Opinião
Falência e ingenuidade
Uma multinacional, da indústria metalomecânica, com sede no Canadá, capital privado e cotada em bolsa, decidiu fechar sete fábricas na Europa. Uma delas em Portugal. Todas elas, por falta de encomendas. É lamentável.
Uma multinacional, da indústria metalomecânica, com sede no Canadá, capital privado e cotada em bolsa, decidiu fechar sete fábricas na Europa. Uma delas em Portugal. Todas elas, por falta de encomendas. É lamentável.
É uma desgraça para aquelas pessoas que vão cair no desemprego, muitas delas marginalizadas para sempre do mercado de trabalho. É, desse ponto de vista, um problema político. Mas não foi por este prisma que a política decidiu entrar no problema.
Não foi pela responsabilidade social do Estado. Ou, se for o caso, pela obrigação de garantir o respeito de leis e contratos. Em dia de interpelação na AR, ainda por cima com balanços aos dois anos de mandato, o “caso Bombardier” veio mesmo a calhar.
Para os ataques arruaceiros das oposições. Para a defesa pusilânime do Governo. É horrível ver uma classe política inteira fazer demagogia com a infelicidade alheia. Sobretudo quando esse infortúnio bate à porta dos mais desprotegidos - como o são, estes trabalhadores.
As bancadas da esquerda exploraram o fecho da ex-Sorefame para atacar a política económica deste Governo - o que não é honesto. E este vai intervir, vai hoje mesmo exigir explicações ao embaixador do Canadá, vai intimidar, não com um ministro, mas com dois!
Da Economia e dos Transportes. Impressiona. Mas não é sério. Provavelmente somos ingénuos, mas não se consegue adivinhar a conversa entre aquelas três personagens, todas bem intencionadas. Que argumentos podem Tavares e Carmona usar?
E o que podem dizer a um embaixador, para, depois, este comunicar ao “board” da Bombardier? A ingenuidade não é exactamente um defeito. Até porque obriga a levantar questões. E fazer algumas considerações:
a) a qualidade, o preço e o mercado são três factores que até hoje ditaram a presença dos canadianos em Portugal. Mas começou a faltar mercado. Que, no caso do material circulante ferroviário, é sobretudo Estado e empresas públicas como a CP;
b) nem todos os concursos públicos foram ganhos pela “fábrica portuguesa”. A Siemens e a Alstom conseguiram contratos importantes nos últimos anos, por exemplo, a travessia de comboios na ponte. Presume-se, por terem apresentados melhores propostas;
c) fruto da crise orçamental, mas também devido à penúria de importantes clientes, como a CP, muitos concursos foram cancelados, alguns projectos foram interrompidos, por falta de dinheiro.
Se este é o contexto, então ficam as perguntas “ingénuas”: os ministros vão garantir a adopção de uma política de protecção à indústria nacional metalomecânica? e o que significa essa protecção? que a Bombardier ganha sempre os contratos do Estado? mesmo com as piores propostas? e quanto custa ao país essa “carteira de encomendas” artificial? e estamos nós dispostos a pagar isso? e os concorrentes, a Siemens, por exemplo, fica impávida e serena a assistir a tudo isso? e se ela também se zanga conosco? vamos depois oferecer o quê ao embaixador alemão?
Ensinaram-nos na escola que perguntar não ofende. Mas é mau sinal que, quem deve responder, com elas se sinta ofendido.