Opinião
Qual é o Plano B para a Grécia?
Mesmo após dois pacotes de resgate, é irrealista esperar que os contribuintes gregos comecem a fazer grandes desembolsos no imediato – não com uma taxa de desemprego nos 25% (e acima dos 50% para os jovens).
Os mercados financeiros aplaudiram a eleição do novo governo de extrema esquerda da Grécia de forma previsível. No entanto, apesar de a vitória do Syriza ter feito, no imediato, as acções e as obrigações gregas caírem, não houve grande contágio a outras economias em dificuldades na periferia da Zona Euro. As obrigações espanholas a 10 anos, por exemplo, continuaram a negociar a taxas de juro abaixo das OT norte-americanas. A questão está em saber quanto tempo durará esta relativa calma.
É praticamente assumido pela generalidade que o novo governo grego não terá grande escolha se não a de aderir ao programa de reformas estruturais aceite pelo governo anterior, talvez em troca de uma modesta flexibilização da austeridade orçamental. No entanto, as dimensões políticas, sociais e económicas da vitória do Syriza são demasiado importantes para serem ignoradas. Com efeito, é impossível descartar por completo uma saída da Grécia do euro (Grexit), e muito menos controlos de capitais que efectivamente façam com que o euro dentro das fronteiras gregas valha menos do que em qualquer outra parte.
Alguns responsáveis pela política monetária da Zona Euro parecem estar convictos de que uma saída da Grécia do euro, dura ou suave, já não constituirá uma ameaça para os outros países da periferia. Até podem ter razão; mas recordemos que, em 2008, os decisores políticos norte-americanos achavam que o desmoronar de um banco de investimento, Bear Stearns, tinha preparado os mercados para a falência de um outro, o Lehman Brothers. E nós sabemos como é que as coisas acabaram por acontecer.
É certo que tem havido avanços importantes, tanto institucionais como em matéria de políticas, desde inícios de 2010, que foi quando a crise grega começou a desencadear-se. A nova união bancária, se bem que imperfeita, e a promessa do Banco Central Europeu de salvar o euro, fazendo "o que for preciso", são essenciais para sustentar a união monetária. Outra inovação crucial foi o desenvolvimento do Mecanismo Europeu de Estabilidade, que, tal como o Fundo Monetário Internacional, tem capacidade para executar vastos resgates financeiros, sujeitos a condicionalismos.
E, ainda assim, mesmo com estes novos apoios institucionais, os riscos financeiros mundiais de uma instabilidade na Grécia continuam a ser profundos. Não é difícil imaginar que os novos líderes intrépidos da Grécia subestimem a intransigência da Alemanha no que diz respeito ao alívio da dívida ou á renegociação de pacotes de reformas estruturais. Também não é difícil imaginar que os eurocratas possam fazer cálculos errados quanto à dinâmica política na Grécia.
Independentemente de qual seja o cenário, a maior parte do encargo do ajustamento recairá sobre a Grécia. Qualquer país esbanjador que se obriga subitamente a viver segundo os seus meios tem de proceder a um enorme ajustamento, mesmo que todas as suas dívidas passadas sejam perdoadas. E o esbanjamento da Grécia foi épico. Antes da sua crise da dívida em 2010, o défice orçamental primário do governo (a quantidade em que a despesa pública em bens e serviços excede as receitas, excluindo o pagamento de juros sobre a dívida) equivalia a 10% do rendimento nacional.
Assim que a crise se desencadeou e a Grécia perdeu o acesso a novos financiamentos privados, a troika (FMI, BCE e Comissão Europeia) disponibilizou um financiamento de longo prazo sumamente subsidiado. Mas mesmo que a dívida grega tivesse sido completamente perdoada, passar de um défice primário de 10% do PIB para um orçamento equilibrado é algo que requer que se aperte fortemente o cinto – e, inevitavelmente, implica recessão. Os alemães têm razão quando dizem que as queixas sobre a "austeridade" têm de ser dirigidas aos anteriores governos gregos. Os excessos desses governos fizeram com que o consumo na Grécia se fixasse em níveis acima do sustentável; era inevitável serem confrontados com a dura realidade.
Contudo, a Europa tem de ser muito mais generosa em matéria de amortização da dívida de forma permanente e, ainda mais urgente, na redução dos reembolsos a curto prazo. O primeiro é necessário para reduzir a incerteza no longo prazo e o segundo é essencial para facilitar o crescimento no curto prazo.
Sejamos realistas: a embrulhada em que a Grécia se encontra actualmente não é de sua exclusiva culpa. (Os jovens gregos – que agora demoram normalmente mais tempo para terminar a faculdade, pois os seus professores costumam estar de greve – certamente não o causaram).
Antes de mais, a decisão dos países da Zona Euro de integrar a Grécia na moeda única, em 2002, foi terrivelmente irresponsável e o apoio francês merece grande parte da culpa. Nessa altura, era visivelmente notório que a Grécia não cumpria uma variedade de critérios básicos de convergência, devido à sua elevada dívida e ao seu relativo atraso político e económico.
Em segundo lugar, grande parte do financiamento das dívidas da Grécia provinha de bancos alemães e franceses que obtiveram enormes ganhos na intermediação dos empréstimos dos seus próprios países e da Ásia. Injectaram esse dinheiro num Estado frágil, cuja credibilidade orçamental dependia, afinal de contas, de ser resgatado por outros membros do euro.
Em terceiro lugar, os parceiros da Grécia na Zona Euro têm brandido uma ameaça que normalmente não surge nas negociações relativas à dívida soberana. Se a Grécia não aceitar as condições impostas para se manter no euro, arrisca-se a ser expulsa da União Europeia.
Mesmo após dois pacotes de resgate, é irrealista esperar que os contribuintes gregos comecem a fazer grandes desembolsos no imediato – não com uma taxa de desemprego nos 25% (e acima dos 50% para os jovens). A Alemanha e outros europeus de linha dura do Norte têm razão em insistir para que a Grécia cumpra os seus compromissos de uma reforma estrutural, para que a convergência económica com o resto da Zona Euro possa vir a acontecer. Mas deveriam fazer concessões ainda mais profundas em relação aos reembolsos da dívida, cujo peso cria ainda uma considerável incerteza política para os investidores.
Se forem acordadas concessões à Grécia que criem um precedente que outros países poderão querer explorar, então que seja. Mais tarde ou mais cedo, outros países da periferia também irão precisar de ajuda. A Grécia, esperemos, não será obrigada a sair da Zona Euro, se bem que haja opções temporárias, como impor controlos de capital, que poderão acabar por se revelar necessárias para evitar um colapso financeiro. A Zona Euro tem de continuar a vergar se não quiser quebrar.
Kenneth Rogoff, antigo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, é professor de Economia e Política Pública na Universidade de Harvard.
Direitos de autor: Project Syndicate, 2015.
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Tradução: Carla Pedro