Opinião
O golpe do Estado
Andava o país distraído com as denúncias da doutora Manuela Ferreira Leite sobre o «golpe de Estado» dentro do partido, quando, ali mesmo, no seu próprio Ministério, um estranho acto era consumado, sem explicações, sem coerência... sem Estado. Estamos a f
Andava o país distraído com as denúncias da doutora Manuela Ferreira Leite sobre o «golpe de Estado» dentro do partido, quando, ali mesmo, no seu próprio Ministério, um estranho acto era consumado, sem explicações, sem coerência... sem Estado.
Estamos a falar da Galp. Da venda de 33,34% do seu capital. O «negócio do século», como alguém andou a chamar-lhe. Um processo que nasceu torto, que continuou polémico e que ainda ninguém sabe exactamente como terminou.
Pois bem, vamos directos à questão essencial. Ontem o primeiro-ministro formalizou a sua saída do Governo, o que implica a queda do Governo todo. Com uma diferença de horas, era assinado à socapa o contrato da venda dessa posição na Galp a um dos concorrentes, a Petrocer.
A questão essencial é então a seguinte: qual é a pressa? o que fez correr este Governo? porque teve de fechar um dossier tão sensível, tão controverso, tão importante, com tamanha sofreguidão? Em suma, o «negócio do século» não podia ser adiado mais uns dias.
O filme dos acontecimentos está presente na memória dos leitores regulares deste jornal. A Eni vai sair da Galp, porque o gás natural saiu para a EDP. A sua participação na petrolífera está avaliada em 650 milhões. O Estado abriu concurso e convidou três grupos. Outro fez-se convidado.
O processo foi contaminado por uma intoxicação que atingiu um nível de que não há memória. A meio do jogo, Carlos Tavares decidiu convocar um árbitro - um Comité de Sábios, formado por individualidades insuspeitas.
Duas das quatro propostas passaram à fase de negociação com a Parpública. Esta, sob um conjunto de apertadas recomendações do Comité, andou mês e meio a falar com Petrocer e Mello.
O Ministério da Economia, entretanto, continuava a recorrer à credibilidade dos três sábios, como aval - era a eles que o processo retornava, no fim das negociações. Estas foram anteontem postas em causa pelo Grupo Mello, num comunicado estilo «sem papas na língua».
O que era apenas favoritismo transformava-se numa confirmação. A Petrocer entra na Galp e compra à Parpública a participação que ainda está nas mãos da Eni. Os sábios só receberam a papelada na noite da véspera. Recusaram pronunciar-se sob pressão e em horas.
O facto está consumado, mas não comunicado. O ministro desapareceu. Não há ninguém a dar a cara. Os sábios dirão qualquer coisa. Não se sabe com que efeitos.
A moral da história é que esta história não tem moral nenhuma. Por operações insignificantes, já este ministro e muitos outros convocaram conferências de imprensa, multiplicaram-se em declarações, posaram para todos os fotógrafos.
Logo agora que o «negócio do século» foi fechado, que teve a carga política toda que a gente sabe, que envolveu alguns dos interesses mais poderosos deste país, Carluci e companhia, nada...
Nas Repúblicas das Bananas todos sabem o que está por detrás de negócios com uma dimensão proporcionalmente inversa às explicações públicas que sobre eles são dadas. Como estamos em Portugal, tem a palavra o doutor Tavares e a doutora Manuela.