes, o gosto terá uma proporção poucas vezes vista na capital portuguesa. Sem contar com os festivais de Verão, nos últimos cinco anos há recordes na organização de eventos.

Em 2014, a final da Liga dos Campeões, entre Real Madrid e Atlético de Madrid, trouxe à cidade alfacinha cerca de 70 mil pessoas. A conferência de inovação Web Summit, com estreia no ano passado, distribuiu mais de 55 mil pessoas entre a FIL e o Meo Arena.

Para este ano, está marcada a conferência da Associação Europeia para o Estudo da Diabetes (EASD), com cerca de 18 mil pessoas. É também no campo médico que os congressos e conferências em Lisboa têm assinalado maior frequência nos últimos anos, entre as três mil e as nove mil pessoas cada.

Mesmo depois do adeus a muitos deles, estes eventos contribuíram para uma tradição que acabou por afirmar Lisboa entre os 10 primeiros lugares para a realização de congressos, segundo a International Congress & Convention Association.

"A cidade que reúne melhores condições [para a Eurovisão] é Lisboa, pelas infra-estruturas. Outras localidades iriam exigir um investimento bem maior", considera José Carlos Garcia da OGAE Portugal.


Embora não sejam conhecidos os procedimentos que a RTP usará para seleccionar a cidade e sala, o Meo Arena é apontado como o sítio mais provável para receber a Eurovisão em 2018.

Os fãs portugueses da Eurovisão esperam que o evento possa trazer cerca de 40 mil visitantes ao país, tendo em conta o retorno recebido nas últimas semanas.


Aí se esperam as luzes, as plumas, o fogo-de-artifício, os fatos e as coreografias extravagantes que marcaram a competição ao longo dos últimos anos. Mesmo depois de Salvador Sobral ter passado uma mensagem diferente à Europa com a sua canção: a resistência em língua portuguesa, sem ritmos de dança ou aparatos cenográficos.

"Vivemos num mundo de música descartável, de música 'fast food', sem qualquer conteúdo. Isto pode ser uma vitória da música, das pessoas que fazem música que, de facto, significa alguma coisa", afirmou poucos minutos depois de se sagrar vencedor. Não condenemos essa paixão, essas palavras de quem acredita.

Mas espera-se outra coisa da Eurovisão. Os próprios fãs, como José Carlos Garcia, sabem-no. "É um programa de televisão, terá sempre a sua componente visual. Não acredito que, com a vitória do Salvador, o estilo do festival vá mudar. Já ganhou um grupo de hard rock [Finlândia em 2006] e não foi por isso que surgiram mais actuações desse tipo. É claramente um festival de música pop". E pop será também Portugal.


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