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Balsemão: O jornalista feito político

Francisco Pinto Balsemão comemora esta sexta-feira, 1 de Setembro, o seu 80.º aniversário. Ainda não está preparado para a reforma. A Impresa está a passar por um momento que requer a sua atenção. Também não é do seu feitio afastar-se. Não quer, nem consegue. Nem que fosse pelo seu faro jornalístico.

Miguel Baltazar
01 de Setembro de 2017 às 10:40
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Não gosta de rupturas, mas a sua vida está cheia delas. Tentou afastar-se de confrontos. Mas estes foram à sua procura. Tido, por muitos, como sovina, acabou por se mostrar, em determinadas situações (como aceitar despesas elevadas para os jornalistas irem em reportagem), gastador. Há contradições na sua vida, uma vida agora retratada por Joaquim Vieira, jornalista, e que publicou esta semana a biografia não autorizada de Francisco Pinto Balsemão. Mesmo a tempo do 80.º aniversário, que comemora esta sexta-feira, e antes do biografado lançar as suas próprias memórias, que está a redigir, mas que ainda não têm data de publicação. "Não estou preparado para grandes surpresas, mas espero que ele me surpreenda", diz ao Negócios Joaquim Vieira, esperando, pelo menos, que Balsemão dê a sua justificação para alguns dos temas que traz a lume na biografia agora publicada. Nomeadamente sobre o processo de paternidade de um dos filhos (Balsemão só reconheceu que Francisco Maria era seu filho por imposição judicial, depois de uma longa batalha em tribunal, e só o integrou no seio familiar bem mais tarde e por pressão da actual mulher, Tita, com quem já era casado quando a sentença final foi decretada) e sobre a criação da SIC que Joaquim Vieira diz ter sido feita à custa de um testa-de-ferro.

O que dirá Balsemão não se sabe. Nem Joaquim Vieira ouviu a versão do patrão da Impresa, que declinou falar para esta biografia, precisamente por dizer não ter ainda perdido a esperança de "ser eu a escrever algo de parecido (...) e confesso que recebi recentemente a proposta de uma editora que me parece bastante desafiante".

São 80 anos de vida para contar na primeira pessoa. De uma vida preenchida. Uma vida não desperdiçada, como refere Joaquim Vieira. Francisco Pinto Balsemão foi primeiro-ministro, fundador do PPD (que se tornou PSD), deputado antes e depois do 25 de Abril, ministro, mas foi sobretudo jornalista e é antes de mais fundador do Expresso e da SIC e detentor de um império de media, à escala nacional.
Pedro Norton foi o primeiro gestor escolhido por Balsemão para o suceder na presidência executiva. Acabaria por sair, dando o cargo ao filho Francisco Pedro.
Pedro Norton foi o primeiro gestor escolhido por Balsemão para o suceder na presidência executiva. Acabaria por sair, dando o cargo ao filho Francisco Pedro.
Um império que, como escreve Joaquim Vieira, tem pés de barro. Mas que teimosamente mantém, com maioria, na família. Pinto Balsemão tem cinco filhos. Três trabalham na Impresa. Um é o CEO (presidente executivo) da Impresa, o mais novo dos rapazes, mas filho da actual mulher de Balsemão, Mercedes (ou, como é conhecida, Tita). Com o assumir da liderança de Francisco Pedro, o pai Balsemão voltou a ter uma intervenção maior. Afinal tinha escolhido para CEO da Impresa o filho que ainda não tinha 36 anos. Não se preocupou, já que, como um dos seus amigos - José Manuel Durão - lhe terá dito: "O Francisco Pedro pode estar ainda um bocadinho verde, mas é bom para ti, porque isto vai dar-te uma outra alma para te meteres mais nos assuntos." Balsemão, de facto, apareceu mais na gestão diária, depois da saída de Pedro Norton, antecessor de Francisco Pedro mas que, apesar dos laços com a família, não é descendente de Balsemão que insiste que o grupo é para continuar a ser uma empresa familiar. Pedro Norton percebeu isso.

E decidiu sair. Foi uma das rupturas. Também porque Balsemão recusou vender parte do grupo. Ceder o controlo está para o patrão da Impresa fora de questão. O que gorou um acordo com a Globo para os brasileiros tomarem 50% do capital da SIC. Balsemão, à última hora, pede mais 100 milhões de euros (além dos 220 milhões negociados) e por 49%. Os brasileiros recuaram. Balsemão manteve, e mantém, a maioria do seu império, mas atravessa dificuldades.


"Balsemão deixa aos herdeiros um império com pés de barro (...) e que lhes poderá acarretar, no mínimo, enormes dores de cabeça", escreve Joaquim Vieira. 


O império está com pés de barro. Joaquim Vieira não sabe quantificar a fortuna de Balsemão. Admite que continue a ser uma pessoa rica: "Deu muito da sua fortuna ao grupo", acredita o autor. Não é conhecida qualquer partilha que já tenha sido feita pelos filhos. A Balseger, a "holding" que criou em 2010, para colocar as participações de toda a família na Impreger que por sua vez é detentora da maioria na Impresa. Foi, aliás, a criação desta empresa que levou Nuno Vasconcellos - filho do amigo Luiz Vasconcellos e que tentou fazer um golpe de estado na Impresa - a interpor uma acção em tribunal, alegando que era uma forma de blindagem no controlo da sociedade cotada. Nuno Vasconcellos foi outra das rupturas. Esta sem volta, apesar da tentativa do fundador da Ongoing de se reaproximar do padrinho. Já depois do fim do BES, da venda da PT e do declínio da Ongoing. Balsemão não o recebeu e não o perdoou.

Também já não conta com os amigos do BPI. Por razões diferentes. Fernando Ulrich, que chegou a ser jornalista no Expresso, deixou a gestão executiva do banco este ano. Artur Santos Silva é presidente honorário. Mas são os catalães do CaixaBank que mandam. E a pressão para reduzir a dívida existe. Pressão que já levou a que a Impresa anunciasse que até ao final do ano vende a unidade de negócio das revistas - Impresa Publishing - ou fecha esses títulos. Já não tem Ulrich do outro lado do balcão do BPI. Mas ainda hoje o banco é accionista da Impresa, depois de ter ajudado Balsemão no lançamento e controlo da SIC e de ter, sempre, apoiado financeiramente o grupo de media. "É um cliente com quem se estabelece uma relação de confiança. Não temos surpresas com ele. Quando começa a antever que vai ter dificuldades, partilha connosco antes, e isso é muito importante", confidenciou Ulrich a Joaquim Vieira, a quem descreveu Balsemão como uma pessoa que procura convergências.


Francisco Pinto Balsemão sempre insistiu que um órgão de comunicação social só pode ser independente com autonomia financeira e económica. 


Balsemão sempre foi conseguindo apoios de amigos para os seus projectos. Assim arrancou o Expresso; assim conseguiu lançar a SIC que, segundo Joaquim Vieira, só foi possível com um testa-de-ferro, o amigo Luís Correia de Sá que criou uma empresa - a LCS SGPS - para financiar a constituição da SIC, mas cujo dinheiro era de um fundo sediado no Panamá (Pallas). A história contada por Joaquim Vieira é explicada pelo facto de haver um limite para a participação de capital estrangeiro nos órgãos de comunicação social. Uma limitação de 10% estabelecida numa lei de 1975, já no pós-25 de Abril. Só que Balsemão não tinha forma de arrancar com o projecto da SIC sem recurso a capital estrangeiro. O que fez, através de uma empresa de um amigo, mas ocultando a origem do capital. A LCS aparece, assim, em 1991 compradora de 40% da Controljornal, então a "holding" de Balsemão, participação que, segundo os relatórios e contas da Impresa, foi adquirida por esta sociedade cotada em 1998, por 34 milhões de euros. Segundo explica a Impresa, a LCS "apenas detinha uma participação financeira de 40% no capital da Controljornal. A LCS foi dissolvida em 1999". Mas para Joaquim Vieira essa posição foi o que permitiu financiar o projecto de televisão de Balsemão, através de capitais estrangeiros. Como estava na Controljornal, o limite era de 10%. Mas para a televisão, quando o projecto da SIC foi lançado, havia um limite de 15% para os estrangeiros. Foi com essa participação que a Globo ficou quando entrou na SIC, posição que venderia em 2003 ao BPI, e que a Impresa acabou por comprar, o que contribuiu para aumentar a sua dívida. Mas Balsemão nunca perdeu a maioria. Esse era o seu ponto de honra e ainda é.

O Expresso é a sua casa

"A meio de certa madrugada dos anos 1970, Cristina Maldonado, uma das revisoras do Expresso, trabalhava sozinha na redacção quando sentiu que alguém metia a chave à porta. Recomposta do susto, vislumbrou o patrão, que vinha do aeroporto, de malas na mão, regressado de uma viagem ao estrangeiro. 'Passei por aqui antes de ir para casa porque tinha saudades do Expresso', explicou-lhe ele."
O político Balsemão, que só por momentos se sobrepôs ao jornalista.
O político Balsemão, que só por momentos se sobrepôs ao jornalista.
Fez-se jornalista no Diário Popular - e foi onde acredita ter começado a ter consciência política - que era do tio Francisco, e que foi vendido quando Balsemão era no Parlamento deputado da Ala Liberal (em pleno Estado Novo). Esta venda foi, para si, um "grande desgosto", segundo relatos da época, tendo mesmo sugerido que teve contornos políticos. "A venda do Diário Popular foi para mim muito traumatizante. Tinha dinheiro, mas não tinha emprego." Balsemão perdeu o Diário Popular, e não voltaria a ele, quando anos mais tarde, nas privatizações dos órgãos de comunicação social, preferiu optar pel' A Capital.

"Perdeu" o Diário Popular, mas assim que viu a oportunidade voltou aos media. Deputado da Ala Liberal, mas já desiludido com Marcello Caetano - no qual tinha acreditado poder protagonizar mudanças no país -, Balsemão tinha já uma certeza: "Em fins de 1971, tinha as ideias mais arrumadas. Percebi que a minha vocação profissional estava ligada à comunicação social. Decidi, assim, usar parte do dinheiro recebido pela venda do Diário Popular no lançamento de uma nova publicação. Estava consciente dos riscos empresariais e políticos (não apenas dos directamente resultantes da censura, mas também do facto de a chamada Ala Liberal ter passado a ser considerada como um perigoso núcleo de oposição). Mas queria provar a mim próprio, à minha família, ao mundo jornalístico e ao 'mundo em geral' que era capaz."

E foi. Uma lei de imprensa de 1972 - não aquela que Balsemão e Sá Carneiro, colegas de carteira no Parlamento na mesma Ala Liberal tinham apresentado - permitia a criação de órgãos de comunicação social sem que o nome do director da publicação tivesse de ser aprovado pelo Governo. Balsemão viu a oportunidade para formar o seu jornal. O seu nome, já não do agrado do presidente do Conselho Marcello Caetano, não tinha de ser autorizado. Podia avançar.

Estudou jornais estrangeiros, nomeadamente os ingleses. "Para nome do seu hebdomadário, Francisco Balsemão simpatizou com uma designação recorrente na imprensa europeia, desde o francês L'Express até ao britânico Daily Express (ou Sunday Express), passando pelo italiano L'Espresso ou até o sueco Expressen. E assim, desde cedo se fixou que o jornal português se chamaria Expresso, apesar de, nos estudos de mercado então efectuados, os inquiridos associarem o nome mais a um comboio rápido do que a um periódico", lê-se na biografia escrita por Joaquim Vieira.
Pela AD, Balsemão foi deputado, ministro e primeiro-ministro. Ao lado de Freitas do Amaral. Mas, no final, há quem diga que Balsemão foi sacaneado pelo parceiro.
Pela AD, Balsemão foi deputado, ministro e primeiro-ministro. Ao lado de Freitas do Amaral. Mas, no final, há quem diga que Balsemão foi sacaneado pelo parceiro.
Os accionistas do Expresso, inicialmente, eram essencialmente amigos, onde se incluía António Guterres. Tudo se preparava num escritório de advogados, onde o então jovem político estava juntamente com o amigo André Gonçalves Pereira (que não obstante não quis entrar no núcleo de accionistas). E terá sido este advogado que apresentou Balsemão a Marcelo Rebelo de Sousa. Um jovem estudante de Direito, filho de um ministro de Caetano, e que na entrevista de emprego ameaçou enforcar-se se não fosse contratado. "O tipo, além de parecer genial, é louco", terá comentado Balsemão que o contratou para administrador-delegado do Expresso, convertendo-o mais tarde em jornalista, quando se apercebeu que dotes de gestão não havia em Marcelo, mas que era uma mais-valia em termos jornalísticos.

As instalações escolhidas foram na Duque de Palmela, em Lisboa (ao lado do Pabe, restaurante que funcionava quase como cantina de Balsemão), que, no lançamento, tinha de acolher cerca de 20 pessoas. A idade média rondava os 30 anos. O próprio Balsemão tinha 36 anos.

A 6 de Janeiro de 1973 nascia o Expresso. Custava cinco escudos (2,5 cêntimos), o triplo do valor de um diário, e foram impressos 60 mil exemplares, acima de 35 mil previstos para o ano inicial. "Um sucesso instantâneo", descreve Joaquim Vieira, dizendo ao Negócios que o êxito ultrapassou as expectativas do patrão. Os portugueses ansiavam, em pleno Estado Novo, por informação nova e credível, à época condicionada pela censura. Era a Marcelo Rebelo de Sousa que cabia a relação com os censores. Que não foi fácil e até comprometeu, em determinadas ocasiões, a impressão atempada do jornal, e até certo ponto a sua continuidade e viabilidade. "Em 58 edições estudadas desde o início do Expresso até à sua edição de 16 de Fevereiro de 1974, o jornal sofreu 3.795 cortes censórios (em média 2,4 cortes por artigo e 65,4 por edição), sendo 1.584 as matérias atingidas (uma média de 27,3 artigos por edição, ou um por página), 388 das quais na íntegra", lê-se no livro de Joaquim Vieira. Muito cansativo e desgastante esta relação com a censura, descreveu Balsemão, que, assim, no entanto, marcou a sociedade portuguesa, sob o slogan: "Expresso, para os que sabem ler."

Embrião do PPD

O 25 de Abril chegou. Marcelo Rebelo de Sousa, que saíra tarde do Expresso, depara-se com movimentações nas ruas de Lisboa. Podia estar em marcha um golpe de Estado. Balsemão é avisado. Passa pelo Terreiro do Paço a caminho do Expresso, onde se começou a juntar muita gente e com os telefones sempre a tocar. "Se não tivesse chegado o 25 de Abril, o jornal tinha acabado", dirá mais tarde. Já a respirar os ares da democracia, jornalismo e política, nesses momentos, atropelaram-se.

E foi nos gabinetes do Expresso que começou a surgir o embrião de um novo partido. Foi na Duque de Palmela que Sá Carneiro, Balsemão, Magalhães Mota e Miller Guerra (que não chegou a fundador) lançam a semente do então PPD. Já a namorar com Mercedes, era Tita que em casa dactilografava os tópicos de linhas programáticas do partido. O comunicado que anuncia a Portugal a criação do PPD é redigido por Marcelo. O novo partido tem sede no Largo do Rato, ainda que "a sede de facto seja o próprio Expresso, onde chegam adesões de todo o país e prossegue um clima meio político, meio jornalístico", segundo o próprio Marcelo, citado nesta biografia de Joaquim Vieira, que não tem dúvidas de que o Expresso "acaba por ser a barriga de aluguer da formação em gestão", voltando novamente a palavras de Rebelo de Sousa: "No Expresso fazia-se, naqueles momentos, mais política partidária do que jornalismo."

O partido foi criado. O I Congresso realizar-se-á em Novembro em Lisboa. Balsemão coloca a fasquia alta: "Vamos fazer dele o maior partido português. Hoje somos muitos, amanhã seremos milhões." Mais tarde a frase tornar-se-á slogan do partido. Já no Porto, no primeiro comício na Invicta, é também Balsemão que define o partido ideologicamente como não sendo de direita, nem do centro, mas "de esquerda, uma esquerda não marxista, democrática, humanista". Será, pois, dos três fundadores, aquele que se situava mais à esquerda. Mas foi quando o país virou à esquerda que Balsemão se viu confrontado, no Expresso, com uma proposta para o afastar. A proposta foi chumbada, pelos votos dos trabalhadores não jornalistas. No Verão Quente, o patrão do Expresso era deputado na Assembleia Constituinte, o que não caiu bem em alguns sectores pelo facto de ter sido também deputado antes do 25 de Abril. O poder radicalizou-se e o então primeiro-ministro Vasco Gonçalves terá admitido o fecho do semanário. Balsemão chegou a dormir nas instalações do Expresso, com uma arma ao lado. "A pior crise do Expresso - garantirá Balsemão - não terá sido aliás com o exame prévio, mas sim com o PREC: 'Ficámos quase sem publicidade. Temi que o jornal acabasse. Tive de pôr dinheiro meu'."
Balsemão foi primeiro-ministro de Portugal, empossado por Ramalho Eanes.
Balsemão foi primeiro-ministro de Portugal, empossado por Ramalho Eanes.
Renunciou ao lugar de deputado, pouco tempo depois de se ter casado com Tita. O Expresso era sempre o seu ponto de retorno. Como o Parlamento que assistiu ao seu regresso, em 1979, pela AD. Por pouco tempo, já que Sá Carneiro o chamou, então, às lides governativas. "Na minha despedida do Expresso, alguém afirmou que eu tinha estado sempre do lado do contrapoder, e agora ia para o poder", dirá Balsemão. Como ministro adjunto do primeiro-ministro são-lhe atribuídas acções como a elaboração do Código Cooperativo, ou a navegabilidade do Douro. Mas seria como primeiro-ministro - posição assumida em 1981, depois da morte de Sá Carneiro - que a sua acção marca em definitivo a vida democrática portuguesa, com a revisão constitucional empreendida em 1982, e que põe fim ao Conselho da Revolução. Conjugada com a Lei da Defesa Nacional, desmilitarizou o poder em Portugal, o que lhe granjeou algumas batalhas com o então Presidente, Ramalho Eanes, militar de carreira.

Marcos que no entender de algumas das pessoas ouvidas por Joaquim Vieira (e segundo contou ao Negócios foram perto de 60) fazem com que Balsemão tivesse tido um papel histórico no país, mas que não lhe é inteiramente reconhecido. Talvez por culpa própria. Sempre se definiu mais como jornalista. E foi-se afastando da política. Ainda voltou ao Parlamento em 1985 (quando Cavaco Silva, que o tinha enfrentado internamente no PSD, garantiu um Governo minoritário) e foi abordado para uma candidatura presidencial, sem sucesso. A esse lugar chegou, no entanto, o seu pupilo no Expresso, Marcelo Rebelo de Sousa.

Ruptura com Marcelo

Balsemão só bem mais tarde falaria das traições do agora Presidente da República. Traições que começaram logo no Expresso. Balsemão, director; Marcelo, redactor. O caso já é conhecido. Aproveitando uma ausência do director no fecho do jornal, Marcelo escreveu no meio de um texto que "Balsemão é lélé da cuca". Passou e foi publicado. O director irritou-se, ameaçou despedir Marcelo, mas sem o conseguir. O agora Presidente ficou no jornal. E quando Balsemão assumiu cargos de governação, Marcelo ficou como director interino e deixava logo o aviso: "Não espere do Expresso qualquer subserviência, favor, parcialidade ou contributo espúrio para o Governo em que se integra." E foi isso que aconteceu. As críticas surgiram. Sá Carneiro queixava-se do Expresso ao seu ministro adjunto. Até admite projectar um jornal concorrente. Sá Carneiro corta relações com Marcelo e pede a Balsemão interferência. O proprietário do Expresso não o fez (aliás, segundo a sua biografia, poucas foram as vezes que Balsemão em todos os anos do jornal interferiu antes da publicação de uma notícia. Terá acontecido apenas com notícias ligadas ao seu amigo André Gonçalves Pereira e terá pedido a publicação de uma notícia sobre a entrada de Joe Berardo na SIC. De resto, é referida a independência dada pelo patrão aos jornalistas. Até numa crise mais recente, em que o BES retirou toda a publicidade do jornal por causa de notícias publicadas).
Liderou um Governo da AD e com Mário Soares negociou a revisão constitucional de 1982.
Liderou um Governo da AD e com Mário Soares negociou a revisão constitucional de 1982.
O que Balsemão fez quando chegou à liderança do Governo foi chamar Rebelo de Sousa para o seu elenco. "Não o chamava pela avaliação dos seus próprios méritos para a função, mas por uma razão negativa: achava que o irrequieto jurista incomodava menos na Gomes Teixeira [como secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros] do que na Duque de Palmela", escreve Joaquim Vieira. Para Balsemão, no jornal, Marcelo "fazia mais estragos". E até se queixou que o seu semanário "andava a matar o pai". É esta explicação freudiana que Balsemão dará várias vezes, sobre muitos dos acontecimentos no Expresso. E, também por isso, não perdoa a muitos dos que saíram, nomeadamente para fundarem jornais concorrentes. Saem e poucos têm luz verde para voltar. Isto apesar de não gostar de rupturas. Mas com Rebelo de Sousa não teve alternativa. Depois do fim do Governo da AD, já Mário Soares liderava o bloco central e Balsemão voltara à sociedade civil - mas como administrador da empresa do Expresso e já não como director ou jornalista, embora reconhecendo que lhe fazia falta ir à redacção ver o fecho da primeira página -, o "filho" Marcelo volta a fazer das suas. Promove a criação do Semanário em 1983. Balsemão temeu pela liderança do Expresso. Sem razão. Mais de 30 anos depois volta a cruzar-se com Rebelo de Sousa, presente nas entregas do Prémio Pessoa, atribuído por Balsemão, e a quem pediu uma audiência, este ano, por causa da compra da TVI pela Altice. Mais um desafio na comunicação social, como tantos que tem enfrentado.

Apesar de ser o filho o remador, é Balsemão o timoneiro. E ainda accionista maioritário. É isso que quer. Que sempre quis. E foi por isso que criou a Balseger, explicando-o, então, ao Público: "Estou a criar uma empresa familiar para que, quando morrer, os meus filhos tenham a obrigação de se entenderem para preservar a maioria." Também aqui espera que não haja rupturas.

livro

O retrato de corpo inteiro 

A vida de Francisco Pinto Balsemão esteve nas mãos de Joaquim Vieira, conforme disse em tom irónico. E foi toda uma vida: a privada, a política, a empresarial. São 80 anos para contar.

Joaquim Vieira acredita que Francisco Pinto Balsemão ficará para a história como o obreiro da liberdade de imprensa em Portugal. Não tem dúvidas de que o patrão da Impresa pugnou pela independência dos seus órgãos e jornalistas. O livro biográfico fala logo na capa do patrão dos media que foi primeiro-ministro. Uma biografia escrita por um ex-jornalista do Expresso que, por isso mesmo, faz a declaração de interesses logo na introdução. Demorou cerca de dois anos e meio a construir a vida de Balsemão (que lhe deu acesso aos arquivos, mas não falou com ele), bem nascido e criado, na elitista sociedade de Cascais. Filho de um casal da alta burguesia, nascido a 1 de Setembro de 1937 (há precisamente 80 anos) "foi desde o primeiro dia o ai Jesus da família". Trineto de D. Pedro IV, estudou Direito. Durante o tempo de estudante foi pouco dado a intervenções políticas. Apesar da riqueza não ostentava grandes gastos. O primeiro veículo que teve foi uma scooter, na qual teve um acidente que o levou a ser detido (tendo, mais tarde, a sua detenção sido considerada ilegal e, por isso, ficou com o cadastro limpo). Mudou para um Renault e, mais tarde, ficou conhecido por andar de Porsche, um carro que conservou até tarde. Joaquim Vieira escreveu a biografia, tendo em conta algumas regras jornalísticas. Mas foi a fundo na vida privada. Para Joaquim Vieira, uma biografia, para ser completa, tem de dar o retrato de corpo inteiro. E, por isso, está lá tudo no livro: os casos amorosos com secretárias (e não só); a renegação inicial pela paternidade de um filho; as marcas das doenças (os dedos da mão que não se abrem, as manchas na pele, a operação na orelha); os vícios do tabaco e do whisky. Joaquim Vieira diz que falou com cerca de 60 pessoas, mas muitas com pedido de anonimato. O que leva o autor a comentar: "Continua a ser uma pessoa com poder." 



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