Opinião
Há vida na bolsa
Primeiro foi a Raize, agora é a Science4You que quer vir para a bolsa de Lisboa. Seria bom que fosse o início de uma tendência, de um movimento capaz de afirmar aquela que deve ser a vocação do mercado de capitais português e o seu papel no financiamento da economia.
Para não variar, este tem sido um ano difícil para a praça portuguesa. Saíram ou estão na porta de saída mais empresas - BPI, Sumol+Compal, SDC Investimentos, Cipan ou Luz Saúde. Nos anos anteriores partiram muitas outras, grandes e pequenas. Algumas pouco sentido fazia lá continuarem - na prática pouco ou nada negociavam -, o certo é que o mercado ficou muito mais exíguo e menos significante.
Para 2018 estava reservado ainda outro revés: o fracasso na oferta da Sonae MC que permitiria ver entrar na bolsa uma empresa de média dimensão, a maior desde a já longínqua colocação dos CTT. Foi um banho de água gelada.
As grandes e médias empresas ou já estão na bolsa ou não querem lá estar, pelas exigências regulatórias do mercado, pelos custos que isso acarreta, ou apenas por uma questão de mentalidade dos empresários. Num mundo de juros ainda tão diminutos, quem tem um risco baixo encontra, com grande facilidade, abundantes propostas na banca.
Não é o que acontece com empresas como a Raize ou a Science4You. É sobretudo para essas que o mercado de capitais pode ser uma boa alternativa, com inúmeras vantagens. Além de conseguirem fundos para o seu crescimento, ganham um certificado de credibilidade que as ajuda a entrar noutros mercados ou atrair novos investidores.
A Raize teve o mérito de abrir o caminho - é o CEO da Science4You que o assume - agora há outra que o pode ajudar a cimentar. Dos até 15 milhões que a empresa liderada por Miguel Pina Martins quer ir buscar ao mercado, 8,5 milhões correspondem a um aumento de capital que servirá para financiar a internacionalização e apostar no "e-commerce".
Desnatado das grandes cotadas, é nestas que a bolsa de Lisboa pode encontrar uma pertinência e vocação. Para isso precisa de mais empresas, para que ganhe massa crítica e desenvolva um ecossistema de investidores e intermediários com presença assídua no mercado.
A CMVM e a Euronext souberam criar segmentos com exigências regulatórias e custos mais leves, indispensáveis para atrair estas pequenas empresas. Como tudo o que ainda dá os primeiros passos, era importante que houvesse outros incentivos, incluindo fiscais, para desenvolver o mercado. Coisa que num Governo atrelado ao PCP e ao Bloco nunca existirá.
A crise mostrou-nos que uma economia demasiado dependente de capitais alheios torna-se quebradiça e parte com facilidade. Desenvolver alternativas baseadas em capitais próprios, como a bolsa, deveria ser uma prioridade.
Esta é também uma forma de pormos a pouca poupança própria ao serviço da economia portuguesa, mantendo presentes os riscos de investir em acções, em vez de tê-la a servir empresas alheias de outros países.
A Raize e a Science4You são um sinal de vida. Espera-se que sejam mais do que uma intermitência.