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Rui Peres Jorge - Jornalista rpjorge@negocios.pt 19 de Janeiro de 2017 às 13:48

7 razões para a esquerda defender um resgate à banca

O Ricardo Paes Mamede, um dos melhores e mais desafiantes economistas que temos em Portugal, considera que o resgate à banca que propus aqui há uns dias corre o risco de ser um "presente envenenado". Eis sete razões para a esquerda defender a ideia.

O Ricardo Paes Mamede, um dos melhores e mais desafiantes economistas que temos em Portugal, discorda da proposta que fiz há uns dias de se ponderar um resgate à banca ao abrigo dos instrumentos europeus previstos pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), que permitisse acelerar a recuperação do sistema financeiro nacional.

Alinhando com diagnóstico sobre a gravidade da situação da banca, o Ricardo Paes Mamede não considera que a solução seja "a mais adequada - ou sequer aceitável", fundamentando com três argumentos:

1) O principal problema nacional no curto prazo é o elevado peso da dívida pública e as baixas perspectivas de crescimento, para o que um programa do MEE pouco contribuiria;

2) A prioridade no longo prazo deve passar por encontrar uma forma de "compatibilizar uma estrutura produtiva débil com a participação numa zona monetária dominada por economias muito mais avançadas, sem que sejam criados mecanismos compensatórios". O que "implica enfrentar a necessidade de reestruturar a dívida pública e de alterar as regras de funcionamento da zona euro (ou desmantelá-la)". Para o que um resgate à banca também não contribuiria [Podendo até adiar este processo, questiono eu?];

3) As posições de Klaus Regling, o presidente do MEE [que tem demonstrado especial desconforto com as políticas de devolução de rendimentos], indicam que tal programa "viria quase seguramente acompanhado de exigências no sentido do prosseguimento do programa da troika no nosso país".
 
Chegados aqui,  sou eu que concordo em termos gerais com o diagnóstico, mas não com a negação do Ricardo Paes Mamede.

Longe de mim a defesa de que "o que é da troika é bom", ou de que um resgate à banca resolveria os graves problemas económicos nacionais – o meu balanço do que se passou entre 2011 e 2014 é aliás globalmente negativo. Mas a proposta de um resgate à banca visaria exactamente reduzir o risco de um novo resgate completo. Esta é, de resto, uma das sete razões pelas quais a esquerda deveria ponderar esta solução. A saber:

1) O programa de ajustamento implementado entre 2011 e 2014 falhou numa das suas dimensões principais, a de reestruturação do sistema financeiro, o que justifica que deva ser agora complementado com um programa específico para esse fim. A sua solicitação seria uma expressão do falhanço anterior e não das políticas actuais.

2) Portugal precisa de bancos dinâmicos, parceiros das empresas, que procurem novos negócios e projectos, que se entusiasmem, e não instituições que repitam à exaustão da ideia de que não há bons projectos para financiar. Uma limpeza geral de balanços ajudaria a acelerar a mudança de estado de espírito no sector.

3) É verdade que não há melhor remédio para os problemas da banca do que mais crescimento, mas a realidade é que o risco de enfrentarmos vários anos de crescimento anémico e baixas taxas de juro é real.

4) Um resgate à banca, financiado com juros de 2% permitidos pelo MEE, permitiria reduzir significativamente os custos da dívida – Portugal está a pagar 4% nos empréstimos a longo prazo – e avançar com uma abordagem sistémica ao problema. Neste resgate, incluir-se-ia a recapitalização da Caixa (que custará uns 4 mil milhões de euros aos cofres do Estado), a recapitalização do Novo Banco num cenário em que fica no Estado e, eventualmente, os 3,9 mil milhões de euros que já lá foram colocados, além do dinheiro que ainda poderia ser necessário para avançar com um "banco-mau" que limpasse os balanços da banca – que continua com um dos mais elevados níveis de crédito mal parado na Europa;

5) Com a dívida pública teimosamente próxima dos 130% do PIB, uma banca frágil, e perspectivas de crescimento baixo, o risco de perda de acesso ao mercado sem o apoio do BCE existe. Além disso baixar a taxa de juro da República está a revelar-se difícil e será ainda mais difícil à medida que o BCE decidir sair de cena. Uma redução do custo de financiamento da Republica por esta via melhoraria a sustentabilidade da dívida: como dizem as agências de "rating" seria um evento "positivo" para o risco de crédito.

6) Um resgate à banca reduziria o risco de um novo resgate completo. Além disso, de acordo com as regras do MEE, um resgate para a banca só tem condicionalidade sobre o sector financeiro – cujas regras já são em grande medida controladas pelo BCE e pela Comissão Europeia. Sempre é melhor que um programa completo com condicionalidade também nas frentes orçamental e nas políticas públicas.

7) Finalmente, o Ricardo coloca a tónica na importância da reestruturação da dívida. Eu acompanho-o. Mas uma redução suave da dívida (com extensão de maturidades e redução de juros) é teoricamente possível com e sem programa de resgate à banca. Já uma reestruturação com reduções de valor nominal da dívida – a mais eficiente para o devedor – só acontecerá com um programa completo da troika, exactamente o que a esquerda quer evitar.

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