Opinião
Raios partam estes tempos de crise
Em tempos de crise económica, o stress deste jornalista aumenta. O corpo e o cérebro andam permanentemente cansados, mas o pior é mesmo a turbulência emocional. Há uns três anos que acompanho mais de perto o caudal de insolvências em Portugal: grandes empresas, marcas com enorme notoriedade, sociedades com dívidas astronómicas, negócios distintos envolvendo figuras públicas.
Tenho assistido e relatado um mundo cheio de imperfeições, de axiomas perturbantes, de muitas mentiras, de tantas aldrabices, de alguma honestidade e inocência também. Empresários, gestores, trabalhadores, credores, leiloeiros, advogados, gestores e funcionários judiciais, polícias e ladrões: no meio de todos estes actores que orbitam em torno de tão complexa teia de interesses, tenta-se separar a história da estória e fazer-se a aproximação possível à verdade.
A tarefa tem sido intensa e desgastante. E promete manter-se ou até agravar-se: são já quase 1.300 as insolvências registadas em Portugal desde o início do ano, ou seja, mais 500 do que no mesmo período de há dois anos, e mais duas centenas do que entre 1 de Janeiro e 12 de Março do ano passado. E cada insolvência é uma tragédia. E cada empresa que se aproxima do precipício económico-financeiro é uma bomba-relógio social.
Não são raros os dias em que sou confrontado com o desespero de quem tenta impedir a publicação de informações sobre a difícil situação em que esta ou aquela empresa se encontra: "Se isso sai, é o fim"; " Estamos a tentar salvar o possível, com essa notícia vai tudo ao charco"; "Há uma solução em perspectiva, o senhor será o responsável pela falência de tudo o que construí."
É claro que temos consciência do impacto do que fazemos e que somos sensíveis a toda a argumentação dos visados. Mas este é o nosso trabalho. A abertura de um só precedente cavaria uma enorme e imparável cratera no manual de boas práticas jornalísticas. Não podemos, não devemos ir por aí. Resta-nos continuar a cobrir temas impactantes cumprindo todos as regras da profissão. O sentimento de culpa é tramado, mas nunca deverá ser para aqui chamado.
"Estou com uma depressão. Agora tudo ficou pior. A minha vontade era dar um tiro nos ‘cornos’", desabafou, ainda há pouco tempo, um empresário, após termos noticiado o recurso da sua empresa à gestão judicial. Consegui que ele compreendesse a natureza do meu trabalho, mas não consegui convencer-me a ir para casa mais leve. Apesar de tudo. Sou um fraco!
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