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11 de Março de 2011 às 12:07

Amanhã há revolta

O sistema não sabe o que há-de fazer a estes jovens. Pôs-lhes uma moldura mas eles evadem-se pelo vidro partido.

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O sistema não sabe o que há-de fazer a estes jovens. Pôs-lhes uma moldura mas eles evadem-se pelo vidro partido. Chama-os parvos, diz "vão trabalhar, jovens malandros", trata a manifestação como infestação, deseja-a ridícula, cobra-lhe a falta de poesia, encena-a reprodução falhada de um Norte de África. Mas é apenas medo dela. É apenas medo deles.

Mesmo que não tivessem razão, os jovens têm razões para se manifestarem. A economia dividiu os seus entre os incluídos e os excluídos e a idade decide apenas quem são os últimos a bater na porta que se fechou. Eles não reclamam direitos adquiridos, mas oportunidades; não empunham o canudo como um pé-de-cabra, envergam-no como diploma da inutilidade. São centenas de milhares, ou desempregados, ou precários e sobretaxados. E se não têm políticos, civis ou poetas que os liderem, porque não têm, movem-se em grupo. A música dos Deolinda, por parva que seja, deu-lhes uma bandeira. Tomem: o que fazem com ela? Amanhã saberemos.

A Praça dos Restauradores jamais será Tahrir e haverá quem provoque cargas policiais para haver Tiananmen e mártires televisionados. Mas o que eles próprios têm de começar por mostrar é que não são coitadinhos do sistema nem aleijadinhos mentais. Porque é assim que gerações de outras revoluções os tratam.

Do aproveitamento político ao desaproveitamento geracional há um fosso que se tornou evidente nas últimas semanas. É incompreensível ver Mário Soares, e tantos que se celebraram no Maio de 68, dizer que esta gente é niilista, reles, indolente, que são imperadores que se rebolam nas suas soberbas misérias. Mais cru, e nisso desafiante, foi o incrível Luiz Pacheco numa das últimas entrevistas da sua vida, quando lhe pediram uma mensagem para as novas gerações: "Puta que os pariu".

Não eram niilistas os anarquistas d' "O Agente Secreto", de Joseph Conrad, há um século? Não eram extravagantemente destruidores os revolucionários em que o "Quinta-Feira" de Chesterton se infiltrou?

Este movimento não é de anarquistas nem vê praia debaixo das pedras da calçada. Mas quem diz que não há poesia nas páginas da "Time Out" não viu o "Orfeu" de Jean Cocteau, de há 60 anos, quando no "Café dos Poetas" mostra os jovens (que hoje são velhos) embevecidos com o livro de poesia "Nudismo" - tem todas as páginas em branco... E à geração de 68, o que chamaram os velhos quando ouviram Jacques Brel cantar "Les Bourgeois"?, em que mostra o rabo antes de cantar que "os burgueses são como os porcos, quanto mais velhos ficam, mais estúpidos se tornam".

O sistema produziu o hiato de tempo onde se desperdiçam estes jovens. Como escreve Don DeLillo no seu acelerado "Cosmopolis", há 15 anos, comentando uma manifestação de jovens contra a globalização, "estas pessoas são uma fantasia gerada pelo mercado, não existem fora do seu âmbito. Mesmo que queiram recusar o mercado, pôr-se do lado de fora, não têm para onde ir. Não há lado de fora. (...) A cultura do mercado é total, cria estes homens e estas mulheres, que são necessários ao sistema que desprezam."

As redes sociais tornaram-se, na Tunísia, no Egipto ou na Líbia, a praça pública onde se descobrem outros mares, que, como escreveu Pessoa, são sempre mais belos. E inspiram os europeus ao manifesto. Se o sistema os ridiculariza (ou paternaliza, o que é o mesmo), torna-os marginais ao único caminho possível, que é o político. A tensão existe. Ou se dilui ou rebenta. "O futuro é sempre feito de comunhão e de igualdade", diz deLillo, "lá somos todos altos e felizes." Mas mesmo que seja impossível, é ao menos futuro.

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