Opinião
Baixo custo e baixo nível
O progresso nem sempre nos leva para a frente, nem sempre representa um aperfeiçoamento. A aviação “low-cost” é disso um exemplo. A experiência média de uma viagem de avião é hoje pior do que era antes do advento daquela revolução. Cadeiras mais finas e desconfortáveis, menos espaço para as pernas, serviço em terra quase inexistente, a bagagem de porão transformada em bem de luxo.
Também teve os seus benefícios, caso contrário teria soçobrado. É inquestionável a democratização do acesso ao transporte aéreo que o modelo proporcionou. O turismo no Porto, em Lisboa, na Madeira, nos Açores e noutras partes do mundo não cresceria o que cresce sem as "low-cost". Mas é também inegável que as condições em que se viaja se deterioraram e o mesmo aconteceu com as condições de trabalho.
"Não se pode ir trabalhar para a Transavia com o salário e as condições da Air France sem que isso mate a Transavia", dizia em 2015 o então CEO do grupo Air France KLM, Alexandre de Juniac. A aviação é um negócio de margens muito baixas, que para ser rentável depende de taxas de ocupação elevadas e custos altamente controlados. Mais ainda nas "low-cost". Mas não pode valer tudo.
Greves de pilotos e tripulantes sempre existiram, mesmo antes das companhias de baixo custo. Tal como as pressões sobre os trabalhadores que a elas aderem. Mas as práticas da Ryanair em relação à paralisação marcada para o período da Páscoa, conhecidas este fim-de-semana, vão muito além do razoável.
Não só a companhia aérea parece violar a legislação nacional ao "recrutar" substitutos estrangeiros para os grevistas, como o faz realizando uma inaceitável pressão sobre os trabalhadores. Nas conversas entre responsáveis da empresa e os tripulantes, divulgadas este fim-de-semana, estes recebem ameaças veladas de represálias quando resistem a ser chamados a desempenhar aquele papel. Num dos casos é dito inclusive que a recusa poria em causa uma promoção futura.
O presidente da Ryanair ainda no início do mês garantia a inexistência de pressões. "Se existem provas de bullying, que se apresentem casos", desafiou. Como qualifica Michael O’Leary as conversas gravadas que se ouviram nos últimos dias?