Opinião
A bela confusão da regulação financeira
Quando um atleta quebra as regras, é muito fácil perceber se o respectivo órgão disciplinar quer mesmo desencorajar actos reincidentes. Suspender um jogador da competição – como acontece no futebol no caso de faltas perigosas – é um castigo a sério, não só para o indivíduo como também para a equipa.
Veja-se o caso de Michael Clarke, capitão da equipa australiana de cricket, que recentemente ameaçou causar danos corporais a um jogador adversário. Apesar dos protestos da opinião pública, a Cricket Australia (organismo que regula o desporto) impôs apenas uma pequena multa (isto é, pequena em comparação com o salário anual de Clarke). Quer isto tenha sido apropriado ou não, a Cricket Australia estava a tornar claro que tal comportamento apenas mereceu uma punição simbólica.
O recente acordo de 13 mil milhões de dólares entre o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e a JPMorgan Chase (JPM), um dos maiores bancos internacionais mundiais, deve ser visto da mesma forma. Para os inexperientes, a multa parece significativa (o que explica as grandes e apelativas manchetes), e certamente fez com que os organismos de regulação financeira da América parecessem ocupados e sérios. Mas, tal como a Cricket Australia, a mensagem é clara: não haverá mudança nenhuma no negócio, como de costume.
A JPM foi acusada de uma vasta gama de actividades ilegais, incluindo deturpação de valores mobiliários para os investidores e muito mais. A Better Markets, um grupo de reforma pró-financeira, sublinha que o que sabemos sobre o acordo sugere que ele é largamente inexpressivo. Tal como Dennis Kelleher, que lidera a Better Markers, diz:
“Em vez de aplicar a sanção máxima à JPM e aos seus executivos, o Departamento de Justiça cancelou uma conferência de imprensa e parou um processo em tribunal porque o seu CEO Jamie Dimon, figura de elevada notoriedade e com ligações políticas, telefonou pessoalmente ao Procurador-Geral e pediu-lhe para o fazer.”
A maneira como o acordo foi feito devia levar-nos a reflectir – como o facto de Dimon ter acesso directo ao Procurador-geral americano, Eric Holder, o principal responsável pela aplicação da Lei. “Poucos ou nenhuns americanos têm a capacidade de conseguir contactar o Procurador-Geral por telefone”, relembra-nos Kelleher, “muito menos têm o poder de fazê-lo parar um processo jurídico que devia ter revelado ao público detalhes da alegada conduta ilegal da JPMorgan.”
Como consequência, não saberemos exactamente o que foi alegado no processo contra a JPM, incluindo as provas que foram usadas. O nível de escrutínio público e preocupação vão desaparecer.
Mas pelo menos a JPM tem de pagar um preço alto para fazer toda esta história desaparecer, certo? Bem, não. Uma multa de 13 mil milhões de dólares para uma empresa do tamanho da JPM é quase tão dolorosa como a multa de Clarke foi para ele – não foi de todo. Clarke ganha à volta de 6 milhões de dólares australianos por ano; além de uma verba anual, ele recebe 14 mil dólares por cada partida internacional de cricket, juntamente com outros subsídios de viagem e bónus. A multa representa 20% da taxa de um jogo internacional (2.800 dólares) ou 0,05% do seu salário anual. Para qualquer pessoa com um rendimento anual de 50 mil dólares (que é a média dos lares americanos), seria o equivalente a uma multa de 25 dólares.
A JPM tem um balanço anual de 4 biliões de dólares, medidos usando standards contabilísticos internacionais. Tal como a direcção disse aos seus accionistas depois do acordo ter sido anunciado, “a firma tem reservas suficientes para esta matéria”, significando que não haveria impacto material nos rendimentos. E, previsivelmente, “a firma não admitiu qualquer violação da lei.”
De facto, enquanto se presume que a magra multa de Clark pelo menos tenha saído do seu próprio bolso, a penalização deixada à JPM é para ser paga, maioritariamente, pelos seus accionistas. E, porque não há mercado para o controle empresarial sobre os mega-bancos (porque as protecções fornecidas pelos reguladores previnem aquisições hostis ou um activismo dinâmico dos accionistas), a frustração dos investidores da JPM não pode resultar numa mudança de direcção.
Mas, mais uma vez, os accionistas da JPM têm poucos motivo para se preocupar. Marianne Lake, a CFO da JP Morgan, sugeriu que cerca 7 mil milhões da multa são dedutíveis nos impostos, isto é, tratadas como uma forma de despesa necessária e usual ao negócio. Ao banco foi cobrada uma taxa efectiva de 31,3% nos primeiros nove meses de 2013, de acordo com o Wall Street Journal, implicando uma redução fiscal que vale cerca de 2,2 mil milhões de dólares (que pode acabar por ser maior).
Apesar de a JPM estar agora fora dos holofotes, o facto de tornar os funcionários individual e pessoalmente responsáveis pelos seus comportamentos é uma opção. Mas ninguém deve suster a respiração. As probabilidades de alguém ser suspenso da indústria são mínimas, e o impacto na direcção é mais provável que seja nenhum.
Kelleher enviou uma poderosa carta ao Procurador-geral, exigindo a divulgação completa de todos os detalhes do caso – e há muitos. Os americanos devem a si mesmos lerem-na e recomendarem-na aos seus representantes eleitos. Kelleher conclui, “Justiça igualitária para todos, sem medo ou favores, é o alicerce da nossa democracia e, ainda mais, do nosso país.” Infelizmente, o departamento de Justiça parece ainda acreditar que empresas muito grandes merecem acesso especial e tratamento especial.
Simon Johnson é professor da Sloan School of Management do MIT e co-autor do livro "White House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, And Why It Matters To You".
© Project Syndicate, 2014.
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Tradução: Bruno Simões