Opinião
O erro fatal de Trump na protecção financeira do consumidor
Trump, ao assumir o controlo do Gabinete de Protecção Financeira dos Consumidores e ao colocar na sua liderança um extremista ideológico, acabou por expor as graves falhas do mito fundador da sua Administração.
O mito fundador da Administração do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, consiste em dizer que vai melhorar a situação do cidadão comum norte-americano através da diminuição do IRC, da desregulação do sector financeiro e da derrogação das medidas de protecção ambiental. Nada disto faz sentido e a reivindicação da Administração Trump de que estas medidas vão estimular a economia – com a taxa de crescimento anual a acelerar de 2% para 3% – é pura fantasia.
Os eleitores norte-americanos estão a começar a perceber isso – tal como o demonstra o resultado das eleições recentes na Virgínia e noutras regiões. Mas ainda vai demorar mais um pouco até que a falsidade das promessas de Trump seja exposta, em parte porque muitas mudanças macroeconómicas são complexas e demoram tempo até se tornarem aparentes (ou não).
No entanto, Trump cometeu um enorme erro táctico. Ao assumir o controlo do Gabinete de Protecção Financeira dos Consumidores [Consumer Financial Protection Bureau (CFPB)] e ao colocar na sua liderança um extremista ideológico, acabou por expor as graves falhas do mito fundador da sua Administração.
O CFPB foi criado em 2010, no âmbito da lei Dodd-Frank da reforma financeira, para fazer precisamente aquilo que o seu nome diz: proteger os consumidores nas suas várias transacções financeiras. Foi preciso criar uma nova agência, porque as entidades reguladoras existentes, incluindo o Conselho de Governadores do Sistema da Reserva Federal, falhou – manifesta e repetidamente – na sua missão de proteger os consumidores dos abusos, nomeadamente as práticas ardilosas e fraudulentas de concessão de empréstimos hipotecários, algumas das quais estiveram na origem da crise de 2007-08.
Tal como foi claramente demonstrado por Elizabeth Warren (na época uma acérrima defensora dos direitos consumidores e actualmente senadora pelo Estado de Massachusetts), havia muito mais protecção para quem comprava uma torradeira do que para alguém que contraía um crédito à habitação durante 25anos. O mundo financeiro é complexo e trata-se de um domínio onde pode haver muitos diabos nos detalhes. O CFPB foi concebido, acima de tudo, para trazer uma maior transparência às transacções financeiras dos consumidores – o que favorece o bom funcionamento dos mercados.
E o CFPB fez precisamente aquilo que lhe foi destinado pelo Congresso. Até agora, conseguiu restituir perto de 12 mil milhões de dólares a 29 milhões de consumidores. Ao mesmo tempo, os bancos estão a reportar lucros recorde – na ordem dos 171 mil milhões de dólares, de acordo com os dados mais recentes. O CFPB é bom para os negócios, ou pelo menos para o negócio tradicional do crédito concedido em conformidade com as regras e de forma transparente.
Infelizmente, alguns elementos no seio do sector financeiro – tal como os payday lenders (que são pessoas que emprestam sobre o salário de outrem, recebendo o que emprestaram e os correspondentes juros altíssimos quando a pessoa recebe o salário) – nunca gostaram de se verem escrutinados pelo CFPB. Estes intervenientes, entre outros, envidaram grandes esforços para abolirem ou enfraquecerem consideravelmente a agência, fazendo, nesse sentido, elevadas doações a membros do Comité dos Serviços Financeiros da Câmara dos Representantes. Quem quer que se apresente perante este comité para falar de um assunto que diga respeito ao CFPB pode esperar ser escarnecido pelos seus membros republicanos, que defendem – sem qualquer prova palpável – que a agência trava o crescimento económico, destrói empregos, mantém os salários baixos ou outra coisa qualquer.
O antecessor de Trump, Barack Obama, nomeou Richard Cordray como primeiro director do CFPB. Na opinião praticamente unânime dos observadores, ele fez um trabalho extraordinário. Com o seu mandato a terminar em 2018, bastava a Trump ter esperado um pouco mais.
No entanto, Cordray demitiu-se inesperadamente, no passado mês de Novembro, tendo designado a sua chefe de gabinete para o substituir. Mas algumas horas depois Trump nomeou o director do Gabinete de Gestão e Orçamento, Mick Mulvaney, para chefiar o CFPB – decisão essa que foi aprovada por um tribunal federal enquanto se espera que o Senado possa confirmar um novo director.
O primeiro erro de Trump foi chamar as atenções e trazer dramatismo para uma nomeação que acabaria por lhe competir tratar. O seu segundo erro foi nomear Mulvaney, um radical que quer reduzir as prerrogativas do Estado diminuindo ao máximo o orçamento das agências federais (e que defende actualmente uma reforma fiscal que aumentará consideravelmente o défice orçamental e a dívida pública).
Naturalmente, Mulvaney já anunciou um congelamento imediato de todas as normas do CFPB. Com o tempo, independentemente do resultado de curto prazo de quaisquer recursos judiciais, será de esperar que os principais responsáveis desta agência federal sejam forçados a sair, que os processos em curso sejam suspensos e que os consumidores estejam menos bem protegidos. Os efeitos da turbulência institucional serão de arrepiar.
O CFPB é actualmente uma das agências federais mais reactivas, focalizada num conjunto específico de objectivos alcançáveis. Mas isso irá acabar muito em breve.
A protecção dos consumidores contra os abusos financeiros não tem pontos em comum com a escolha de uma política macroeconómica nem com a elaboração do orçamento federal – domínios que a maioria das pessoas não compreende. Os consumidores sabem se foram enganados e sabem se um organismo os pode ajudar. Dentro de um ou dois anos, os jornais estarão repletos de histórias de pessoas – algumas delas apoiantes de Trump – vítimas de operadores financeiros pouco escrupulosos e que estão a ser ignoradas (ou pior) pelo governo federal.
A reacção contra o estilo de Mulvaney de reduzir ao mínimo o apoio do Estado federal – o que significa nenhuma protecção para o cidadão comum – começa no CFPB. Um mito fundador que prejudica tão visivelmente aqueles que diz defender acabará por regressar à periferia da política, que é onde pertence e de onde nunca deveria ter saído.
Simon Johnson é professor da Sloan School of Management do MIT e o co-autor de White House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, and Why It Matters to You.
Direitos de autor: Project Syndicate, 2017.
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Tradução: Carla Pedro