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31 de Outubro de 2006 às 13:59

A poupança, hoje

Se hoje se celebra no mundo o Dia da Poupança, em Portugal comemora-se o quê? Provavelmente, as memórias do defunto. Poupamos pouco. Todos. A poupança líquida de um país é o soma do que poupam o Estado, as empresas e as famílias.

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Em 32 anos de democracia, o Estado nunca poupou, só consumiu recursos. Os recursos que as empresas e as famílias poupavam. Ou, se não poupassem, o Estado consumiria recursos externos, pediria emprestado no estrangeiro. É essa a equação possível de hoje: as empresas investem alavancadas em financiamento; as famílias em pouco mais de dez anos multiplicaram por quase três o seu nível de endividamento (40% do rendimento em 1995, 118% em 2005). Resultado: devemos aos países e aos bancos estrangeiros.

O crédito não é o demónio. Pelo contrário, pedir dinheiro a alguém que o tem disponível, a troco de um lucro percentual, é uma das grandes invenções do capitalismo. O crédito alisa os ciclos económicos, antecipa níveis de consumo e viabiliza investimentos que dão energia a um país. O demónio está em não saber gerir a dívida. Em cair nas ciladas dos créditos fáceis das bancas e das parabancas que cuidam naturalmente mais dos seus balanços do que dos balanços dos clientes. Para quem empresta, o malparado é uma contingência. Para quem deve, pode ser a espiral da ruína.

Dever dinheiro não é mau. Mas depende do que fazemos com o dinheiro. Há outro país que, como Portugal, tem uma dívida brutal ao exterior. Chama-se Estados Unidos da América. Mas nos EUA esse dinheiro é investido em activos que geram um retorno superior ao que custa a dívida, consegue-se o que se chama um "défice virtuoso". Em Portugal, o Estado endivida--se para pagar despesa pública.

Dever dinheiro ao estrangeiro não é novidade. Há cem anos estávamos nas mãos do Barão de Rothschild e tivemos de entregar monopólios de recursos naturais para não entramos em bancarrota. Mas se o Estado continua hoje despesista e contristado pelas finanças públicas, as nossas famílias e empresas já quase exauriram os seus saldos de poupança líquida, ainda positivos. Ainda.

Dedicar dias mundiais à poupança vale tanto como evocar um vulto na placa toponímica de uma rua: alivia a consciência cívica de quem decidiu a dedicatória, mas serve de nada à sociedade se ninguém passa pelo beco. Pensamos uma vez por ano nas poupanças. Mas lembramo-nos uma vez por mês das dívidas.

Dever zero é, para o dinamismo da economia, quase tão negativo quanto poupar zero. Mas é melhor. E nós passámos de um extremo ao outro. Do aforro de colchão antes do 25 de Abril para a esplendorosa sociedade de consumo após os anos 90.

A nossa geração torra em casas, carros e plasmas o que as gerações anteriores enfiaram durante décadas em pés-de-meia.

Essa é porventura o nosso dever hoje: ensinar as gerações futuras a saber gerir dinheiro, a saber gerir poupanças, a saber gerir dívidas. As universidades têm os parques de estacionamento a abarrotar, nos liceus as mochilas têm telemóveis topo de gama, as crianças são bombardeadas com publicidade e as mesadas que nós, pais, lhes entregamos são das mais altas da Europa. O dinheiro desmaterializou-se, o consumo alastrou-se a todas as idades, a "vida fácil" está à mão de semear. Mas de nada nos serve a litania do teso. Podemos não ter nada para comemorar hoje. Mas temos muito que aprender. E ensinar.

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