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Sonho de um sábado de manhã

Ao fundo, vê-se mal a silhueta. Pé em cima da cadeira, as nuvens brancas em cima do rio ancoram a definição dos contornos daquele homem. Elegante, confiante, traído. Antigo herói, o novo anti-herói. Quis salvar Portugal das garras dos liberais, dos alemães, dos burocratas, dos "filhos da mãe" dos "pistoleiros". E falhou, não conseguiu resistir aos ataques incessantes sobre si e os seus governos. Mas nunca se foi abaixo.

É um sonho, onde o homem surge livre das garras institucionais que sempre pareceram condicionar a ferocidade do animal que pulsa dentro. Responde, ataca, insinua, concretiza, defende-se, mas volta a atacar. Nos sonhos, as proporções ficam desfeitas, os relógios derretem, os tigres saem da boca de peixes e os factos que explicam uma monumental crise financeira e económica são convenientemente enevoados pelo subconsciente. 


Nem vale a pena prender-nos nas realidades que aprisionam a imaginação. A pobreza não existe, senão como antítese de um certo estilo de vida parisiense. Os cofres vazios de um país que gastou tudo o que tinha, e também o que não tinha, são um empecilho metafísico quando o que está em causa é a "eterna aprendizagem do convívio com a decepção". O mundo é perfeito quando se quer salvar um país, quando nunca se vai abaixo, até os outros nos mandarem abaixo.

A entrevista de José Sócrates (simplesmente, sem cargo ou título, sem passado, sem presente e, assumidamente, sem futuro), este último sábado ao "Expresso", foi isto. Um sonho, um mergulho num mundo onírico que, durante intensos minutos de palpitante leitura, inebriou, entorpeceu, emocionou, hipnotizou, enfeitiçou. E onde convivem George Harrison, Kant e Diogo Infante. Os relógios derretidos e o PEC IV. Os elefantes de pernas improvavelmente longas e as recomendações internacionais de estímulos à economia. As romãs, a Merkel, o Freeport e o "estupor" do ministro das Finanças da Alemanha.

Mas a entrevista – um já incontornável documento histórico, a apenas dois dias de distância – foi apenas um sonho, do qual se acorda de supetão no fim, um sonho épico – material de obra literária – sobre um homem injustiçado, um herói e um herdeiro que, depois de tudo e de todos, tem "uma boa vida". Tão proporcionalmente boa quanto má é a vida do país que José Sócrates deixou para trás na sua contínua viagem pela "merda da política".

*Editor de Empresas

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